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Efetivação da sentença mandamental

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22/09/2004 às 00:00
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A efetividade dos provimentos judiciais sempre teve significativo destaque no estudo doutrinário. Inseridas no escopo de ampliar essa efetividade estão as denominadas "sentenças mandamentais", que independem de processo de execução para serem observadas.

Sumário:1. Introdução.– 2. Características da denominada sentença mandamental. - 3. Destinatários da ordem. – 4. Sanção como meio de coerção ao cumprimento da obrigação: 4.1. Sanções disciplinares de natureza patrimonial; 4.2. Sanções disciplinares de natureza pessoal; 4.3. Sanções penais; 4.4. Sanções puramente processuais; 4.5. Sanções políticas. – 5. Descumprimento da ordem judicial e efetivação da tutela. – 6. Propostas de lege ferenda. - 7. Considerações finais.


1. Introdução

A efetividade dos provimentos judiciais sempre teve significativo destaque no estudo doutrinário. Inseridas no escopo de ampliar essa efetividade estão as denominadas "sentenças mandamentais", que independem de processo de execução para serem observadas.

O presente trabalho objetiva traçar, em linhas gerais, o perfil da sentença mandamental e a forma de sua efetivação.


Características da denominada sentença mandamental

A principal característica da ação mandamental está no fato de a sentença conter um mandamento para que seja cumprida. Não se trata de simples exortação ao réu, como ocorre na sentença condenatória, em que o vencedor deve, posteriormente, ingressar com uma nova demanda para obter a satisfação de seu direito (execução).

Ovídio Baptista, um dos maiores estudiosos do assunto, ensina que "a ação mandamental tem por fim obter, como eficácia preponderante da respectiva sentença de procedência, que o juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa. É da essência, portanto, da ação mandamental que a sentença que lhe reconheça a procedência contenha uma ordem para que se expeça um mandado. Daí a designação de sentença mandamental. Neste tipo de sentença, o juiz ordena, e não simplesmente condena. E nisso residem, precisamente, o elemento eficacial que a faz diferente das sentenças próprias do processo de conhecimento" [1].

Portanto, a premissa básica da sentença mandamental é a existência de uma ordem [2].

Outra característica da sentença mandamental é que sua efetivação depende de atos a serem praticados pelo demandado. Ou seja, enquanto na sentença condenatória utilizam-se meios sub-rogatórios para atingir a finalidade da decisão (v.g., na execução por quantia certa, a expropriação de bens para pagamento ao credor), na sentença mandamental a efetivação da medida está diretamente ligada à atuação do destinatário da ordem.

Esse aspecto da sentença mandamental também a diferencia da chamada sentença executiva lato sensu. Essa última espécie de sentença, assim como a condenatória, independe totalmente da vontade do réu para se concretizar. Veja-se, por exemplo, o caso da sentença que decreta o despejo (executiva lato sensu): a desocupação do imóvel ocorre sem necessidade de concordância do réu [3].

Porém, deixar o cumprimento da decisão judicial ao livre arbítrio do destinatário da ordem seria, no mínimo, temerário. Sim, pois o réu (ou terceiro) poderia simplesmente desobedecer ao preceito mandamental contido na sentença, frustrando a consecução dos objetivos da medida. Em última análise, haveria o total desprestígio das decisões judiciais de natureza mandamental, que não teriam qualquer valor ou eficácia prática.

Para que essas ordens emanadas pelo juiz sejam obedecidas por quem de direito, o sistema estabelece formas de coerção do destinatário. Isto é, aquele que recebe o ordenamento judicial, em caso de descumprimento, estará sujeito a sanções, tais como multa, prisão etc.

A sanção é indispensável para que o destinatário sinta-se compelido a cumprir a ordem e, conseqüentemente, para que a decisão judicial constitua-se em mais que um simples comando desprovido de autoridade.


3. Destinatários da ordem

Em sua origem, o mandamento da sentença dirigia-se a algum órgão público, alheio à demanda [4]. Tratava-se de questão relativa a atuação de um poder estatal em face de outro. O Judiciário expedia uma ordem a ser cumprida por outro Poder.

No entanto, dadas suas características, não se pode afirmar que a sentença mandamental configurava instrumento de controle dos demais poderes pelo Judiciário, pois o destinatário da ordem não interferia no processo; configurava mero terceiro, não participante do feito [5]. Daí concluir-se que a ordem judicial não objetivava controlar atos praticados por outros poderes em violação ao direito subjetivo do autor, mas simplesmente de tornar efetivas as medidas concedidas à parte vencedora.

Hodiernamente, contudo, a aplicação da sentença mandamental expandiu-se de tal modo que pode ser destinatária da ordem qualquer pessoa, de direito público ou privado. Podem ser órgãos estatais, pessoas jurídicas de direito privado, ou mesmo pessoas físicas [6].

