I. DA ORIGEM DO PIS-IMPORTAÇÃO E DA COFINS-IMPORTAÇÃO.
Dando continuidade a uma série de mudanças introduzidas na legislação tributária nacional, o Poder Executivo Federal adotou a Medida Provisória nº 164, de 29 de janeiro de 2004, publicada no Diário Oficial de 30 de janeiro de 2004, que instituiu a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público Incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços - PIS/PASEP-IMPORTAÇÃO e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social Devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS-IMPORTAÇÃO.
Esta Medida Provisória foi convertida na Lei nº 10.865/04, de 30 de abril de 2004, publicada na edição extra do Diário Oficial da mesma data, tendo a referida lei inserido algumas modificações na redação original da citada Medida Provisória, especialmente na tentativa de driblar uma inconstitucionalidade que já estava sendo denunciada pela doutrina, relativa à base de cálculo dessas contribuições, conforme será visto mais adiante.
Na verdade, esclarece-se que se tratam de dois novos tributos introduzidos no Sistema Tributário Nacional, com base nos artigos 149, parágrafo 2º, inciso II e III, alínea "a", e 195, inciso IV, da CF/88, dispositivos estes que foram acrescentados/modificados pela Emenda Constitucional nº 42/2003, que versou sobre a primeira parte da Reforma Tributária encampada pelo Governo Federal.
Tais dispositivos constitucionais passaram a ter a seguinte redação, cujo destaque é necessário para o bom desenvolvimento do raciocínio deste estudo. Grifamos a parte tocante às contribuições aqui analisadas:
"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, parágrafo 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)
Parágrafo 2º. As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
(...)
II. incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços.
III. poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro"
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
IV. do importador de bens ou serviços d exterior, ou de quem a lei a ele equiparar."
Registre-se que, além da clareza lógica de que as contribuições em tela se originam dos dispositivos constitucionais transcritos acima, o artigo 1º, da Lei nº 10.865/04, deixa expresso que elas foram instituídas com base nos mesmos e, por isso, são submetidas às previsões, conceitos e limites neles contidos.
II. DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES, NA IMPORTAÇÃO DE BENS.
O artigo 7º, inciso I, da MP nº 164/04, previa que a base de cálculo destas contribuições, quando incidentes sobre a importação de bens, seria "o valor aduaneiro que servir ou que serviria de base de cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto, do ICMS devido e do valor das próprias contribuições".
Tendo em vista a grande rejeição que essa base de cálculo recebeu por parte da doutrina, que não aceitou o alargamento do conceito de "valor aduaneiro" introduzido pela referida MP, a Lei nº 10.865/04 alterou a redação do dito dispositivo, fazendo nele constar que a base de cálculo continuaria sendo aquela transcrita acima (com exclusão do imposto de importação), que corresponderia a um "valor aduaneiro" exclusivo "para os efeitos dessa lei". Ou seja, o legislador infraconstitucional criou um novo tipo de "valor aduaneiro", que seria utilizado apenas para fins das contribuições aqui aludidas.
Não obstante a implementação dessa manobra, não acreditamos que o legislador tenha logrado êxito em sua iniciativa, pois um conceito preexistente e solidificado no Direito não pode ser livremente modificado ou distorcido pelo legislador, em obediência ao disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional.
Como visto acima, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) é clara ao determinar que a base de cálculo para as contribuições incidentes sobre as operações de importação deve ser o valor aduaneiro.
No caso do Brasil e no que a CF/88 objetivou se referir quando "falou" em "valor aduaneiro", temos que atentar para o conceito preexistente dessa expressão do Direito em geral, ditado, especialmente, pelos tratados internacionais incorporados pelo País, relativos às operações comerciais internacionais, notadamente o Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), que adotou certos dispositivos do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras (GATT).
Tais dispositivos foram introduzidos na legislação nacional pelo Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994, estabelecendo diversos métodos de valoração aduaneira, sendo o mais utilizado aquele que determina que o valor aduaneiro será a quantia efetivamente paga, ou a ser paga no exterior, pelo importador. Em outras palavras, o valor aduaneiro, de acordo com a legislação brasileira aplicável às transações internacionais, é o valor do bem livremente negociado entre o comprador e o vendedor, diga-se, aquele constante na respectiva nota fiscal.
