1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, deixe-se claro que este artigo não possui qualquer pretensão de esgotar as discussões que permeiam o tema em questão, haja vista sua imensidade de possibilidades e de opções de abordagem, o que, sem dúvida, resultaria num compêndio, caso se optasse por tal empreitada. A ideia central deste labor, portanto, é promover um esforço para compreender a temática dentro de uma análise sintética e abrangente, na medida do possível.
Pelo crivo do senso comum, salário e remuneração são termos equivalentes, pelo menos são usados como se fossem. A grande maioria das pessoas não realiza essa distinção. Mas isso não é somente um “desleixo” do povo. Alguns juristas também, vez ou outra, em alguns manuais de Direito do Trabalho, não se utilizam tecnicamente dessas expressões.
Na própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, embora o legislador tenha feito textualmente tal diferenciação, em diversos de seus dispositivos, ora ela se refere ao salário querendo dizer remuneração, ora à remuneração, com a intenção de se referir ao salário. Diante disso, buscando não colaborar para a continuação dessa confusão conceitual e com o intuito de demonstrar a importância de tal diferenciação, passemos a sua análise.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Como dito antes, o senso comum, até mesmo por suas limitações científicas, não realiza a distinção entre os conceitos de salário e remuneração e os utiliza indiscriminadamente em quaisquer situações como sinônimos. Além disso, de acordo com o jurista Homero Batista Mateus da Silva (2015), para além da confusão que se faz no seio social acerca de tais vocábulos, é possível encontrá-la até mesmo no meio jurídico.
Por vezes se tem a impressão de que a sociedade não despertou para a diferença entre salário e remuneração. Até mesmo manuais trabalhistas costumam baralhar os conceitos, quando não desdenham a matéria. Muitos dicionários equiparam as expressões como sendo qualquer pagamento feito ao empregado (SILVA, 2015 p. 19).
Essa mesma confusão conceitual ocorre também quanto aos termos jurídicos trabalho e emprego, que indicam relações jurídicas relativamente distintas, embora se usem também como sinônimas. Tal discussão, também profunda, ensejaria uma análise mais detalhada e, até mesmo, um estudo isolado, o que, para não fugir da nossa proposta, não se realizará neste momento.
Antes, porém, de se deleitar sobre a diferenciação dos vocábulos salário e remuneração, é de suma importância acrescer alguns dados históricos à discussão. Informam os estudiosos do direito, a exemplo de Alice Monteiro de Barros (2016) que ambos os vocábulos derivam do latim, sendo salário oriundo de “salarium” e remuneração de “remuneratio”.
A palavra salário, por sua vez, de acordo com a doutrinadora supracitada, derivaria da palavra sal (salis) que era a moeda de pagamento dos romanos aos empregados domésticos. Obviamente que ainda não se havia pensado na fabricação de papel moeda. Silva (2015), quanto ao pagamento feito em sal, acrescenta:
O sal normalmente era considerado bem valioso, de difícil obtenção, quando comparado com outros víveres, que se poderiam plantar e colher nos arredores das propriedades urbanas ou rurais. Muito embora a extração do sal tenha-se popularizado, assim como sua distribuição, permanece válido o sentido de contraprestação pelos serviços prestados mediante algum bem de valor intrínseco – outrora o sal, hoje em dia o dinheiro. Outrossim, o sal nos ajuda a lembrar que o salário também pode ser pago em mercadorias e outros bens em estado natural, que podem ser produtos, serviços ou mantimentos (SILVA, 2015 p. 08).
Feito tal aporte histórico, passemos ao objetivo deste trabalho, qual seja, a análise e diferenciação de tais conceitos para, em seguida, denotarmos a importância do uso correto desses termos.
O Jurista Maurício Godinho Delgado (2016, p 781) explica primorosamente, antes de proferir qualquer definição, que a onerosidade constitui-se como um dos elementos integrantes da relação empregatícia, sendo ela manifestada no contrato de trabalho por meio das parcelas decorrentes da prestação de determinados serviços por parte do empregado ou simplesmente decorrente da existência de tal vínculo empregatício. Ainda para ele, salário e remuneração correspondem ao conjunto de tais parcelas, porém, a remuneração possui outras acepções (diga-se) verbas adicionadas ao salário de base.
Para Delgado (2016), “Salário é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho”. Não diferente desse pensamento, acrescenta Alice Monteiro de Barros (2016) que “o Direito do Trabalho da preferência ao termo salário para definir a forma de retribuição do empregado pelos serviços prestados ou por ter permanecido à disposição do empregador”. Na mesma linha, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2015) nos informa que “salário é a quantia paga diretamente pelo empregador (art. 457, caput, da CLT), decorrendo do contrato de trabalho”.
Do exposto acima, é possível inferir certo consenso na doutrina a respeito da conceituação de salário. Todas as definições acima provêm da interpretação do art. 457 da CLT, que traz também, além da definição estrita de salário, a definição de remuneração, sendo esta o salário acrescido de outras verbas. In verbis: “Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.
Percebe-se que o legislador conferiu um caráter mais amplo ao conceito de remuneração, senda esta gênero do qual o salário se configura espécie, ou seja, sua parte integrante. Para Barros (2016) a CLT ao fazer textualmente tal diferenciação, procurou seguir a orientação já consolidada nos conjuntos de legislações de outros países.