Aliás, em regra, o destinatário participa da causa. É o caso do mandado de segurança, no qual a autoridade impetrada é intimada a prestar esclarecimentos. O mandado liminar ou a sentença concessiva da segurança são encaminhados a essa autoridade, que deverá cumprir a ordem. Há, portanto, interferência direta do destinatário da ordem no curso do processo, diversamente da concepção original [7].

Casos há, entretanto, de determinação feita a terceiro que não participa do feito. Veja-se, por exemplo, um caso em que a medida é concedida para que determinada emissora de televisão não veicule anúncio encomendado pelo réu [8]. Trata-se de hipótese na qual a ordem destina-se não ao réu, mas a um terceiro, contratado pelo réu para praticar o ato que viola o direito do autor. Nesse caso, poder-se-ia sustentar até eventual interesse jurídico da emissora, o que a possibilitaria figurar no processo na qualidade de assistente. Mas tal fato não impede que a emissora, embora alheia ao processo, seja compelida a cumprir a ordem judicial.

Neste ponto cabe abrir parênteses para consignar que, muito embora a ordem possa ser emanada para o cumprimento por pessoas físicas ou jurídicas, da esfera pública ou privada, a sanção aplicável aos casos de descumprimento da determinação judicial poderá variar de acordo com o destinatário da ordem. Esse fator de discrímen dá-se em virtude da diversidade de sujeitos e de meios de coerção existentes. O importante é que a ordem esteja acompanhada de uma sanção para obrigar o destinatário a cumpri-la.


4. Sanção como meio de coerção ao cumprimento da obrigação

A obrigação que deve ser obrada pelo destinatário da ordem nas sentenças mandamentais torna imprescindível o uso de meios coercitivos que possibilitem o cumprimento da obrigação específica contida na determinação.

A função da sanção é exatamente fazer com que o sujeito colabore para o cumprimento da ordem. Caso contrário, seria retirada toda autoridade da decisão judicial, pois a desobediência não acarretaria qualquer malefício ao destinatário desidioso.

O sistema processual possibilita que a ordem judicial seja acompanhada por uma ou mais espécies de sanção. O importante é que a(s) sanção(ões) seja(m) suficiente(s) para compelir o destinatário a obedecer à determinação, sem criar obstáculos ou empecilhos que dificultem a concretização do direito reconhecido em juízo.

As sanções tanto podem incidir sobre a pessoa do destinatário (v.g. na prisão civil), como ter implicações sobre seu patrimônio, ou impossibilitá-lo de praticar atos processuais, dentre outros. Como já anotava Barbosa Moreira em 1985, é tendência do direito moderno que as medidas coercitivas de ordem pessoal fiquem "reservadas para casos excepcionais, como o das dívidas de alimentos. Em compensação, tendem a ver-se consagradas com largueza crescente as de ordem patrimonial, do tipo astreintes" [9].

Assim, colocadas todas as espécies de sanção em uma escala, a sanção pessoal estaria no último nível, quando nenhuma outra espécie mostrou-se suficiente para ensejar o cumprimento da ordem.

A seguir, analisaremos brevemente cada uma das espécies de sanção que podem ser aplicadas no caso de desobediência à determinação judicial.

4.1. Sanções disciplinares de natureza patrimonial

A primeira espécie de sanção a tratar, e a mais importante do ponto de vista prático, é de cunho patrimonial. O mandamento é expedido pelo juiz juntamente com a cominação de multa pecuniária para o caso de descumprimento.

Essa técnica ganhou maior aplicabilidade no direito brasileiro, principalmente com o advento do artigo 84, § 4º, da Lei nº 8078/90 (CDC) [10], e dos artigos 461, § 4º, e 461-A, do Código de Processo Civil [11]. O primeiro dispositivo aplica-se exclusivamente às relações de consumo, enquanto os demais são genéricos, adequados a todas as hipóteses que tratem de obrigação de fazer ou não fazer ou de entrega de coisa.

Outros estatutos também prevêem a aplicação de multa pecuniária para o caso de descumprimento de decisão judicial, como o artigo 729 da Consolidação das Leis Trabalhistas, in verbis: "O empregador que deixar de cumprir decisão passada em julgado sobre a readmissão ou reintegração de empregado, além do pagamento dos salários deste, incorrerá na multa de 3/5 (três quintos) a 3 (três) valores-de-referência por dia, até que seja cumprida a decisão".

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelece norma similar à do artigo 461 do CPC, ao autorizar a aplicação de multa para o caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 213, § 2º).

Entretanto, funcionalmente apresentam maior relevância as sanções pecuniárias relativas às obrigações de fazer ou não fazer e de entrega de coisa. Por esse motivo, optamos por abordar mais detidamente as normas correlatas a esse instituto, deixando as demais para outra oportunidade [12].

A finalidade da multa, como já se disse, é compelir o destinatário ao cumprimento da ordem. Não se trata simplesmente de assegurar um direito à parte que solicitou a medida; a multa tem por função, também e principalmente, preservar a autoridade das decisões judiciais. Por isso, a jurisprudência tem considerado que a multa deve ser imposta ex officio ou a requerimento da parte [13].