Vale ressaltar que, embora um pouco afastada da definição acima descrita, a Secretaria da Receita Federal, em sua Instrução Normativa nº 327, de 09 de maio de 2003, entende como valor aduaneiro o valor da mercadoria importada. No entanto, este afastamento somente abre espaço para que a SRF questione o valor da nota fiscal de compra e venda da mercadoria importada, se entender, fundamentadamente, que tal quantia não corresponde ao real valor da mercadoria.
De qualquer forma, mesmo que se admita que a definição do valor aduaneiro a que se refere o artigo 149, parágrafo 2º, inciso III, alínea "a", da CF/88, seria aquela dada pela SRF, que difere, ilegalmente, da prevista nos sobreditos tratados, tal definição ainda será significativamente mais limitada do que o valor aduaneiro previsto no artigo 7º, da Lei nº 10.865/04.
Dessa forma, cremos ser firmemente defensável a inconstitucionalidade da base de cálculo das novas contribuições sociais incidentes sobre a importação de bens, em virtude da mesma ter extrapolado o limite constitucional a ela imposto.
III. DOS CONTRIBUINTES TRIBUTADOS DE ACORDO COM A SISTEMÁTICA DO LUCRO PRESUMIDO
O artigo 15, da Lei nº 10.865/04, prevê que os contribuintes sujeitos à apuração não cumulativa do PIS/PASEP e da COFINS poderão descontar crédito, para fins de determinação dessas contribuições, em relação às importações sujeitas ao pagamento das contribuições para o PIS/PASEP-IMPORTAÇÃO e para a COFINS-IMPORTAÇÃO.
Dessa forma, em outras palavras, as contribuições incidentes na importação de bens e serviços apenas gerarão créditos, a serem utilizados no momento do pagamento das contribuições "normais" para o PIS/PASEP e para a COFINS, para os contribuintes que estiverem sujeitos à sistemática não cumulativa dessas últimas contribuições, sistemática esta instituída pelas Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 (artigo 15 c/c artigo 16, da MP 164/04).
Ocorre que, de acordo com o artigo 8º, inciso II, da Lei nº 10.637/02 e com o artigo 10, inciso II, da Lei nº 10.833/03, as pessoas jurídicas tributadas pelo Imposto de Renda com base no lucro presumido continuam sujeitas à sistemática cumulativa do PIS/PASEP e COFINS, obedecendo a legislação vigente anteriormente à entrada em vigor dessas duas leis.
Como se vê, a Lei nº 10.865/04 criou uma situação incoerente, pois se por um lado equiparou os contribuintes tributados pelo lucro presumido com os tributados pelo lucro real, ao submeter ambos a uma alíquota total de 9,25% para as contribuições incidentes sobre as importações, por outro lado fez uma distinção entre tais contribuintes, uma vez que os primeiros não poderão utilizar o valor pago por tais contribuições na importação como créditos para o pagamento das contribuições "normais", enquanto os segundos foram autorizados a utilizar tal crédito.
Esta situação, na nossa opinião e conforme vem sendo discutido nos meios jurídicos, desrespeita o Princípio da Isonomia, protegido pelo artigo 150, inciso II, da CF/88, pois privilegia os contribuintes submetidos à sistemática não cumulativa das contribuições "normais" para o PIS/PASEP e COFINS, que têm a carga tributária aumentada, mas podem utilizar créditos para minorar tal aumento, em detrimento daqueles que estão impedidos legalmente de utilizar tal sistemática, que apenas vêem sua carga tributária ser aumentada, sem poderem utilizar qualquer crédito para amenizar este aumento.