No que tange ao caput no citado artigo da CLT, intervenção merece ser feita quanto à relação do salário e a contraprestação do serviço prestado pelo empregado ao empregador. Numa leitura fria da lei, poderia se interpretar que somente deveria ser pago o salário quando houvesse, de fato, trabalho realizado, o que desconsideraria da conta desse pagamento, por exemplo, o período de férias e o descanso semanal remunerado. Nesse sentido, importante é a lição de Garcia (2015):
O salário é pago e devido não só como contraprestação do efetivo serviço prestado, mas também dos períodos em que o empregado esteve à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens (art. 4.º, caput, da CLT), bem como de certos períodos de descanso remunerado (hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, como ocorre nas férias e nos descansos semanais e feriados remunerados) (GARCIA, 2015 pp. 215-216).
Ainda quanto ao citado caput, outra interferência merece ser proferida. Como já fora visto, enquanto o salário é pago diretamente pelo empregador, a remuneração, por sua vez, pelo menos em parte (no caso das gorjetas) são pagas por terceiro, de forma direta ou indireta, em decorrência do contrato de trabalho. Nesse sentido, arremata Alice Monteiro de Barros (2016):
O art. 457 da CLT considera salário a contraprestação do serviço devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego. O mesmo diploma legal atribui à remuneração um conceito mais amplo, quando afirma que ela abrange o salário, com todos os seus componentes, e ainda as gorjetas, que são pagas por terceiro. [...] Já a remuneração é a retribuição devida e paga ao empregado não só pelo empregador, mas também por terceiro, de forma habitual, em virtude do contrato de trabalho. Pelo que se vê, seu conceito é mais amplo: abrange o salário e seus componentes, como também os adicionais e as gorjetas (BARROS, 2016 p. 491).
Perceba-se que a doutrinadora acima faz referências aos adicionais como elementos que também compõem a remuneração e não somente as gorjetas. Tal fato demonstra que ela segue a corrente tripartida da remuneração. Para além da definição legal - teoria bipartida - de REMUNERAÇÃO = SALÁRIO + GORJETAS, a teoria tripartida entende que se deve acrescentar à equação da remuneração os adicionais diversos, ficando com a seguinte estrutura: REMUNERAÇÃO = SALÁRIO + GORJETAS + ADICIONAIS.
Ambas as teorias são aceitas amplamente, mas a teoria bipartida merece a ressalva e crítica, por parte de alguns doutrinadores, por não levar em consideração esses adicionais. A nosso ver, a teoria que mais se adequada à configuração atual do Direito do Trabalho é a tripartida.
Feitas as definições e diferenciações propostas, cabe agora salientar a importância de se realizar tal diferenciação. Tal importância se desdobra em duas facetas. A primeira refere-se ao fato de a Ciência Jurídica ser, de fato, uma ciência e, portanto, necessita de precisão metodológica, inclusive quanto ao emprego de seus termos, institutos e expressões próprias. Tal rigor científico enriquece a própria ciência. Nessa vereda, Silva (2015, p 19) preleciona que “o direito do trabalho caminhou noutro sentido, e, como sempre ocorre no âmbito das ciências jurídicas, a precisão terminológica é indispensável para a boa compreensão da matéria”.
A segunda faceta de importância resulta do fato de que alguns benefícios ou verbas ou direitos outros a que o trabalhador faz jus são calculados, ora tomando o salário como base de cálculo, ora tomando a remuneração. Esse, por exemplo, é o entendimento de Barros (2016):
A distinção é importante, porque há muitos institutos jurídicos que são calculados com base na remuneração e não apenas no salário, como ocorre com o FGTS, o 13° salário, as férias, a indenização de antiguidade, hoje substituída pelo FGTS, etc. A distinção é relevante também para efeito de salário mínimo, pois a gorjeta não o compõe, tendo em vista o disposto no art. 76 da CLT, que o considera a "contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador". A gorjeta é paga por terceiro. (BARROS, 2016 p. 491).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término deste trabalho que, obviamente, não teve o condão de suplantar quaisquer discussões sobre o tema, foi possível compreender a confusão conceitual que gira em torno dos vocábulos salário e remuneração, feita não somente pelo “homem médio”, como também por juristas em alguns manuais de Direito do Trabalho. Para tanto, partiu-se da origem etiológica dos termos, passando pela sua diferenciação doutrinária e, inclusive, legal.
Por fim, foi possível também, após os aportes iniciais apreender a importância de se realizar tal distinção, seja pela ótica de valorização da própria ciência, através da valorização do rigor científico e metodológico, seja pela relevância de se saber qual a base de cálculo para a concretização de outros direitos, sendo alguns calculados baseando-se no salário, outros na remuneração. Com isso, espera-se ter contribuído com um marco inicial para enriquecer ainda mais a dialética relacionada a este tema tão relevante.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10 ed. São Paulo: LTr, 2016.
BRASIL. Presidência da República. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: [s.n], 1943. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >. Acesso em: 17 de abril de 2017, às 23h28min.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho.7ª ed.rev.atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado [livro eletrônico]: livro da remuneração. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. (Coleção curso de direito do trabalho aplicado. Vol 5) 7,85MB; PDF