O valor da multa a ser fixada deve obedecer ao critério da razoabilidade, a fim de desempenhar sua função coercitiva. No entender de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, "o valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz" [14].

A multa, portanto, deve ser suficiente para inibir o destinatário de desobedecer ao mandamento judicial. Mas não pode ser tão onerosa que desestimule o infrator a cumprir a obrigação, ainda que a destempo. Não há regra legal que estabeleça o valor da multa; o juiz deve fixá-la de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Se o juiz determina, por exemplo, a uma empresa (de patrimônio notadamente grande) que deixe de emitir poluentes no mar, a multa diária a ser cominada, para o caso de descumprimento da ordem, deve ser de valor econômico bem elevado, para que a empresa não obtenha vantagem em prosseguir com a emissão de poluentes.

Mas esse mesmo valor não pode ser aplicado a uma pessoa comum. Se a decisão determina que um médico realize uma cirurgia plástica, o valor da multa pecuniária por dia, semana ou mês de atraso deverá ser suficiente para compelir esse médico a realizar a intervenção cirúrgica. Evidente que a multa deverá exercer coação no destinatário; mas não pode, sob nenhuma hipótese, consistir em mecanismo que venha a impedir posterior prestação do serviço. Por esse motivo a lei fala em multa "suficiente ou compatível com a obrigação". Em ensaio sobre o tema, Thereza Alvim ensina que "suficiência ou compatibilidade nada mais é do que adequação, ou seja, que haja a possibilidade, com a fixação da multa, de a obrigação vir a ser cumprida, de acordo com a visão do juiz da causa. Na concreção desse conceito vago não está o juiz adstrito ao valor da obrigação ou a qualquer limite, objetivando, exclusivamente a adequação para obtenção da tutela específica" [15].

Indagação que normalmente surge nesse campo diz respeito ao limite da multa. A rigor, a multa é fixada por dia, semana, ou mês de descumprimento: para cada período de tempo em que não se cumpre o mandamento judicial há incidência da multa. Assim pode ocorrer infinitamente, caso não seja colocado um termo final. Sim, pois há sempre o risco de o destinatário da ordem, eternamente, negar-se a observar o preceito judicial; com isso, a multa teria incidência até chegar a valores absurdos, despropositados, pois já teria perdido sua finalidade de compelir o destinatário: este jamais adimplirá a ordem.

Com habitual precisão, ensina Barbosa Moreira: "A multa aplicada destina-se, em princípio, a incidir enquanto permaneça descumprida a obrigação. Como já se disse (3ª parte, n. 2.6), não há cogitar de limite relacionado com o valor da obrigação: a função da medida não é reparatória, mas puramente coercitiva. Ela é cumulável, inclusive, com eventual cobrança de perdas e danos. Urge, entretanto, admitir que em certas circunstâncias deve cessar a fluência: assim, p. ex., se o cumprimento da obrigação se tornou inviável, o prolongamento da incidência da multa implicaria fazê-la perpétua, com injusto detrimento para o devedor, cuja vontade deixou de ser relevante, e sem qualquer possibilidade de conseguir-se para o credor o proveito específico que se tinha em vista" [16].

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Na mesma linha, Marcelo Guerra explica que, caso a tutela específica, por qualquer razão, não possa mais ser obtida, ou se a multa não revelar pressão psicológica sobre a vontade do devedor (de modo a induzi-lo a cumprir a prestação devida), a medida deve ser revogada [17].

Todavia, é bom esclarecer que o limite da multa não é o valor da causa ou o valor da obrigação. A multa destina-se a coagir moralmente o devedor a cumprir a sentença, não representando as perdas e danos decorrentes do descumprimento da ordem. Por essa razão, enquanto subsistir o inadimplemento deve ser aplicada, não se restringindo ao valor da obrigação [18].

Num primeiro momento, pode ocorrer de fixar-se um valor baixo para a multa, incapaz de constranger o sujeito a satisfazer a obrigação. Nesse caso, forçoso que o juiz modifique o valor da multa, de modo a torná-la eficaz. Também é possível que a multa tenha sido fixada em valor muito elevado, caso em que o juiz deverá reduzi-la a patamar razoável. É o que dispõe expressamente o parágrafo único do artigo 644 do CPC: "O valor da multa poderá ser modificado pelo juiz da execução, verificado que se tornou insuficiente ou excessivo".

Interessante notar que a multa, ainda que fixada em sentença já transitada em julgado, pode ser alterada pelo juiz. Cândido Dinamarco considera discutível a legitimidade da redução do valor da multa fixado na sentença, por força da autoridade da coisa julgada. Mas esse óbice, na opinião do ilustre processualista, pode ser afastado "quando a redução da multa tiver por causa alguma eventual alteração na situação de fato considerada pelo juiz ao arbitrar a multa no processo de conhecimento. A coisa julgada só imuniza as decisões judiciais nos limites dos fatos para os quais foram proferidas, sendo por isso considerado que ela se impõe rebus sic stantibus" [19].