Esta questão é um pouco parecida com a das empresas prestadoras de serviços e tributadas pelo lucro real, que se viram obrigadas a apurar as contribuições "normais" para o PIS/PASEP e COFINS de acordo com a sistemática não cumulativa, sem, no entanto, em decorrência da natureza de suas atividades, terem possibilidades de utilizar créditos a serem descontados neste sistema não cumulativo. Algumas destas empresas vêm recorrendo ao Poder Judiciário com sucesso, obtendo decisões que as mantém na sistemática cumulativa das citadas contribuições, ou seja, aquela anterior às Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.
Esclarece-se, no entanto, que, como no caso das contribuições sobre as importações não havia uma "sistemática anterior", tendo em vista serem tributos novos no nosso ordenamento jurídico, o pleito dos contribuintes que se sentirem prejudicados pela situação acima exposta somente poderá ser feito em dois sentidos, a saber: a) Que o Poder Judiciário afaste integralmente a cobrança destas novas contribuições; b) Que o Poder Judiciário determine a possibilidade desses contribuintes utilizarem os créditos gerados por tais contribuições, na mesma forma estabelecida para os demais contribuintes.
Não se pode, todavia, requerer uma alteração da alíquota das contribuições sobre as importações, pois não cabe ao Judiciário estabelecer alíquotas e, se assim o fizesse, estaria legislando positivamente, invadindo competência privativa do Poder Legislativo, o que é inadmissível.
IV. DAS IMPORTAÇÕES REALIZADAS SOB O REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA
Além das inconstitucionalidades expostas de maneira resumida acima, é possível existirem outras peculiaridades inerentes à cada empresa, que podem reforçar ou abrir novas hipóteses para se sustentar a inconstitucionalidade da legislação em comento.
Uma dessas peculiaridades estaria na questão das importações eventualmente realizadas com base em um regime de admissão temporária, pois o artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.865/04, dispõe que o fato gerador das contribuições sobre a importação de bens será considerado ocorrido, mesmo no caso de despacho de bens importados sob regime suspensivo de tributação do imposto de importação, o que indica, salvo melhor juízo, uma inclinação do fisco a tributar, através dessas contribuições, também as importações realizadas sob o regime de admissão temporária.
Todavia, dentre as várias hipóteses para que esse regime seja implantado, existem algumas nas quais poderia ser questionada a possibilidade das contribuições analisadas incidirem sobre as respectivas importações.
Uma dessas hipóteses está no regime pelo qual determinados bens são importados apenas para a realização de reparos, consertos ou outras transformações, para serem, posteriormente, tão logo cessem estes serviços, devolvidos aos seus efetivos proprietários, realizadores da remessa que os destinou ao Brasil, sem que tal envio caracterize uma revenda.
Outra situação seria a de bens que fossem importados para meras exposições, sem o objetivo de revenda e sem a característica de insumos para a produção de outros bens que posteriormente seriam vendidos.
Nesses casos, temos a opinião de que a tributação na entrada desses bens feriria o Princípio da Capacidade Contributiva, uma vez que a importação, nestas situações, não revela qualquer nova riqueza ou acréscimo patrimonial por parte do importador. Isto porque tais bens não são adquiridos pelo importador, ou seja, não se incorporam ao seu patrimônio, mas, ao contrário, são importados apenas para que neles sejam prestados alguns serviços, ou que sejam os mesmos expostos ao público em geral durante determinado período, sem o objetivo de revenda, sendo, após, em qualquer dos casos, devolvidos aos seus proprietários no exterior.
Evidentemente, a aplicação desta defesa dependerá, fundamentalmente, de cada caso concreto, de cada realidade específica experimentada pelos contribuintes, visto que existem várias outras hipóteses de importações sob regimes de admissão temporária que comportariam a tributação pelas duas contribuições em espécie.
V. CONCLUSÃO
Diante do exposto, acreditamos que os contribuintes possuem fortes argumentos para questionar a validade constitucional da legislação que instituiu o PIS-IMPORTAÇÃO e a COFINS-IMPORTAÇÃO, sendo certo que a linha de defesa variará de acordo com a situação fática particular de cada contribuinte, tendo em vista o leque de possibilidades das citadas contribuições ferirem a Carta Magna e os Princípios Jurídicos nela contidos.