Capa da publicação Sonegação e intervenção mínima da tutela penal
Capa: Sora

Direito Penal mínimo: uma análise da desnecessidade da tutela penal nos crimes contra a ordem tributária

Exibindo página 2 de 3
15/04/2017 às 22:43

Resumo:


  • O Direito Penal Mínimo defende a aplicação do direito penal de forma restrita, intervindo apenas quando outros ramos do direito não são capazes de proteger adequadamente os bens jurídicos.

  • Esse modelo busca garantir a pacificação social, respeitando os princípios constitucionais e limitando a intervenção penal a situações em que é estritamente necessária.

  • O princípio da intervenção mínima do direito penal é essencial para assegurar que a punição criminal seja aplicada de forma proporcional e subsidiária, evitando excessos e respeitando os direitos individuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. TUTELA PENAL A ORDEM TRIBUTÁRIA

Após todas as considerações feitas, tem-se que alguns bens jurídicos podem ser tutelados por meio de outros ramos do direito, perfeitamente capazes de amparar com primazia os casos que lhes são impostos.

Esse aspecto pode ser percebido quando o direito penal inadequadamente é requisitado na alçada tributária para tão somente assegurar a função arrecadatória do Estado, quando existem mecanismos muito mais eficazes para reprimir ou evitar esse tipo de ilícito, sem que seja necessário apelar para a tutela penal.

Atualmente, a Lei 8.137/1990 e os artigos 167-A e 337-A do Código Penal são os mais importantes dispositivos aplicados em casos de crimes contra a ordem tributária, tratando especificamente da sonegação fiscal.

A Lei 8.137/1990 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências, traz em seu contexto a sonegação fiscal em seus artigos 1º e 2º, senão vejamos:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A tutela penal da ordem tributária tem justificativa na natureza supra individual do bem jurídico, em razão de que os recursos auferidos das receitas tributárias darão o respaldo econômico necessário para realização das atividades destinadas a atender as necessidades sociais.

Em vista disso, alguns doutrinadores mencionam que a tutela penal da ordem tributária serve a dignidade humana, uma vez que a não arrecadação comprometerá a prestação dos serviços destinados a sociedade, no entanto, essa posição não deve prevalecer, pois é um conceito genérico, que sob uma perspectiva classificatória e sistemática do bem jurídico há uma perda da sua objetividade, uma vez que toda proteção penal visa tutelar a dignidade humana.

O artigo 168-A que trata da apropriação indébita previdenciária e artigo 337-A que dispõe sobre a sonegação de contribuição previdenciária são delitos específicos contra o sistema previdenciário, introduzidos no Código Penal através da Lei nº 9.983 de 2.000, in verbis:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – (VETADO)

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.

§ 4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social.

Não se quer aqui aprofundar o estudo das condutas e sanções aplicadas, mas somente debater acerca da sua necessidade de criminalização.

A justificativa usada também para essas condutas é de que se busca reprimir penalmente as condutas que atentem contra a ordem tributária com o objetivo de assegurar o cumprimento das prestações públicas por parte do Estado.

Todavia, apesar do inegável efeito prejudicial no cumprimento das prestações públicas que ficam sensivelmente prejudicadas quando da violação das obrigações tributárias, não se encontra amparo penal para tais casos.

O que se percebe é uma nítida violação do princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, com o objetivo de coibir o cumprimento de prestações de ordem tributária sob pena de ser enquadrado penalmente e sofrer as consequências de uma sanção penal, que podem levar inclusive a privação de liberdade ou a restrição de direitos.

Fica sensível essa afirmativa quando se vê que é possível a extinção da punibilidade quando do pagamento do tributo entendido como devido, ou quando da suspensão da pretensão punitiva do Estado nos casos em que o agente dos crimes estiver incluído no regime de parcelamento, conforme assim dispõe a Lei nº 10.684/2003 que dispôs sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social, também conhecido como REFIS 2, sendo essa possibilidade de extinção de punibilidade verificada nos demais programas de parcelamento de débitos tributários posteriores.