Nessa mesma linha de raciocínio, Nelson Nery Jr. afirma que "não há ofensa à coisa julgada, mas sim aplicação da cláusula rebus sic stantibus de que se reveste a decisão ou sentença na parte que fixa o valor da multa diária. Em outras palavras, mantida a mesma situação de fato, o valor da multa constante da sentença não pode ser alterado; sobrevindo nova situação de fato, o valor da multa constante da sentença pode ser modificado" [20].

Esse posicionamento parece-nos correto, sobretudo pelo fato de não haver sentido em rever-se uma decisão judicial, pelo mesmo grau de jurisdição, sem que haja alteração fática da situação. A decisão que modifica o valor da multa deve apresentar as razões fáticas que levaram o magistrado a proceder à alteração. Em outras palavras: não se trata de matéria que o juiz possa alterar discricionariamente, sem que haja a alteração fática da situação.

Pode suceder, porém, de o valor acumulado da multa, apesar da revogação da medida, mostrar-se excessivo. Com isso, surge a dúvida: pode o juiz desconsiderar parte do débito já existente por conta do inadimplemento do réu? Luiz Guilherme Marinoni sustenta que sim. No seu entender, "se a multa já assumiu valor despropositado, e assim não se constitui mais em meio de pressão sobre a vontade do réu, não há razão para não admitir a redução do seu valor, tornando-o compatível com a situação concreta posta em juízo". E prossegue: "Reduzindo-se o valor da multa que se tornou despropositado, e dando-se ao inadimplente nova oportunidade de adimplir a sua obrigação, reafirma-se a função da multa, que é a de compelir o demandado a adimplir, e não a de retirar patrimônio do demandado para – o que é pior – permitir o enriquecimento sem qualquer justificativa do autor" [21].

Em situações extremas, que conduzam a uma grave distorção, concordamos que a multa, já incidente, deve ser revista [22]. Entretanto, em casos normais, apesar de o somatório da multa tornar-se demasiadamente oneroso ao réu, devido ao seu contínuo descumprimento da ordem, consideramos que não deve ser reduzida, apenas para conceder "nova oportunidade" ao inadimplente desidioso. Até porque seria muito cômodo ao destinatário, uma vez não observada a ordem, aguardar a redução da multa para, então, submeter-se à decisão.

A multa, se excessiva, pode ser reduzida ou até mesmo deixar de incidir, quando não possa provocar o adimplemento da obrigação. Porém, no período em que já incidiu, não pode mais ser alterada, tornando-se passível de cobrança. A atitude de desprezo do réu à ordem judicial acarretou a sanção; assim, ele deve arcar com os custos de seu inadimplemento.

Mas a quem deve ser destinada a multa fixada pelo descumprimento da decisão judicial? Para responder à indagação, devemos retornar ao estudo das finalidades da aplicação da multa.

A sanção pecuniária tem por escopo coagir o destinatário a cumprir a ordem expedida pelo juiz. Em outras palavras, busca-se preservar a autoridade das decisões judiciais e assegurar sua efetividade.

Por esse motivo, a multa pecuniária não possui qualquer ligação direta com o direito subjetivo da parte. O descumprimento do devedor pode até acarretar danos ao autor, que serão apurados em outro momento, pois a multa não possui caráter ressarcitório. O direito do autor restringe-se, portanto, a ver cumprida a ordem judicial e, eventualmente, receber indenização pelos danos resultantes do não cumprimento pelo destinatário.

Dessa forma, como aponta Barbosa Moreira, "já que ela não tem caráter ressarcitório, mas visa assegurar a eficácia prática da condenação, constante de ato judicial, não parece razoável que o produto da aplicação seja entregue ao credor, em vez de ser recolhido aos cofres públicos" [23].

Sem dúvida, essa solução parece a mais acertada. O recebimento da multa pelo autor caracteriza indiscutível fonte de enriquecimento sem causa deste. Mas isso não impede a legislação de atribuir-lhe esse direito.

Marcelo Guerra anota as diferentes destinações dadas às verbas arrecadadas com a aplicação da sanção pecuniária: no sistema alemão, o valor é atribuído integralmente ao Estado; em Portugal, metade da quantia é destinada ao credor e metade ao Estado; no direito francês, as astreintes são devidas ao autor, cumulativamente com o valor das perdas e danos [24].

No Brasil, porém, a questão não foi decidida no plano legislativo. Há uma lacuna quanto à destinação da multa por descumprimento da ordem judicial. O artigo 461 do CPC apenas diz que a imposição da multa pode vir a requerimento da parte ou de ofício e que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287)".

