A execução provisória[1] – denominada, segundo o Código de Processo Civil, de cumprimento provisório de sentença – tem como escopo antecipar/adiantar a atividade jurisdicional satisfativa. Assim, pendente recurso sem efeito suspensivo contra determinada decisão que estipula obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, a lei regula e permite que já possam ir sendo adotadas providências executivas.
No Processo do Trabalho, o art. 878, caput, da CLT consagra que “A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior” (grifo nosso). Já o art. 765 da CLT corrobora os poderes diretivos do magistrado ao dispor que: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”
Com base nesses dispositivos, percebe-se que a lei prevê a execução de ofício, aparentemente, como possibilidade. Tal “possibilidade”, no entanto, trata-se de verdadeiro dever. Concluir pelo dever do magistrado de promover a execução de ofício no caso da omissão das partes ou demais interessados é decorrência da interpretação sistemática e lógica de alguns dispositivos da CLT.
Ora, o art. 876, parágrafo único, da CLT, com a redação dada pela Lei 11.457/2007, dispõe sobre o dever do magistrado de executar de ofício as contribuições previdenciárias (obrigação acessória decorrente da condenação trabalhista): “Serão executadas ex-officio as contribuições sociais em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.”
Se a lei trata de forma imperativa a execução da obrigação acessória, por óbvio, supõe a execução da obrigação principal. Nessa linha, apesar de a praxe forense já atuar no sentido de a execução dever e ser determinada de ofício, o que se pretende comprovar, nesse momento, é que a própria legislação dispõe nesse sentido.
A dúvida que persiste é a seguinte: tal prerrogativa existe para qualquer tipo de execução ou somente para a definitiva (após o trânsito em julgado)? A CLT não aborda com profundidade o tema, consignando apenas, em seu art. 899, com a redação dada pela Lei 5.442/1968, que: “Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora” (grifo nosso).
Em comparação com o direito processual comum delineado no CPC/2015, observa-se que a disciplina do Processo Trabalhista é extremamente concisa, circunstância que configura omissão parcial e possibilita, em tese e naquilo em que compatível, a integração supletiva da disciplina processual trabalhista acerca da execução provisória (art. 15 do CPC/2015 e artigos 769 e 889 da CLT c/c art. 1º da Lei 6.830/1980).
Em linhas gerais, entretanto, a doutrina, compreendendo haver não só lacuna normativa, mas também ontológica e axiológica, tende a defender a aplicação integral da disciplina processual civil a respeito do tema ao Processo do Trabalho, compreensão que faz com que seja atraída a diretriz geral da execução provisória delineada no art. 520, I, CPC/2015 (execução provisória “corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido”) e, por conseguinte, seja afastada a possibilidade de instauração de ofício do procedimento executivo provisório na seara processual trabalhista.
Cordeiro (2012, p. 940)[2], por outro lado, centrando-se, mesmo que implicitamente, na ideia de que a integração heterônoma das normas processuais trabalhistas não pode ser incompatível com a disciplina criada por estas, sustenta a possibilidade de promoção oficiosa do cumprimento provisório da sentença laboral (as referências são ao CPC/1973, mas isso em nada interfere na tese desenvolvida pelo autor):
Ora, se a autoprovocação da tutela executiva é admissível no âmbito da execução definitiva, qual é a razão de não ser possível em sede de execução provisória? Frise-se que, do ponto de vista ontológico, não há qualquer distinção entre a execução provisória e definitiva. Ambas implicam a prática de atos sub-rogatórios, buscando a satisfação da pretensão reconhecida em juízo. Apenas a possibilidade de suspensão dos atos executórios e de reversibilidade do conteúdo do título executivo estabelece o marco divisório entre as espécies de execução acima citadas. Se não existem distinções essenciais nas modalidades executivas, não há fundamento lógico para se vedar a autoprovocação da tutela executiva provisória.
Não se argumente que esta possibilidade não é contemplada pelo direito processual civil, conforme preceitua o art. 475-O, caput e inciso I, CPC. Este não é o argumento essencial para se afastar a provocação de ofício da execução provisória, posto que conforme já afirmamos, no ambiente do direito processual do trabalho a autoprovação da tutela executiva ostenta a qualidade de característica essencial. Não se vislumbra, por conseguinte, qualquer óbice para que seja aplicado à sistemática da execução provisória trabalhista o contido no art. 878 da CLT, tendo início o procedimento executivo precário por determinação do Juízo.
