Tenebrosas são as suspeitas de que leis hoje em vigor tenham sido compradas —esta é a palavra— pelo esquema de corrupção.
Os delatores da Lava Jato falam em nada menos de 13 medidas que teriam tramitado a reboque de pagamentos da empreiteira, conforme levantamento publicado pelo jornal "Valor Econômico". Dessas, dez tornaram-se legislação; uma, a MP 627, de 2013, aparece nas duas operações da PF —converteu-se na lei 12.973, de 2014, cujos 119 artigos contemplam uma mixórdia de benefícios tributários a transações e setores variados.
Entre os interlocutores mais frequentes no Congresso, destacam-se nos depoimentos e investigações nomes como os dos senadores peemedebistas Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL). Isso segundo noticia o editorial da Folha, 19.4.2107, "Leis sob suspeita".
Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais as manobras parlamentares conhecidas como "contrabando legislativo" – a inclusão de emendas que não têm relação com o assunto do texto original - em medidas provisórias enviadas ao Congresso Nacional pela Presidência da República. O entendimento passa a valer a partir da decisão noticiada e não afeta as medidas que foram convertidas em lei com base no procedimento proibido pelo Supremo. A maioria dos ministros seguiu o voto da relatora, Rosa Weber.
Para a ministra, as emendas de parlamentares são válidas somente para restringir, adequar ou adaptar assuntos referentes do tema principal da MP, mas não podem desconfigurar o texto original. A hipótese evidencia violação do direito fundamental ao devido processo legislativo, o direito que todos têm de não sofrer interferência na sua esfera privada de interesses senão mediante normas jurídicas produzidas em conformidade com o procedimento constitucionalmente determinado", disse a ministra.
Se essa matéria aqui trazida à discussão for levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal, possivelmente, se irá anular tais normas se for vista afronta aos princípios do artigo 37 da Constituição Federal que são norteadores da Administração Pública. Isso porque a comprovação do desvio de finalidade leva à anulação do ato emanada de autoridade pública. O ato legislativo seria inconstitucional.
Pedro Lessa(Do Poder Judiciário, pág.164), José de Aguiar Dias(Da responsabilidade , 6ª edição, 1979, vol. II, pág. 138), dentre outros, sustentam a tese da responsabilidade civil do Estado, em decorrência de ato legislativo ilegal ou inconstitucional. Ora, se o Poder Legislativo não pode exorbitar dos termos da outorga constitucional, vale desde logo assinalar que o rompimento desta barreira pode ser erigido em pressupostos dessa responsabilidade do Estado.
Caio Mário da Silva Pereira(Responsabilidade civil, 5ª edição, pág. 136) assinala que votando lei cuja inconstitucionalidade é declarada formalmente pelo Judiciário, e com ela trazendo lesão de direito individual, o Legislador transpõe o limite da liceidade. Advertiu ainda Caio Mário da Silva Pereira, que ¨como o Legislativo é um Poder através do qual o Estado procede no cumprimento de suas funções, força é concluir que o ilícito, cometido por via da atuação legislativa, sujeita o Estado à reparação do dano causado.¨
Mas a problemática, por certo, não se encerra aqui. Como disse Júlio S. Altamira Gigena(Responsabilidade do Estado, pág. 147), independente da inconstitucionalidade, quando se cogita da atividade legislativa normal, deve ser colocada uma discussão da responsabilidade do Estado pelo ato Legislativo. O Parlamento, em muitos casos, no exercício de suas funções legislativas, pode produzir a ruína e reduzir a miséria os particulares, ocasionando sérios danos.
Por certo, dentro da doutrina subjetiva da responsabilidade civil não se encontra apoio para o Poder Judiciário proclamar a culpa do Estado Legislador. Mas, na análise da chamada teoria objetiva é que se encontra apoio, suporte, para a responsabilidade do Estado por ato legislativo. Apura‐se o dano e não a culpa. Concilia‐se a responsabilidade pelo risco com a ideia da soberania do legislador.
Sendo assim, diante da responsabilidade pelo risco, responsabiliza‐se o Estado pela violação do princípio da igualdade dos cidadãos diante dos encargos e vantagens sociais. Tal princípio, sabe‐se, é fundamental em direito público. Se for elaborado um provimento legislativo que sacrifica direitos do indivíduo, a distribuição dos encargos e vantagens sociais exige que o lesado seja ressarcido do prejuízo que eventualmente houver suportado.
Baseado nas ideias de Gerard Cornu(Étude comparée de La responsabilité delictualle en droit privé et droit public, pág. 264), Caio Mário da Silva Pereira mostra, a partir do exemplo republicano, em suas várias fases, que houve a franca subordinação da teoria do risco integral. Assim, como sucede com relação aos danos causados pela Administração, o mesmo princípio da distribuição de ônus e encargos sociais, habilita a conclusão de que o dano causado pelo Estado legislador permite ao lesado o direito à reparação, com o mesmo fundamento.