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Os números da judicialização da medicina

15/05/2017 às 13:30
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A judicialização da medicina é um fenômeno mundial, que chegou à realidade brasileira e tem agravado severamente a crise vivida na área saúde, principalmente no que se refere aos efeitos sofridos pelos próprios profissionais da saúde.

A chamada Judicialização da Medicina é um fenômeno mundial, que chegou à realidade brasileira e tem agravado severamente a crise vivida na área da saúde, principalmente no que se refere aos efeitos sofridos pelos próprios profissionais da saúde. Tal quadro, infelizmente, só tende a se agravar severamente nos próximos anos. 

Cumpre ressaltar, muito embora, que a judicialização não é um fenômeno exclusivo da área da saúde, visto que nos últimos anos notamos a judicialização de praticamente todas as relações sociais. Atualmente, vivemos em uma sociedade exageradamente litigante, em que até mesmo pequenos detalhes do dia a dia e aborrecimentos corriqueiros terminam na frente de um Juiz. Todos os anos, temos 29 milhões de novos processos distribuídos na justiça, e apenas 17 milhões de processos encerrados. Ou seja, ano a ano, 12 milhões de novos processos são “acumulados”.

Contudo, é notório que as relações que trazem consequências mais gravosas são as ligadas de alguma forma à área da saúde, e, sobretudo, relacionadas à atuação profissional dos médicos. Trata-se dos casos em que ocorrem as demandas indenizatórias de alto valor, onde os pacientes buscam a compensação patrimonial em função de eventuais danos decorrentes de erro médico.

Mesmo considerando que em grande parte das vezes o eventual dano é decorrente de culpa concorrente, ou até mesmo culpa exclusiva do paciente, os médicos sofrem cada vez mais com os processos, visto que mesmo os pacientes que não atendem aos cuidados do pós operatório tendem a buscar um culpado para os danos decorrentes de sua própria desídia.

Atualmente, aproximados 7% dos médicos brasileiros enfrentam algum tipo de processo, seja na área cível, criminal ou administrativa. Comparando-se com a média dos EUA, onde 9% dos médicos possuem processo, notamos que estamos bem próximos da média da cultura mais litigante do mundo. E dado o acelerado crescimento dos números nacionais, em aproximadamente três anos podemos ultrapassar os EUA em percentual de médicos processados. Em alguns estados como o RS, já temos uma média de 13,72% dos médicos processados.

Nacionalmente temos um elevadíssimo índice de condenação, no importe de 42%. Já em MG, 30,21% dos médicos processados são condenados.

No STJ, tivemos nos últimos 10 anos um aumento de 1600% de processos versando sobre erro médico, sendo que só em 2014 o aumento foi de 154%. Já no CFM, o aumento do número de processos foi de 302% nos últimos 10 anos, com 180% de aumento de condenações.

Dentre os estados com maior número de processos no STJ, temos em primeiro lugar o RJ com 25,92%. MG está em quinto lugar com 6,20%, atrás ainda de SP, RS e PR.

No que se refere às especialidades médicas mais demandadas nacionalmente, temos em primeiro lugar a Ginecologia e Obstetrícia com 27,14% dos processos, seguida pela Traumato-Ortopedia com 15,71% e pela Cirurgia Plástica, Cirurgia Geral e Neurocirurgia empatados em terceiro lugar com 10%. Dentre as demais demandadas, temos ainda a Anestesiologia, Pediatria, Oftamologia e Clínica Médica.

Já em MG, temos como mais demandada também a Ginecologia e Obstetrícia com 27,49% dos processos, seguida pela Clínica Médica com 18,92%, Traumato-Ortopedia em terceiro com 11,38% e Cirurgia Geral em quarto com 8,69%. Dentre as mais demandadas, temos ainda a Cirurgia Plástica em quinto lugar, Oftamologia e Urologia.

Para que se tenha uma idéia da gravidade do quadro, cabe um simples comparativo. O Brasil possui o trânsito mais violento do mundo, com cerca de 45 mil mortos a cada ano. Contudo, somente a infecção hospitalar mata mais de 110 mil pessoas por ano em nosso país. Ou seja, mais do que o dobro do trânsito, sendo que cada uma das mortes por infecção pode originar um processo contra o médico.

Podemos apontar inúmeros motivos para este quadro assustador, mas dentre eles cabe um especial destaque para a mudança de perfil, tanto da parte do profissional, quanto do paciente.

Em relação aos profissionais, é inegável que houve a chamada “mercantilização” da profissão. Está praticamente extinta a figura do médico familiar, inquestionável como um sacerdote. Hoje temos em regra uma relação mais fria, com atendimentos muitas vezes rápidos e desumanizados por conta da precariedade das condições de atendimento e das sobrejornadas de trabalho, aliadas à alta quantidade de atendimentos em curto espaço de tempo por conta da atuação dos planos de saúde.

Já do lado não temos mais um paciente, mas, sim, um consumidor, com um nível de exigência cada vez mais elevado, tendo a seu serviço a democratização da informação e as facilidades para acesso ao Poder Judiciário.

Apontamos ainda uma série de causas que contribuem para o aumento dos processos, como, por exemplo, a criação das famigeradas associações de vítimas de erro médico, a especialização de advogados em ações contra médicos, as constantes falhas estruturais e falta de investimento na saúde. Isso sem contar os casos de absoluta má-fé do paciente, e os inúmeros casos de danos provenientes de culpa exclusiva destes, que tentam mais adiante responsabilizar os profissionais.

Contudo, não podemos ignorar que o aumento dos processos também tem causa no aumento dos erros profissionais. Podemos apontar como causas do aumento dos erros as falhas na formação médica. Até 1956 tínhamos em nosso país somente 24 escolas de medicina, ao passo que somente em 2014 foram aprovados 81 novos cursos.

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Outro motivo do aumento dos erros profissionais são as sobrejornadas de trabalho, havendo casos em que os profissionais atuam por até 48 horas seguidas ou mais, potencializando severamente as possibilidades de erros.

Mais um parâmetro a ser analisado é o visível aumento das condenações dos médicos nos processos, sem que tenha havido efetivamente um erro profissional. Tais casos ocorrem em função de falhas recorrentes do nosso Poder Judiciário (deficiência nas perícias médicas, inexistência de varas específicas de direito médico, aplicação de preceitos de defesa do consumidor, etc.), e até mesmo falhas do próprio profissional da área da saúde em cuidados preventivos (prontuário incompleto e não detalhado, ausência de fotos, pré-operatório inadequado, falta de acompanhamento do pós-operatório, falta de cautela com e-mails e mensagens, receitas escritas a mão etc.).

Não podemos ignorar também a recente manifestação do STJ, que em 16/01/2016 firmou o entendimento de que a cirurgia plástica representa obrigação de resultado ao profissional. Tal decisão vai de encontro com a tese até então sustentada em defesa de todos os profissionais da saúde, de que os tratamentos representam uma obrigação de meio e não de resultado.  Desta forma, a previsão é de que a situação não só dos cirurgiões plásticos, mas de todos os profissionais da área da saúde, se agrave a partir da referida decisão.

Considerando tantas mudanças no ambiente profissional dos médicos, é indispensável que este atue de forma a contingenciar o risco de sua atividade profissional, sob pena de incorrer em graves erros, ou até mesmo ser condenado em processos sem o cometimento de qualquer falha profissional, um fato cada vez mais comum nas causas que tratam sobre o direito da saúde.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Renato Assis. Os números da judicialização da medicina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5066, 15 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57497. Acesso em: 2 nov. 2024.

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