A cobertura do contrato pelo segurador nos casos de aquisição de mais de um imóvel pelo mutuário, através do Sistema Financeiro da Habitação, é tema que freqüentemente vem sendo alvo de debates nos meios jurídicos.
Sustentam alguns que o segurador não deve efetuar a cobertura, invocando, para tanto, o artigo 9º, § 1º, da Lei nº. 4.380/64, que tem a seguinte redação: "As pessoas que já forem proprietárias, promitentes compradoras ou cessionárias de imóvel residencial na mesma localidade não poderão adquirir imóveis objeto de aplicação pelo SFH".
Invocam, ainda, a boa-fé que deve presidir a relação entre as partes, consoante a dicção do artigo 1.443, do Código Civil Brasileiro: "O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes".
Sustentam outros, entretanto, que a cobertura deve ser feita considerando o fato de que o art. 9º, § 1º, da Lei 4.380/64 não serve de fundamento legal como pretende a vertente anteriormente referida, pois diz respeito apenas à aquisição e ao financiamento do imóvel pelo SFH e não ao seguro.
Quanto à boa-fé exigida pelo Código Civil Brasileiro no Art. 1.443, alegam os defensores dessa segunda corrente que é para ambas as partes, ou seja, segurador e segurado, e como o segurador aceitou o negócio e recebeu o prêmio, não pode invocar defeito no contrato para se eximir do pagamento, pois a sua pretensão encontra obstáculo instransponível nos artigos 97 e 104 do Código Civil Brasileiro, como se extrai da redação dos mencionados dispositivos legais:
Art. 97. Se ambas as partes procederam com dolo, nenhuma pode alegá-lo, para anular o ato, ou reclamar indenização;
Art. 104. Tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros.
Nos Tribunais, principalmente no STJ, tem predominado o entendimento favorável ao segurado e, diante dos inúmeros embates acontecidos que desaguaram naquela Corte, foi editada a Súmula nº 31 com a seguinte ementa: "A aquisição, pelo segurado, de mais um imóvel financiado pelo SFH, situados na mesma localidade, não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros".
A título de ilustração, podem ser citados ainda, dentre outros, os seguintes precedentes, favoráveis aos segurados:
"Contratado o seguro, recebido o prêmio, cumpre à seguradora, uma vez verificado o sinistro, honrar a apólice, sem relevo a circunstância de que o segurado tenha obtido, em infração ao art. 9º, § 1º da Lei 4.380/64, mais de um financiamento pelo SFH. Somente o desfazimento do contrato de financiamento, para o que a seguradora não tem legitimidade, é que poderia repercutir na avença securitária". 1
"SEGURO HABITACIONAL. AQUISIÇÃO DE MAIS DE UM IMÓVEL RESIDENCIAL, PELO SFH, NO MESMO MUNICÍPIO MORTE DO MUTUÁRIO. COBERTURA DO SEGUNDO CONTRATO. POSSIBILIDADE. 1. A Lei nº 4.380/64, ao impedir, no art. 9º, § 1º, a aquisição de mais de um imóvel pelo SFH, diz com o sistema em si, no que tem a ver com o financiamento; vincula o mutuário ao agente financeiro. 2. Diversa, porém, a relação entre segurado e segurador: recebido, pelo segurador, o prêmio, cabe-lhe, ocorrida a morte do segurado, cumprir a sua parte, quitando os débitos pendentes. 3. Recurso especial conhecido pelo dissídio mas improvido". 2
"A aquisição, pelo segurado, de mais de um imóvel financiado pelo SFH, situados na mesma localidade, não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros (Súm. 31-STJ)". 3
Concluindo, entendemos que o posicionamento já sumulado que predomina no STJ recomenda a adoção do caminho interpretativo trilhado pela vertente que admite a cobertura do seguro habitacional, vendo no dispositivo que veda a duplicidade de aquisição de imóvel na mesma localidade norma dirigida ao financiamento habitacional e não ao contrato de seguro.
NOTAS
1 STJ. REsp. n. 5.101RS. 3ª T., Relator: Ministro. Dias Trindade. In: Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: Brasília Jurídica, n. 24, ago./1991, p. 388.
2 STJ. REsp. n. 3.803RS. 3ª T. Relator: Min. Nilson Naves. In: Juris Síntese Millenium. CD. Porto Alegre: Síntese, n. 23, maio./jun., ementa 700803, 2000.
3 STJ. REsp. 59.269-RJ. 4ª T. Relator: Min. Barros Monteiro. In: Juris Síntese Millenium. CD. Porto Algre: Síntese, n. 23, maio-jun., ementa 16003177, 2000.