Poder-se-ia utilizar o argumento do enriquecimento sem causa do credor para atribuir ao Estado a quantia relativa à incidência da multa. Porém, para que a verba pudesse ser destinada ao Estado, seria indispensável expressa menção legislativa a esse respeito. Ante a inexistência de tal norma, que determine o encaminhamento do resultado da incidência da multa ao Estado ou a um fundo, o ordenamento jurídico pátrio não permite outra saída a não ser a incorporação do numerário ao patrimônio do credor, o que se faz, inclusive, com suporte analógico no quanto disposto no art. 601 do Código de Processo Civil: "nos casos previstos no artigo anterior [atos atentatórios à dignidade da justiça], o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução" [25].

Resta abordar, ainda, a questão relativa à aplicação da sanção pecuniária por descumprimento de ordem judicial, quando o destinatário é pessoa jurídica de direito público.

A priori, poder-se-ia argumentar que a multa não seria devida pelo Estado, uma vez que este, por si próprio, não pratica atos; apenas seus funcionários (agentes públicos) poderiam cumprir a determinação judicial. E pode sobrevir de um agente público deixar de observar a ordem judicial por dolo (má-fé) ou por culpa (negligência).

Porém, como adverte Eduardo Talamini, "esse aspecto psicológico não serve de argumento para eximir os entes estatais do regime da coerção processual patrimonial. Condutas daquela ordem devem ser combatidas através dos instrumentos de controle da Administração Pública (auditoria interna, tribunal de contas, medidas judiciais, como a ação popular e a ação civil pública, etc.)" [26].

O posicionamento sustentado pelo autor tem respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, em inúmeros casos, declarou a possibilidade de aplicação da multa aos entes públicos [27].

Na atual sistemática, em que o dinheiro arrecadado com a multa destina-se ao autor, os órgãos públicos não estão imunes de efetuar o pagamento. Contudo, eventual reforma legislativa que destine a quantia ao próprio Estado afastaria a legitimidade na cobrança da multa. Seria retirar o dinheiro de um bolso para colocá-lo em outro. Dessa forma, parece-nos mais conveniente que, em caso de descumprimento de mandamento judicial, o próprio agente público (pessoa física) seja responsabilizado pelo pagamento da multa. Em última análise, se ele próprio deixou de realizar a determinação do juiz, nada mais natural que seja responsabilizado.

4.2. Sanções disciplinares de natureza pessoal

A segunda classe de sanção que pode ser imposta pelo juiz para forçar o destinatário a cumprir a ordem contida na sentença é de natureza pessoal, como advertências e medidas de coerção física (v.g., a prisão do infrator). Esse mecanismo de pressão psicológica é utilizado, no direito brasileiro, em hipóteses restritas, muito embora tenha grande eficácia prática.

O artigo 733 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a execução da prestação alimentícia, é o exemplo mais comum de aplicação dessa espécie de sanção. Com efeito, estabelece o referido dispositivo: "Na execução da sentença ou de decisão que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em três (3) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um (1) a três (3) meses" [28].

A prisão, nesse caso, não possui natureza penal, mas se torna mecanismo de pressão psicológica para que o devedor pague a prestação alimentícia. Na prática, o referido dispositivo tem servido como importante instrumento de coação do devedor de alimentos para o cumprimento da obrigação fixada na sentença. O fato de poder ser preso por conta da dívida alimentar faz com que o devedor tenha interesse em e se esforce para efetuar os pagamentos.

Em vista do resultado positivo que a previsão de prisão civil decorrente do não pagamento do débito alimentar conduz, tem-se debatido eventual possibilidade de ampliar o instituto para os casos de descumprimento de qualquer ordem judicial, a exemplo do que acontece nos sistemas do common law.

Os países que adotam o sistema do common law [29] (direito comum) empregam mecanismo coercitivo destinado a assegurar o cumprimento das ordens judiciais: o contempt of court. O termo contempt significa desacato. Contempt of court, portanto, é o desacato às ordens do tribunal. Em outras palavras: o desrespeito à autoridade judicial.

O contempt of court não se refere apenas à prisão civil por descumprimento à ordem judicial. Esse instrumento também prevê a aplicação de multas, prisão por crime e sanções processuais.

Pode-se dividir o contempt of court em diversas categorias. Para o presente estudo, contudo, interessa a distinção entre contempt civil e penal. De acordo com Marcelo Guerra, esta se faz por meio da análise dos objetivos que o contempt busca atingir: "se objetiva induzir (coagir) a parte a cumprir uma ordem judicial, diz-se que se trata de civil contempt. Se, por outro lado, se trata apenas de punir uma conduta desrespeitosa, tem-se um criminal contempt. Daí dizer-se que o criminal contempt volta-se ao passado e o civil contempt dirige-se ao futuro" [30].

Destaque-se que é possível a cumulação do contempt civil com o penal. Ou seja, o sujeito que desrespeita a ordem judicial está sujeito à sanção civil, penal ou a ambas [31].

