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O ICMS e sua base de cálculo face a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) –

realidade de entendimento dos tribunais

11/04/2017 às 09:40
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A tese do afastamento da incidência do ICMS aduz que a TUSD e demais encargos de conexão não integram o preço da energia (mercadoria), não podendo ser suportados pelo consumidor final. O custo da energia se restringiria à mercadoria efetivamente consumida, única base de cálculo legítima para o ICMS.

A incidência de ICMS sobre todo o processo de fornecimento de energia, atingindo todos os seus custos e em especial a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), vem sendo tema de grande destaque e vem chamando a atenção do contribuinte com interesse na repetição de valores.

Não raros são os anúncios de materiais para a propositura de ações, bem como notícias afirmando a certeza de restituição aos contribuintes dos valores pagos a maior ilegitimamente.

Todavia, qual o real conteúdo e extensão do debate? Qual a certeza dos posicionamentos dos Tribunais? O que de fato foi decidido?

Estas questões, dentre outras, serão tratadas no presente texto, cuja maior intenção é esclarecê-las e fornecer a interessados informações sólidas para a decisão de questionamento judicial ou não da questão.

1 – A identificação do objeto das ações de restituição de ICMS e TUSD

O cerne do debate reside na alegação de não exigibilidade dos consumidores de energia elétrica adquirida no mercado livre do ICMS sobre o valor da TUSD, uma vez que o tributo deve incidir apenas sobre a energia elétrica consumida e não sobre encargos correlatos.

A tese do afastamento da incidência aduz que a TUSD e demais encargos de conexão não integram o preço da energia (mercadoria) e, assim sendo, não podem ser suportados pelo consumidor final. Tais valores não compõem o custo da energia, que se restringiria à mercadoria efetivamente consumida, única base de cálculo legítima para o ICMS.

2 – A origem da TUSD

Nos anos 90, houve grande reforma no sistema de fornecimento de energia, por meio da qual ao Poder Público caberia apenas a regulamentação e fiscalização do setor e dos novos agentes do mesmo. A estes últimos, caberiam as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

Com isto, os consumidores passariam a ter a possibilidade de escolher a fonte de aquisição de energia elétrica não mais se vinculando de forme impositiva a distribuidoras públicas.

Surgiram com isto, os consumidores livres.

Neste cenário, aos consumidores livres foi assegurado acesso a sistemas de distribuição e transmissão de concessionárias e permissionárias de serviço, mediante ressarcimento do custo do transporte envolvido. Assim, a TUSD é prevista no §6º do artigo 15 da Lei 9074/95.

3 – A posição do STJ e o efeito das decisões.

De modo reiterado e consistente o STJ, especialmente por maioria da 2ª Turma, decidia pela ilegalidade da incidência do ICMS sobre a TUSD em razão do fato gerador do tributo ser apenas a saída da mercadoria, caracterizada pela energia elétrica consumida.

Nesse sentido são algumas decisões: AgRg no REsp 1359399/MG (2013), AgRg no REsp 1075223/MG (2013), AgRg no REsp 1408485/SC (2015), AgRg no AREsp 845353/SC (2016).

A despeito do vastíssimo número de decisões no mesmo sentido, todas foram proferidas sem efeito vinculante, erga omnes ou em sede da ritualística de recursos repetitivos.

Não obstante às decisões pela ilegalidade da incidência, em 2017, quando do julgamento do REsp 1163020/RS, o Min. Gurgel de Faria trouxe em seu voto entendimento diverso, o qual se sagrou vencedor e implicou na negativa de provimento do recurso do contribuinte.

Consignou o Ministro que o fornecimento/consumo de energia elétrica possui peculiar realidade física e sua circulação somente existe mediante a ocorrência simultânea da geração, transmissão, distribuição e consumo. Todas as fases configurariam a corrente elétrica que é acionada quando do fechamento do circuito físico existente desde a fonte geradora até a unidade do usuário.

Esta feição própria da energia elétrica faz com que todas as etapas narradas formem conjunto indissociável que compõe de forma necessária o aspecto material do ICMS.

Sob esta ótica, os custos de cada fase integram o preço da operação mercantil e não podem ser excluídos da base de cálculo do ICMS.

Com este entendimento a 1ª Turma, por maioria de votos, decidiu pela legalidade da incidência do ICMS sobre a TUSD, quebrando sequência de entendimento, até então tido como pacífico no STJ. Mister ressaltar que esta decisão também foi proferida apenas com efeito inter partes.

Notadamente, frise-se que a matéria ainda deve ser definitivamente analisada pela 1ª Seção do STJ, com componentes da 1ª e 2ª Turmas.

Há ainda que se destacar a existência de Recurso Extraordinário n. 593824/SC em curso no STF sobre o qual foi reconhecida repercussão geral. Neste é debatida a legalidade da inclusão na base de cálculo do ICMS do valor cobrado a título de demanda de potência.

Embora a questão não envolva de forma direta a TUSD, sua solução acabará por gerar reflexos nesta temática, uma vez ser analisada pelo STF a possibilidade ou não do ICMS incidir tão somente sobre o que de fato é consumido e utilizado ou também pode incidir sobre itens correlatos à dinâmica da energia elétrica, tais como custos de distribuição ou garantia de disponibilidade.

4- Conclusões

Em razão do exposto, é possível afirmar que, tanto as notícias e propagandas de ações indicando a certeza da repetição de valores quanto as veiculadas por órgãos públicos, no sentido que o STJ teria autorizado a cobrança do ICMS sobre a TUSD, não podem ser tomadas como verdades definitivas.

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Muito embora tenham sido presenciadas decisões favoráveis aos contribuintes, a questão sofreu uma importante alteração de entendimento, a qual ainda depende de uniformização e solução extensiva e definitiva pelos Tribunais Superiores.

Assim, a questão deve ser apresentada a clientes e interessados de forma ampla, clara e aprofundada, com o fornecimento de informações sobre todas as nuances e alterações identificadas nos processos já analisados e possibilidades de impacto de futuras decisões.

Vale recordar que ao profissional do direito se impõe a obrigação do emprego de todos os meios adequados e úteis para a melhor defesa do interesse do seu representado, sendo, contudo, vedada pelas postulações éticas a prévia promessa de êxito.

O debate ainda não está definitivamente solucionado e a despeito das chances de reconhecimento final da tese favorável ao contribuinte, hoje o mesmo deve ser esclarecido das recentes alterações e riscos.

Em função do elevado número de ações sobre o tema e o montante financeiro envolvido é importante o acompanhamento dos futuros julgamentos nos Tribunais Superiores, na medida em que se identificou séria divergência, a qual inevitavelmente será dirimida.

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Sobre a autora
Roberta Vieira Gemente

Advogada, formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Puccamp, pós -graduada em Direito Tributário pela Faditu, MBA em Direito Fiscal pela Trevisan Escola e Negócios,certicada em diversos cursos de Direito Tributário ministrados na PUC-SP, GVLaw, Apet, dentre outros. Pós graduanda em Direito de Contratos e Responsabilidade Civil. Atuação na área Contenciosa e Consultiva Tributária desde o ano de 2000, prestando serviços para escritórios de médio e grande porte. Inscrita na OAB, seção SP, sob o número 186.599.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GEMENTE, Roberta Vieira. O ICMS e sua base de cálculo face a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD) –: realidade de entendimento dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5032, 11 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57031. Acesso em: 18 abr. 2024.

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