Como é de conhecimento dos operadores do direito, o atual sistema processual estabelece que nem todas as decisões interlocutórias sejam agraváveis, eis que o artigo 1.015 e seus consectários do novel diploma estabelecem algumas hipóteses de cabimento, remetendo-se as demais situações ao regime da chamada preclusão elástica, ou seja, eventual alegação em sede preliminar de recurso de apelação (se quis com isso evitar a recorribilidade em separado que por vezes fazia demorar o trâmite processual atentando contra a garantia do tempo razoável e da satisfatividade integral – artigo 4º CPC, 5º, LXXVIII CF e 8º do Pacto de San José).
Assim, garante-se o direito de revisão da decisão judicial pelo recurso, apenas se apontando que o melhor momento processual para a discussão seria outro, somente sendo relevante se recorrer acaso de experimente derrocada processual na demanda (daí se poder aduzir os motivos da insatisfação como preliminar do recurso de apelação). Daí a opção legislativa de postergar o exame de questões não reputadas urgentes para um momento posterior, se houver derrota processual, numa tentativa de racionalização do uso da máquina recursal estatal.
No entanto, em relação a tanto, se ressalta que não obstante o rol do artigo 1.015 CPC seja taxativo, fato é que, coisa radicalmente diversa, o mesmo comporta quanto às referidas hipóteses taxativas, interpretação extensiva.
Nesse sentido, inclusive, aponta com clareza solar o Magistrado e Professor Fernando Gajardoni:
Nessa direção, embora a interpretação extensiva seja possível em situações específicas do artigo 1.015 (Nesse sentido, o Enunciado 435 do FPPC: “Cabe agravo de instrumento contra a decisão do juiz que, diante do reconhecimento de competência pelo juízo arbitral, se recusar a extinguir o processo judicial sem resolução de mérito), que podem ser antecipadas pela compreensão sistemática do CPC/2015, não se deve, diversamente do modelo do CPC/1973, criar hipóteses de recorribilidade de decisão interlocutória não previstas expressamente no novo CPC. …. Isso sem falar do risco de que, com fundamento na isonomia processual, alguém entenda que o acolhimento do pedido de gratuidade de justiça, a rejeição da exclusão de litisconsorte ou o acolhimento do pedido de limitação de litisconsórcio também ensejam a interposição de agravo de instrumento (bilateralizando as previsões do artigo 1.015, V, VII e VIII). Tal raciocínio leva a um quadro de grave insegurança jurídica, em que os profissionais do direito não sabem mais o que preclui e o que não preclui de imediato. Na dúvida, os advogados serão levados, pelo menos enquanto não se consolida a jurisprudência, a interpor agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida na fase de conhecimento. Afinal, é melhor o tribunal dizer que não cabia o agravo, do que depois, no julgamento da apelação, asseverar que a matéria já precluiu… Dessa forma, sempre que seja possível cogitar de qualquer interpretação ampliativa, extensiva ou sistemática para cabimento do agravo de instrumento, a parte tomará o cuidado de providenciar sua interposição, evitando que a omissão seja considerada como preclusão em eventual julgamento de apelação.
In https://jota.info/colunas/novocpc/hipoteses-de-agravo-de-instrumento-no-novo-cpc-os-efeitos-colaterais-da-interpretacao extensiva-04042016
Para exemplificar meu ponto de vista, além do caso do juízo arbitral apontado pelo doutrinador, aponto o disposto no inciso V do artigo 1015 CPC (rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação).
O CPC admite o agravo quando se rejeita a gratuidade de Justiça ou quando se acolhe pedido de revogação. Mas o texto é silente quanto a, por exemplo, situações em que se indefere a impugnação do benefício, o que é muito diferente.
O que pode a parte prejudicada fazer ? Aguardar o trâmite irregular de um processo em que a outra parte não recolheu as custas quando patente que se cuida de pessoa não hipossuficiente ? Óbvio que não.
Não foi esse o espírito visado pelo legislador pátrio ao editar a norma (a socialidade a que alude a norma contida no artigo 5º LINDB). Assim, mais adequado presumir-se que em questões atinentes à gratuidade de Justiça tenha pretendido o legislador, em nome de princípios como o tempo razoável de duração do processo e da própria colaboração (cooperação) que se possa interpretar extensivamente tal hipótese.
O mesmo pode ocorrer também em casos atinentes a litisconsortes e intervenção de terceiros (incisos VII, VIII e IX) como se dá por exemplo na admissão indevida de litisconsorte, ou mesmo em intervenções anômalas de terceiro (como por exemplo arrematantes em processos de execução – não obstante em execução todas as interlocutórias sejam agraváveis por força do parágrafo único do mesmo artigo 1.015 CPC).
Do contrário, ter-se-ia que suportar litisconsorte indevido praticando um sem número de atos para somente em grau de apelação ver tal pretensão examinada – insista-se não parece ser esta a mens legis – ou seja esse não parece o resultado previsto pelo legislador pátrio ao editar a norma em comento – os fins sociais a que a lei se destina – a socialidade enquanto conceito tão caro a doutrinadores como Miguel Reale, como previsto pelo advento da norma contida no artigo 5º LINDB.
Na dúvida, enquanto não se firmar jurisprudência firme a respeito do tema, tem-se que, em termos de isonomia e colaboração e de modo a se evitar a preclusão da questão, tem-se que se admitir a interposição de agravo de instrumento em alguns casos por interpretação extensiva. Melhor pecar pelo excesso do que permitir a preclusão de uma questão.
Aliás, como é cediço, a segurança jurídica é princípio constitucional como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade. A respeito, inclusive, as considerações tecidas pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento realizado pelo Pretório Excelso em 26.03.2.010:
“Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado” ... Aponta-se ainda a “Proteção da Confiança”, segundo a qual “a fluência de longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado (cidadão) e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro”.
Assim, em nome da segurança jurídica a que fazem jus os jurisdicionados, numa sociedade de confiança (justified trust) em que as pessoas possam depositar essa confiança justificada no funcionamento dos Tribunais, enquanto não se firmar jurisprudência firme (nos termos do artigo 926 CPC os Tribunais devem zelar pela estabilidade de seus posicionamentos), recursos de agravo de instrumento devem ser conhecidos (se providos ou não a questão é outra) quando manejados em situações de interpretação extensiva das hipóteses do artigo 1.015 CPC.