Conforme anota Marcelo Guerra, severas críticas são feitas ao instituto do contempt of court. Em primeiro lugar, em relação à imparcialidade do juiz para julgar o contempt praticado contra sua própria decisão ou por conduta que o atinja pessoalmente. Há, nesse caso, a cumulação dos papéis de vítima, acusador, testemunha e juiz, o que é inadmissível [32].

Outro ponto atacado refere-se ao procedimento "sumário" do contempt, que, em ocasiões extremas, torna-se imediato, sem garantir sequer ampla defesa ao acusado [33].

Outrossim, critica-se a falta de precisão e objetividade acerca da conduta típica caracterizadora do contempt of court. A margem de liberdade do juiz vai desde o advogado chegar atrasado à audiência até a ofensa pessoal ao juiz [34]. Ou seja, a conduta desrespeitosa que faz incidir as sanções do contempt é totalmente subjetiva.

No Brasil, algumas vozes autorizadas levantaram-se a favor da prisão civil. Donaldo Armelin considera essencial "dotar o Poder Judiciário de instrumentos processuais que, através da coação indireta, inclusive pertinente à restrição da liberdade individual, permitam alcançar a garantia de uma tutela jurisdicional satisfativa plena e exaustiva. Não se cogita de advogar a prisão por dívida, mas sim a restrição de liberdade por descumprimento de ordem judicial legítima. A isso não está inibido o Legislador Ordinário, pois a garantia individual insculpida no artigo 153, § 17, da Constituição Federal, apenas veda a prisão civil por dívida" [35].

Na mesma linha, ao defender a possibilidade de aplicar a prisão civil para os casos de desobediência às ordens judiciais, escreve Sérgio Shimura que "é preciso interpretar a prisão como forma de concretização do direito fundamental à tutela efetiva, e não apenas como uma odiosa lesão ao direito de liberdade. Realmente, a prisão, no caso, não tem a ver com dívida. Trata-se de meio coercitivo para cumprimento das determinações judiciais" [36].

Tais argumentos são corroborados também por Sérgio Cruz Arenhart, ao consignar que não se proíbe "a prisão civil – usada como meio de coerção. O que é inviabilizada pela Lei Maior é a prisão que tem origem em dívida, ou seja, aquela estabelecida para cumprimento do liame obrigacional" [37].

No entanto, não nos parece ser aplicável ao direito brasileiro a prisão civil por descumprimento a ordem judicial, salvo nas hipóteses autorizadas pela Constituição Federal. Senão, vejamos.

Antes de tudo, deve-se considerar o teor do texto constitucional: "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel" (art. 5º, LXVII). De acordo com os termos expressos do dispositivo, poder-se-ia pensar que a vedação incidiria exclusivamente sobre a prisão civil por dívida. Com isso, outras espécies de prisão civil, como, por exemplo, a decorrente de inobservância de ordem judicial, seriam possíveis, pois não violariam a norma constitucional.

Tal raciocínio, contudo, não prevalece, como se percebe pelo exame das exceções previstas na aludida norma. A primeira diz respeito ao devedor de alimentos; não resta dúvida que se trata de hipótese de prisão civil por dívida (alimentícia). A segunda hipótese é a do depositário infiel. Aqui não se fala em dívida pecuniária, pois o depositário não é devedor. A prisão do depositário existe para preservar a autoridade da justiça, embora certamente não se trate de prisão civil por dívida. A partir desse entendimento, conclui-se que a Constituição Federal prevê a proibição da prisão civil, salvo as duas exceções expressamente previstas: um por dívida; outra para preservar a autoridade judicial.

Merece registro, também, que a norma em questão, ao estabelecer as possibilidades de prisão civil, é manifestamente limitadora da liberdade do indivíduo. Com isso, sua interpretação deve ser realizada de forma restrita [38]. Vale, aqui, a máxima latina: Quotiens dubia interpretatio libertatis est, secundum libertatem respondendum est [39].

Eduardo Talamini [40] lança mão de outro argumento: o de que o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana dos Direitos Humanos), o qual proíbe qualquer forma de prisão civil, salvo a do devedor de alimentos.

Com isso, em virtude do previsto no artigo 5º, § 2º, da CF [41], o mencionado tratado internacional teria força de norma constitucional e, mais que isso, estaria inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais e sequer poderia ser suprimido por emenda constitucional.

Porém, prevalece no Supremo Tribunal Federal a tese de que o referido tratado internacional, nessa parte, não foi recepcionado pela Constituição Federal [42]. Como o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, temos que prevalece o entendimento de inconstitucionalidade do aludido tratado quanto à vedação da prisão civil do depositário infiel.

De toda forma, o obstáculo criado pelo constituinte é intransponível para inserir no ordenamento jurídico nacional a prisão civil por desrespeito a ordens judiciais, à semelhança do contempt of court [43].

Vale destacar, ainda, que mesmo no direito estrangeiro há várias críticas e impedimentos relativos ao contempt of court. Por outro lado, conforme a seguir será demonstrado, a falta de cumprimento a ordens judiciais também pode acarretar sanções penais, com penas privativas de liberdade, o que tornaria desnecessária a prisão civil.

4.3. Sanções penais

Além de estar sujeito ao pagamento de multa, bem como à incidência de prisão civil nas hipóteses previstas na Constituição Federal, se o destinatário descumprir a ordem judicial poderá sofrer sanção penal. A finalidade da sanção penal, todavia, é distinta da finalidade das demais sanções: a sanção penal tem por escopo punir a infração cometida pelo agente; as demais servem como mecanismo de coerção para o cumprimento do comando judicial.

De toda forma, ainda que o objetivo final da sanção penal seja punitivo, indiretamente serve ela como meio de coerção.

O Código Penal tipifica como crime "desobedecer a ordem legal de funcionário público". Para fins de aplicação desse dispositivo, tem-se considerado que o juiz é funcionário público, de modo que o descumprimento de decisão proferida por juiz competente é crime, a ser apurado na forma da lei [44].

Porém, não é qualquer espécie de decisão judicial que, descumprida, tipifica o crime de desobediência. Apenas quando se contém uma ordem é que se pode falar em desobediência. Com efeito, em relação aos provimentos preponderantemente declaratórios, constitutivos, condenatórios e executivos lato sensu, por prescindirem da conduta do réu, não impõem tal conduta. Somente o provimento de natureza preponderantemente mandamental enseja punição por desobediência [45].

Vale consignar que não apenas as decisões transitadas em julgado ensejam a caracterização do crime de desobediência. Todas as espécies de decisões, desde que contenham uma ordem, podem acarretar a conduta delituosa.

Entretanto, não se considera conduta delituosa quando a parte deixa de cumprir um simples ônus que a lei lhe atribui (como especificar provas, prestar depoimento pessoal etc.).

Os sujeitos ativos da conduta delituosa, prevista no artigo 330 do CP, podem ser "o particular ou o funcionário público, em sentido amplo, em relação a atos e fatos não relacionados ao exercício do cargo e função públicos" [46]. Na hipótese de o funcionário público estar no exercício da função, a não observância ao mandamento judicial pode configurar crime de prevaricação (art. 319, CP [47]) ou crime de responsabilidade (arts. 85 e 100, § 5º, da CF [48]).

Caso haja desobediência a ordem dirigida contra pessoa jurídica de direito privado, a pessoa física responsável pelo cumprimento do comando, e a quem estava endereçada a ordem, é o agente que pratica o delito. A esse respeito, consigna Eduardo Talamini que "é irrelevante a circunstância de o representante, pessoalmente considerado, ser ‘terceiro’ no processo civil de que proveio a ordem, até porque – reitere-se – o sancionamento por desobediência é alheio ao processo em curso. De resto, sempre se reconheceu que o crime de desobediência é praticável por terceiros em relação ao processo" [49].

Em relação às pessoas jurídicas de direito público, em tese, deveria ser aplicada igual solução. Porém, como já dissemos, o funcionário público, no exercício de sua função, não pratica essa espécie de crime. E o problema surge quando verifica-se que o crime de prevaricação necessita do elemento subjetivo "satisfazer interesse ou sentimento pessoal". Com isso, o funcionário que deixa de cumprir a ordem judicial por outra razão que não aquelas previstas no tipo penal não pode ser punido por prevaricação. Tal fato abre via para tornar a Administração Pública imune a qualquer sanção de natureza penal por descumprimento a preceito judicial [50].

Verificada a desobediência em flagrante delito, pode o juiz que expediu a ordem determinar a prisão do destinatário. Caso contrário, somente poderá ser feita pelo juiz criminal que presidir a respectiva ação penal [51].

Como se vê, há implicações de natureza penal para a hipótese de descumprimento de decisões judiciais. Porém, forçoso reconhecer-se a ausência de instrumentos mais aptos, a possibilitar maior pressão sobre o destinatário da ordem nessa esfera. Dever-se-ia, por exemplo, possibilitar a prisão em flagrante, a qualquer momento, daquele que deixa de cumprir a determinação judicial, uma vez que, enquanto não cumprida a ordem, a conduta delituosa estará caracterizada, de modo a ensejar a prisão em flagrante do sujeito. Apenas quando se tratasse de obrigação de não fazer, que se consuma pela prática de um ato só (v.g., a proibição de demolir prédio histórico), poder-se-ia falar em flagrante exclusivamente logo após a prática do ato.

4.4. Sanções puramente processuais

As sanções puramente processuais, por sua vez, caracterizam-se pela restrição ao exercício de direitos e faculdades normalmente atribuídos aos litigantes. A primeira idéia que se deve ter é que essa classe de sanção somente pode ser aplicada às partes. De fato, não há como restringir a prática de atos processuais de quem não figura no processo. Igualmente, não traria qualquer resultado útil aplicar aos auxiliares da Justiça essa espécie de sanção.