Concordando com o entendimento acima transcrito - que compreende que a execução provisória pode ser iniciada e impulsionada de ofício pelo magistrado – ressalta-se, apenas, que, buscando compatibilizar na maior medida possível o regramento da CLT com aquele mais esmiuçado delineado no CPC, entende-se que, na execução provisória, face à precariedade do título exequendo, o magistrado PODERÁ executar provisoriamente de ofício, devendo levar em conta, no entanto, a conveniência e a efetividade da medida (o prudente magistrado sabe quando adota teses ou interpreta questões fáticas delicadas altamente suscetíveis de reforma pelas instâncias superiores; nessa hipótese, por exemplo, a execução provisória talvez não valesse a pena, haja vista os diversos ajustes que precisariam ser feitos no caso de reformas substanciais pelas instâncias superiores).
Nessa linha, seguindo a tese de que a instauração de ofício do cumprimento provisório da sentença é uma opção legítima do magistrado trabalhista, a melhor solução a ser dada ao problema da responsabilidade por eventuais danos decorrentes de eventual execução provisória injusta – situação que ocorrerá quando a decisão exequenda vier a ser reformada pelas vias recursais – é entender que deve ser observado o princípio da causalidade.
Assim, a parte exequente, por ser a titular do crédito que deu causa à execução provisória e a principal beneficiária da providência, deverá responder por eventuais danos causados[3], apesar de não ter requerido o início do procedimento. Essa é a diretriz que, inclusive, guia a execução definitiva no Processo do Trabalho[4] (promovida e impulsionada quase integralmente de forma oficiosa) e que, à míngua de disposição em sentido contrário no Direito Processual do Trabalho ou até mesmo no Direito Processual Civil, deve, segundo o raciocínio desenvolvido, ser aplicada também à execução provisória.
Mister ressaltar, ademais, que a implantação do sistema de Processo Judicial Eletrônico na Justiça do Trabalho (PJe-JT), ao garantir a existência e a disponibilidade simultânea dos autos para as partes e para todos os graus de jurisdição, desimpediu e facilitou sobremaneira a instauração e o desenvolvimento da execução provisória, uma vez que permitiu a execução provisória nos próprios autos principais do processo ou, na pior das hipóteses, garantiu uma menor onerosidade financeira e procedimental na formação de autos suplementares.
Consoante revela a prática forense, os autos permanecem disponíveis no juízo de execução, a despeito dos recursos veiculados, ficando, assim, extremamente simplificada a instauração da execução provisória, seja de ofício ou por iniciativa das partes.
Por fim, podem ser buscadas saídas intermediárias e até mesmo mais razoáveis para a controvérsia, as quais, acredita-se, encontrariam sustentação tranquila no art. 765 da CLT e no art. 6º do CPC (Princípio da Cooperação) e representariam uma evolução significativa em relação ao cenário que é observável hoje no cotidiano da Justiça do Trabalho:
a) Notificar a parte exequente para, querendo, providenciar a execução provisória (solução efetiva para aquele que compreende que a execução provisória, apesar de positiva, não pode ser iniciada de ofício); ou
b) Notificar a parte exequente para ficar ciente de que o cumprimento provisório da sentença será iniciado de ofício e correrá sob a responsabilidade da exequente, caso esta não se oponha em, por exemplo, 5 (cinco) dias (solução para aquele que entende ser possível a execução provisória de ofício, mas prefere adotar uma postura mais cautelosa e dialógica).
Como se percebe, propostas e possibilidades não faltam, sendo o tema deveras rico e relevante.
[1]Artigo desenvolvido a partir de escrito autoral anterior contido em BRUXEL, Charles da Costa. Novos Tempos: A Era Digital, a Efetividade, a Celeridade Processual e Justiça do Trabalho. 2013. 100 f. Monografia (Especialização) – Central de Cursos de Extensão e Pós-Graduação Lato Sensu, Universidade Gama Filho, Fortaleza, 2013. p. 43-47.
[2]CORDEIRO, Wolney de Macedo. Cumprimento Provisório das Sentenças Trabalhistas. In: CHAVES, Luciano Athayde (org.). Curso de Processo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2012.
[3]Naturalmente, eventual manifesto abuso na adoção de medidas executivas – como a determinação de providências injustificadas e desproporcionais capazes de reduzir uma parte à ruína – poderá ensejar também a responsabilidade estatal.
[4]E também a própria execução civil comum, nos termos do art. 776 do CPC: “O exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução”.