6.O art. 94 é inconstitucional
Para os defensores desta tese, o dispositivo seria inconstitucional [9]. Todavia, os argumentos favoráveis a esta tese seriam os de que o art. 94 teria incluído como infrações penais de menor potencial ofensivo apenas os crimes do Estatuto do Idoso com pena máxima até quatro anos (violação à isonomia), ou ainda que este dispositivo teria estendido o conceito de IPMPO a todos os demais delitos com pena máxima até quatro anos, quebrando a harmonia do sistema (violação à proporcionalidade).
Registre-se que já há Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República impugnando o dispositivo (ADIN nº 3096/DF, rel. Min. Ellen Gracie). O fundamento da ação é a violação ao princípio da igualdade.
Cremos, todavia, que caso se adote a interpretação nº 5, supra, seria admissível a manutenção de validade do dispositivo sem a necessidade da declaração de inconstitucionalidade (interpretação conforme ou declaração de inconstitucionalidade das outras interpretações).
Não cremos que seria inconstitucional o estabelecimento do procedimento sumaríssimo para a apuração destas infrações penais. Várias das características deste procedimento já existem em outros procedimentos, como por exemplo a exigência de contraditório antes do recebimento da acusação nos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (CPP, art. 312-326), ação penal originária de Tribunal (Lei nº 8.038/90, art. 4º), tóxicos (Lei nº 10.409/02, art. 38) e outros. Da mesma forma o interrogatório após a oitiva das testemunhas só vem a prestigiar a ampla defesa, valorizando o interrogatório como um meio de defesa. A exigência de debates orais já existe no procedimento sumário (CPP, art. 538, § 2º). A única eventual restrição em comparação ao processo penal tradicional seria a possibilidade de oferecimento de denúncia sem o exame de corpo de delito, com outras provas; todavia, entendemos que esta disposição justifica-se plenamente ante a mens legis de dar um procedimento célere ao delito cometido contra o idoso. E esta prova ainda estaria sujeita ao contraditório durante a instrução criminal.
Por todas estas razões, considerando que a inconstitucionalidade deve ser sempre a ultima ratio, entendemos que não há necessidade de declaração de inconstitucionalidade do art. 94 do Estatuto do Idoso, caso se aceite a tese nº 5.
Conclusão
Diante de todo o exposto, podemos sintetizar as conclusões deste artigo nas seguintes:
a)o art. 94 do Estatuto do Idoso é constitucional e não estendeu o conceito de IPMPO, mas apenas determinou a aplicação do procedimento sumaríssimo às infrações descritas naquela lei com pena máxima entre dois e quatro anos;
b)permanece inalterada a competência do Juizado Especial Criminal para julgar os crimes com pena máxima de até dois anos;
c)os crimes no Estatuto do Idoso com pena máxima até dois anos são da competência do Juizado Especial Criminal;
d)os crimes ali descritos com pena máxima superior a quatro anos são processados perante o Juízo Comum, mediante o procedimento legal;
e)os crimes ali descritos com pena máxima superior a dois e igual ou inferior a quatro anos serão processados perante o Juízo Comum, pelo rito sumaríssimo, sem direito aos benefícios materiais da Lei nº 9.099/95 (acordo civil ou transação penal); a apuração dar-se-á mediante inquérito policial e o recurso de apelação será julgado pelo Tribunal de Justiça.
Notas
1 V.g., STJ, EdRHC 12.033/MS, rel. Min. Felix Fischer, DJU 10/3/2003, p. 243.
Para um debate do tema vide ÁVILA, Thiago André Pierobom de, Juizados Especiais Criminais: Lei nº 9.099/95 comentada – 2ª ed. – Brasília: Ed. Vestcon, 2004, p. 36 e ss.
2FERNANDES, Fernando Augusto, A extensão do conceito de menor potencial ofensivo pelo Estatuto do Idoso, Boletim IBCCrim nº 134, jan/04;
FRANÇA, Gleuso de Almeida, Inovações Penais do Estatuto do Idoso, disponível em [www.jus.com.br], acesso em 31/05/2004;
GONÇALVES, Jorge César Silveira Baldassare, Aspectos penais do "Estatuto do Idoso" (Lei nº 10.714/03), disponível em [www.jus.com.br] , acesso em 31/05/2004;
JOPPERT, Alexandre Couto, Ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e Lei nº 10.741/03 (Estatuo do Idoso), disponível em [www.direitopenal.adv.br], acesso em 31/05/2004.
3 SILVA JR, Edison Miguel, Infrações penais de menor potencial ofensivo no Estatuto do Idoso, disponível em [ www.jurifram.cjb.net], acesso em 31/05/2004.
4 SMANIOTTO, Edson. O Estatuto do Idoso, In: O Magistrado em revista, ano III, n° XX, novembro de 2003, Instituto dos Magistrados do Distrito Federal, p. 17.
5 FREITAS, Jayme Walmer, O Estatuto do Idoso e a Lei nº 9.099/95, disponível em [www.jus.com.br], acesso em 31/05/2004.
6 ANDREUCCI, Ricardo Antônio, Aspectos Criminais do estatuto do idoso, disponível em [www.ibccrim.org.br], acesso em 31/05/2004.
7 Registre-se que, inicialmente, defendemos esta interpretação do art. 94 do Estatuto (Juizados..., cit., pp. 20-21). Todavia, já apontavamos que a adoção desta solução violaria o princípio constitucional da proporcionalidade. Agora, melhor estudando a questão, entendemos que com a adoção da tese nº 5, infra, a questão da inconstitucionalidade pode ser validamente superada por uma interpretação conforme à Constituição.
8 BECHARA, Fábio Ramazzini, O Estatuto do Idoso e a Lei nº 9.099/95, disponível em [www.jus.com.br], acesso em 31/05/2004;
GOMES, Luiz Flávio; CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua, O Estatuto do Idoso ampliou o conceito de menor potencial ofensivo?, disponível em [www.ibccrim.org.br], acesso em 31/05/2004;
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RAMOS, Paulo Roberto Barbosa, O Estatuto do Idoso (primeiras notas para um debate), disponível em [www.jus.com.br], acesso em 31/05/2004.