Na Corte Suprema, é pacífico o entendimento de que o pagamento do débito possibilita a extinção da punibilidade, conforme julgado que segue:

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PARCELAMENTO E PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA: EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido da possibilidade de suspensão da pretensão punitiva e de extinção da punibilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, admitindo a primeira se a inclusão do débito tributário em programa de parcelamento ocorrer em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória e a segunda quando o débito previdenciário for incluído - e pago - no programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Precedentes. 2. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar extinta a punibilidade do réu em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária, pela comprovação da quitação dos débitos discutidos no presente processo-crime, nos termos das Leis ns. 10.684/03 e 11.941/09.

(STF - AP: 613 TO, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 15/05/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 03-06-2014 PUBLIC 04-06-2014)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A par disso, constata-se que o interesse do Estado está tão somente no pagamento do débito, não fazendo sentido insistir na criminalização da conduta.


6. MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA ILÍCITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

A infração tributária é caracterizada pelo descumprimento da obrigação tributária, no qual o Estado pode lançar mão de diversos instrumentos jurídicos, também conhecidos como remédios sancionadores, para o fim de lograr o cumprimento da obrigação.

Diversos são os tipos de sanções tributárias, que se mostram adequadas aos seus ilícitos, porquanto possui caráter essencialmente patrimonial, tais como a privação de direitos como a proibição de contratar com o Poder Público, perdimento de bens ou a sua apreensão, penalidades pecuniárias como as multas de mora e o juros moratório, cassação de regimes especiais de pagamento do imposto (TORRES, 2011, p. 334-336 e CARVALHO, P., 2007, p. 532-534)

A propósito, ensina Luciano Amaro

No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por forca do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (“obrigação acessória”, na linguagem do CTN), a consequência e, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas também no direito administrativo em geral, bem como no direito privado. Em certas hipóteses, a infração pode ensejar punição de ordem mais severa, quais sejam, as chamadas penas criminais. (AMARO, 2007, p. 432, grifo do autor)

Verifica-se que a multa pecuniária é muito mais eficaz ao restabelecimento das relações jurídicas afetadas pelas fraudes tributárias. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho

As penalidades pecuniárias são as mais expressivas formas do desígnio punitivo que a ordem jurídica manifesta, diante do comportamento lesivo dos deveres que estipula. Ao lado do indiscutível efeito psicológico que operam, evitando, muitas vezes que a infração venha a ser consumada, é o modo por excelência de punir o autor da infração cometida. Agravam, sensivelmente, o débito fiscal e quase sempre são fixadas em níveis percentuais sobre o valor da dívida tributária. (CARVALHO, P., 2007, p. 532)

E caso as medidas adotadas na seara administrativa não sejam suficientes, tem-se a possibilidade do Estado cobrar judicialmente a dívida através da execução fiscal, no qual o juízo competente pode efetuar penhora ou determinar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, podendo assim fazer inclusive por meio eletrônico, no qual recairá sobre bens móveis e moeda em conta correntes bancarias (CARVALHO, P., 2007, p. 541).

Dessa forma, dependendo da gravidade do ilícito a sanção pode ser mais ou menos rigorosa. No entanto, assinala Amaro (2007, p. 433) que é importante que a pena seja adequada a infração, por essencial relevância no conceito de justiça.

Verificado, pois, que a Administração Pública possui mecanismos aptos a coagir o contribuinte ao devido pagamento, não se justifica suprimir as garantias individuais através de meios deveras rigorosos para alcance.

Neste contexto, é notório que o perfil dos infratores de tais ilícitos não condiz com a sanção penal, principalmente no que tange a pena privativa de liberdade, tendo em vista que não se cumpriria a finalidade social da pena.

Portanto, insistir no direito penal como meio de resolução de todas as patologias sociais, extrapola a racionalidade humana, indo de encontro com todo o apresentado, ou seja, contra os princípios e garantias fundamentais previstos no Estado Democrático de Direito.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos