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Reserva particular do patrimônio natural e desenvolvimento sustentável.

Preservação da fauna e da flora

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02/10/2004 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Evolução histórica do direito de propriedade - 4. Unidades de Conservação da Natureza – 5. A RPPN como fonte de desenvolvimento sustentável – 6. Conclusões articuladas – Bibliografia.


1. Introdução

Em tempos de barbárie ecológica, muito se discute acerca da superação do paradigma que refuta a conciliação entre o progresso almejado pelo homem e as idéias conservacionistas do meio ambiente. A antiga rivalidade entre o pensamento antropocêntrico e os partidários da chamada "ecologia profunda" (deep ecology), passa a ceder espaço para a estipulação de novas metas, que norteiam-se pela simultaneidade entre satisfação das necessidades prementes da humanidade (como a eliminação da fome e do analfabetismo, por exemplo) e a preservação do meio ambiente para as gerações futuras, em um verdadeiro "antropocentrismo alargado", conforme expressão utilizada por José Rubens Morato Leite [1].

Neste contexto, mostra-se clara a necessidade de uma atitude positiva do homem, no sentido de superar os modelos de conservação até então existentes, baseados na não utilização dos recursos naturais disponíveis, como única forma de evitar o perecimento destes. Chega-se, em um primeiro momento, ao conceito de "Ecodesenvolvimento", objetivando uma melhoria qualitativa do ambiente explorado pelo homem, sem prejuízo da continuidade da atividade econômica desenvolvida. Para melhor situar a exposição que se segue, cumpre trazer à tona entendimento esposado por Ignacy Sachs, no que tange às idéias contidas no conceito de Ecodesenvolvimento:

[...] um processo criativo de transformação do meio, com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado dos recursos, e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades reais de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais. Promover o Ecodesenvolvimento é, no essencial, ajudar as populações envolvidas a ser organizar, a ser educar, para que elas repensem seus problemas, identifiquem suas necessidades e os recursos potenciais para receber e realizar um futuro digno de ser vivido, conforme os postulados de justiça social e prudência ecológica [2].

Mais que assegurar um desenvolvimento econômico condizente com os valores ambientais (Ecodesenvolvimento), as idealizações seguintes passaram a buscar a continuidade dos méritos até então atingidos (ambientais e econômicos), evitando o retrocesso. Chega-se ao conceito de "Desenvolvimento Sustentável".

Sob a ótica enfocada, pode-se dizer que uma grande conquista legislativa em nosso país foi a introdução das Unidades de Conservação, hoje consubstanciadas na Lei n.º 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Conservação da Natureza – SNUC. O novo regramento tem por premissa a regulamentação do disposto pelo art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a definição de espaços territoriais especialmente protegidos, destinados à conservação da diversidade biológica existente em um determinado local.

A questão pautada reside na coexistência entre o ideal preservacionista contido na norma que regulamenta as Unidades de Conservação, in casu na modalidade da Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, e a exploração econômica da propriedade privada pelo titular do domínio.

Não se busca uma nova limitação ao direito de propriedade, mas sim integrar esse direito às necessidades e expectativas dos povos contemporâneos, consoante uma visão crítica e aprimorada do instituto jurídico em questão. O direito de propriedade sofre uma alteração de cunho substancial, migrando do campo do Direito Civil Clássico, em sua visão individualista extremada, para o Direito Constitucional (CF/88, art. 5º, incs. XXII e XXIII), onde a ênfase encontra-se totalmente voltada para a proteção dos direitos fundamentais do homem, fazendo emergir a "função social" como condição sine qua non de existência da propriedade privada. Como corolário da função social, tem-se, ainda, a "função ambiental" da propriedade, imprescindível no desenvolvimento e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF/88, art. 225, caput), indispensável para a sobrevivência da raça humana.

Antes, porém, de adentrarmos no âmago da questão abordada, mister se faz uma prévia delineação histórica do instituto jurídico da propriedade privada, com vistas à melhor compreensão acerca da magnitude dos valores que, por vários anos, fizeram com que tal direito se mantivesse inatingível em seu exercício absoluto, sem ater-se a outros interesses que não os do seu próprio titular. Após esta etapa, ter-se-á, de uma forma mais clara, noção da importância da mudança ideológica operada, primando pelo equilíbrio ecológico, e as vantagens proporcionadas pela inscrição da propriedade como Reserva Particular do Patrimônio Natural.


2. Evolução histórica do direito de propriedade

No início dos tempos o homem era nômade, e usava a terra em um sistema rotativo, fugindo da escassez dos recursos naturais - assim como os índios do Brasil, na época da colonização. No contexto apontado, não há que se falar em propriedade imóvel, não só pela ausência de um ordenamento jurídico que a garanta, mas pela falta de delimitação da área ocupada individualmente. O homem usava coletivamente a terra e só monopolizava seus utencílios de uso pessoal, tais como armas e ferramentas. Esses objetos eram considerados mais do a propriedade em seu estágio atual, e conceitualmente falando, integravam a essência de seu possuidor, vistos como um só ser.

Com o aparecimento da civilização grega, a propriedade foi institucionalizada como familiar (fim do séc. VII a.C. e início do séc. VI a.C.), sendo este o primeiro esboço do direito de propriedade [3] sobre bens imóveis, apesar de muito distante de como o conhecemos.

Também no direito romano arcaico (séc. II a.C.), a terra pertencia à família (ou gens) sendo designada por ager [4]. Nela o detentor do pater familias, possuía o poder de decisão sendo comparado a um "pequeno monarca". Nesta época, em particular, a terra era distribuída pelo governo a cada chefe de família na proporção de meio hectare para cada um, sendo-lhe vedada a alienação a qualquer título. Essa inalienabilidade, segundo Rui Carlos Machado Alvim [5], constitui característica marcante da propriedade, sendo por isso denominada heredium, haja vista que a única forma de transferência era a sucessão hereditária.

O direito de propriedade só era reconhecido pelo Estado romano, se recaísse em terras situadas dentro de seus limites. Assim, surgiu a propriedade romana por excelência, então chamada Quiritária, cujas feições se assemelham muito aos tempos posteriores à Revolução Francesa. O titular do direito de propriedade era o centro das atenções e possuía poder absoluto e ilimitado sobre a terra.

Passou-se, então, a admitir a transferência da propriedade a outrem - desde que cidadão romano - por meio da mancipatio e/ou in iure cessio. O primeiro deles é um tipo de cerimônia solene, realizada por meio de gestos e palavras, na presença de testemunhas. Como ainda não existia moeda, o pagamento era feito em metais considerados preciosos, geralmente o bronze, cujo peso era aferido por uma balança. O segundo tipo de transferência da propriedade, o in iure cessio, que segundo Amilcare Caletti [6], consiste num acabado processo de reivindicação, onde o adquirente requer, perante o magistrado, a coisa que pretende adquirir. O alienante, que quer transferir a propriedade à outra parte, não contesta o direito do autor e, assim, por falta do contraditório, pressuposto necessário para que se cheque a litis contestatio, o processo termina com a adjudicação da coisa reivindicada. Ressalte-se que, excluindo estes dois tipos de aquisição, a terra só podia ser adquirida pelo usucapião, após um período de dois anos após a ocupação.

Algumas injustiças pairavam sob o adquirente da res mancipi, pois, muitas vezes, não a recebia pelo ato formal que a lei exigia, correndo o risco de perdê-la. Cabia, então, ao pretor tutelar os interesses do injustiçado, convalidando a propriedade que adquirira. Tendo em vista a atuação do pretor na garantia da propriedade, esta passou a ser conhecida como Pretoriana ou Bonitária, distinguindo-se da Quiritária.

O domínio romano sob as terras vizinhas expandia-se a largos passoas, tendo em vista o grande número de vitórias obtidas em batalhas. Surge então, por volta do séc. V a.C., um novo problema para Roma: como lidar com a propriedade dos povos conquistados?

Foi então estabelecido um relacionamento entre romanos e peregrinos, baseado nos modos de aquisição do ius gentium [7](tradição e ocupação), o que permitia que os bens dos estrangeiros passassem a ser fruto de um novo tipo de propriedade, a do jus gentium, que podia ser dividida em Provincial e Peregrina.

Mesmo após a invasão romana, alguns povos conquistados mantinham a liberdade, seja por terem sido antigos aliados de Roma, ou pela habilidade política com que foi conduzida as negociações para a rendição. Quando isso acontecia, seus bens ficavam numa situação delicada e precária, pois, apesar de conservarem o seu próprio direito, deviam uma certa subordinação a Roma, que podia reivindicá-los a qualquer momento.

Sobre o assunto, esclarece Jean Philippe Lévy:

Nas cidades que tinham conseguido conservar a sua existência reinava o direito nacional, que era variável de umas cidades para as outras. As inscrições do fim da República referem esta situação por meio de perífrases: os seus bens "são deles" (eorum sunt); "é-lhes permitido tê-los, possuí-los, usá-los, usufruir deles" ou ainda "vendê-los e deixá-los aos seus herdeiros". [8]

A propriedade peregrina foi estabelecida, primeiramente, entre os povos relativamente subordinados ao domínio romano, e posteriormente, estendeu-se aos que viviam sob a égide do Império, garantida pelos pretores peregrinos e governadores. A situação perdurou até o ano de 212 d.C., quando, pela promulgação da Constituição de Caracala, é concedida a cidadania romana a todos os povos dominados, ocasionando assim o desaparecimento da propriedade peregrina.

Quanto aos povos desapossados de seus bens, suas terras passaram a pertencer ao Estado romano [9], que cedia aos particulares mediante o pagamento anual de tributos denominados vectigal. Os então "proprietários", podiam usar a terra de maneira absoluta e ilimitada, mas não podiam vendê-la, pois não lhes pertencia realmente.

Em 292 d.C., Dioclesiano promove a supressão da imunidade fiscal das terras itálicas, acabando com a distinção entre a propriedade provincial e quiritária.

Com Justiniano, no direito romano pós-clássico, foi unificada a idéia da propriedade privada sobre a terra, passando a comportar o ius utendi, ius fruendi, e o ius abutendi como o conteúdo do direito de propriedade, permanecendo o dominus como poder inerente ao dono [10].

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Na última fase do Império, com a crise da pequena propriedade rural e o aumento do número de latifúndios, aliados a decadência do Estado, desencadeia-se um tipo de estruturação econômica e social com características pré-feudais, onde os pequenos proprietários cediam suas terras aos grandes latifundiários, continuando a possuí-las precariamente, em troca de proteção.

Outro marco importante na evolução do direito de propriedade, após a fase romanística, foi a assinatura da Magna Carta inglesa no ano de 1215 pelo rei João Sem Terra. Por meio deste documento, os barões impuseram limites ao poder real sobre suas terras, assegurando o direito absoluto e inviolável à propriedade. Orientação esta que foi seguida pelos documentos seguintes, tendo em vista a grande repercussão obtida pelas idéias da Carta.

Com o feudalismo, a propriedade perdeu o caráter unitário que tinha adquirido à época de Justiniano, e o domínio é fragmentado entre aqueles que utilizavam a terra, numa relação de vassalagem.

O primeiro senhor é geralmente o rei, que cede o domínio útil a outrem, em troca de apoio político, alimentos, armas e homens para a sua proteção, entre outras coisas. Este vassalo, por sua vez, mantém a mesma relação com outras pessoas, adquirindo agora a condição de senhor feudal. Dentro do feudo seus poderes eram quase que ilimitados, podendo, inclusive, exercer a lei e cobrar impostos.

O vassalo deveria ceder parte de sua produção ao senhor feudal, além de trabalhar determinados dias por semana em suas terras particulares. Pagava também uma pensão denominada cânon ou foro. Em troca, vivia sob a proteção política deste.

Nesse sentido, leciona Caio Mario da Silva Pereira:

Uma escala de valores jurídicos e de valores políticos estende-se do soberano ao súdito. O cultivador da terra não é o seu dono. Trabalha-a sem Ter-lhe o domínio. Paga um contribuição pelo uso e pelo seu rédio. Quando morre o ocupante, a terra é devolvida ao senhor e cessa a vassalagem. A morte não transmite a terra a o herdeiro. O suserano a recebe de volta e, para que os herdeiros do defunto a readquiram têm de pagar um tributo. [11]

O poder real estava em baixa e apesar do acúmulo de terras e conseqüentemente de poder político nas mãos de poucos, uma nova classe social sobressaía-se às demais, eis que detentora de grande capital econômico: a burguesia. A estranha situação acarretou uma grande insatisfação popular, principalmente na França, culminando com a queda da Bastilha e a Revolução Francesa.

Com a promulgação do Código Napoleônico em 1804, os ideais individualistas da revolução vitoriosa foram se espalhando por todo o mundo. A propriedade era tão somente limitada à lei.

O excesso de individualismo acarretou uma nova concentração de renda, o que foge aos princípios da revolução – situação que, após uma série de transformações sociais culminou com a idéia de "função social" [12] da propriedade, originando, mais tarde, a sua "função ambiental".

O direito de propriedade, tal como o conhecemos hoje, nada mais é do que a conjunção dos interesses públicos e particulares, de forma a atribuir ao seu titular não só um direito, mas a imposição do cumprimento de certas obrigações para com a coletividade, presente e futura (direitos difusos), dentre as quais se enquadra a preservação ou recomposição do meio ambiente ecologicamente equilibrado.