Em vista dos princípios constitucionais do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório, a aplicação de sanções processuais que impeçam a prática de atos processuais pelas partes resta muitíssimo reduzida. Apenas em casos extremos ― e em que se mostre indispensável a utilização de tais medidas ― o juiz deverá aplicá-las, pois caso contrário podem ser consideradas violadoras de direitos fundamentais.

Aliás, algumas sanções processuais que existiam no Código de Processo Civil foram retiradas em recente reforma legislativa. É o caso do artigo 601, cuja redação anterior à reforma realizada em 1994 dispunha: "Se, advertido, o devedor perseverar na prática de atos definidos no artigo antecedente [atos atentatórios à dignidade da justiça], o juiz, por decisão, lhe proibirá que daí por diante fale nos autos. Preclusa esta decisão, é defeso ao devedor requerer, reclamar, recorrer ou praticar no processo quaisquer atos, enquanto não lhe for relevada a pena".

A proibição de "falar" nos autos consistia em sanção demasiadamente rigorosa, que comprometia o próprio direito à ampla defesa. Imagine-se um caso em que o executado é proibido da prática de qualquer ato processual, no curso do prazo para embargos à execução, em que efetivamente há excesso de execução. Ora, não parece razoável que o executado perca, definitivamente, a oportunidade de questionar uma ilegalidade praticada pelo exeqüente, ainda que tenha atentado contra a justiça.

A alteração desse dispositivo ocorreu exatamente em virtude do questionamento acerca de sua constitucionalidade [52]. Contudo, a legislação processual contempla, ainda hoje, hipótese de sanção processual semelhante àquela que constava do artigo 601: a norma do artigo 879, CPC, que reza: "A sentença que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado". Nesse caso, a decisão que julga a cautelar de atentado tem nítido caráter mandamental: a ordem é expedida para que o réu restabeleça as coisas ao estado anterior. A prática de qualquer ato processual pelo réu depende do cumprimento do quanto determinado nessa sentença.

Essa nos parece medida salutar, porém de aplicabilidade inviável ao processo de conhecimento. Sim, pois o fato de ter-se concedido oportunidade ao réu para manifestar-se no processo, até sentença final, faz com que a sanção não possa ser taxada como violadora dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Nada mais natural que a sentença seja cumprida pelo vencido. E qualquer ato que ele pretenda praticar no feito principal fica sujeito a essa condição prévia.

A atual redação do artigo 601, conferida pela Lei nº 8.953/94, também estabelece a possibilidade de aplicar sanção processual aos casos de prática de ato atentatório à dignidade da justiça. Porém, a falta de especificação das sanções torna inócuo, nessa parte, o dispositivo.

Podem-se mencionar, também, as penas por litigância de má-fé, previstas no artigo 18 do CPC. Entretanto, tais penas não importam restrição à prática de atos no processo, mas apenas multa pecuniária ao infrator ― que também pode ser aplicada a terceiros ―, salvo a prevista no artigo 557, § 5º, que condiciona a interposição de recurso ao pagamento da multa.

O mecanismo de punições processuais, como se vê, não é muito bem aproveitado pelo ordenamento jurídico nacional, até mesmo pela dificuldade de aplicação razoável, de modo a não ferir direitos constitucionalmente assegurados. Mas devem ser pensadas outras sanções processuais para os casos de descumprimento a ordens judiciais, principalmente quando outros atos processuais ainda serão praticados no processo.

4.5. Sanções políticas

A última categoria de sanção que visa a compelir o destinatário da ordem ao seu cumprimento está prevista na Constituição Federal: intervenção federal e estadual.

O artigo 34 da Carta Magna preceitua que a União Federal não intervirá nos Estados-membros ou no Distrito Federal salvo para, dentre outros, "prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial" (inciso VI). Na mesma linha, estabelece o artigo 35 que o Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto, entre outras, quando "o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial" (inciso IV).

A intervenção, federal ou estadual, é medida coercitiva aos Estados-membros e municípios para que cumpram as decisões judiciais. Hoje, verificam-se diversos casos de pedido de intervenção federal, especialmente em virtude da falta de pagamento de precatórios judiciais.

O mecanismo, tecnicamente, é muito bom e objetiva evitar que entes federativos descumpram ordens judiciais. Contudo, a realidade mostra que a intervenção não possui habitual utilidade, visto as implicações políticas que propicia. Isso faz com que o Supremo Tribunal Federal, responsável pelo julgamento dos pedidos de intervenção federal, evite ao máximo decretar tal medida.

Portanto, na prática, o instrumento é de pequena utilização, mas ainda assim relevante para o estado democrático de direito, na medida em que mantém o equilíbrio entre os Poderes Executivo e Judiciário.

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Sobre o autor
Rodrigo Barioni

advogado, mestre e doutorando em Direito PUC/SP, professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP e das Faculdades Metropolitanas Unidas (UniFMU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARIONI, Rodrigo. Efetivação da sentença mandamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 442, 22 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5732. Acesso em: 20 mai. 2024.

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