3. Unidades de Conservação da Natureza

A atual previsão constitucional (CF, art. 225, § 1º, inc. III), apesar não constituir-se em fato novo no ordenamento jurídico pátrio, haja vista as previsões legislativas anteriores, feitas pelas Leis n.º 4.711/65 [13] (Código Florestal) e n.º 6.938/81 [14] (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), tornou-se mola propulsora na instituição de unidades de conservação, dado o status de constitucionalidade da obrigação atribuída ao Poder Público.

Para dar efetividade à diretiva imposta pela Constituição, regulamentando a imposição trazida em seu bojo, foi promulgada em 18 de julho de 2000, a Lei n.º 9.985, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, trazendo, além de conceitos importantes quanto à diversas expressões, corriqueiramente utilizadas em textos legais almejando a preservação do meio ambiente, a delimitação das unidades de conservação conhecidas sem, contudo, proibir a instituição de outras que não se enquadrem nos moldes previstos pela lei.

O conceito de Unidade de Conservação é dado pela própria norma (art. 2º, inc. I), prevendo-a como:

[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, como objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;

Levando em consideração a possibilidade de aproveitamento humano dos recursos naturais existentes em uma unidade de conservação, estas podem ser divididas em dois grandes grupos, a saber: a) Unidades de Proteção Integral e; b) Unidades de Uso Sustentável.

No primeiro grupo, conforme o esclarecimento feito pelo art. 7º, § 1º, da Lei do SNUC, admite-se apenas o uso indireto dos recursos naturais insertos na unidade de conservação, com exceção feita aos casos previstos em lei. Como espécies desta modalidade de unidade de conservação, tem-se as seguintes categorias: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural e; Refúgio de Vida Silvestre.

Já as Unidades de Uso Sustentável, possuem como objetivo básico a compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais (art. 7º, § 2º) – razão de seu maior interesse para o presente estudo. Compreendidas nesta modalidade, encontram-se as seguintes unidades: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e; Reserva Particular do Patrimônio Natural.

O último dos modelos de unidade de conservação mencionados anteriormente (Uso Sustentável) é o que mais se aproxima da superação do paradigma existente entre o antropocentrismo e a ideologia da deep ecology, dado o seu potencial para a solução de problemas econômicos e ambientais.

Não se pretende negar, contudo, a importância da preservação in totum de certos ambientes, seja pelo risco de extinção de alguma das espécies (animais e vegetais) ali encontradas, pelo interesse científico envolvido (desenvolvimento de pesquisas), ou outros fatores que justifiquem o total afastamento da prática de atividades econômicas, mas, tão somente, demonstrar uma perspectiva favorável da propriedade que abriga unidade de conservação de uso sustentável, mais especificamente a inscrita como RPPN.


4. A RPPN como fonte de desenvolvimento sustentável

Espécie do gênero Unidades de Conservação, a Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, apresenta singular importância na preservação dos direitos difusos, nos quais se compreende o direito das gerações futuras ao ambiente sadio. Não se busca, como talvez possa parecer em um exame superficial, a elevação da RPPN como mecanismo irretocável de preservação ambiental, mas quiçá considerar os seus aspectos positivos, confrontando-os com as desvantagens apresentadas pela formulação da proposta legal, na tentativa, ainda que expressivamente diminuta, de compreensão dos propósitos almejados pelo legislador ordinário, elencando-se a adoção de possíveis atitudes para melhor compatibilizar a garantia dos direitos de terceira geração (ou "quarta" como sugere o professor Canotilho [15]) com as necessidades mais próximas do cotidiano do homem.

Conforme mencionado alhures as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN´s, estão situadas como subdivisão das unidades de conservação denominadas de Uso Sustentável, o que permite a utilização econômica direta de parte dos recursos naturais protegidos, sem que isso acarrete a degradação do meio ambiente. Em verdade, o que diferencia a RPPN de outras unidades de conservação passíveis manejo é que, naquela, o reconhecimento do especial interesse ecológico, que justifica a sua proteção por parte do Poder Público, é feito por iniciativa do proprietário da terra. Vê-se, pois, que o meio de preservação que ora se discute seria de impossível implementação se não fossem as investidas da educação ambiental, na conscientização do proprietário sobre a necessidade de seu engajamento na luta pelo meio ambiente.

Por oportuno, cumpre transcrever a conceituação de RPPN formulada pelo art. 21, caput, da Lei n.º 9.985/2000: "A Reserva Particular do Patrimônio Natural é uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica".

Tendo em vista a amplitude da lei, também os Estados membros passaram a ter legitimidade para a implantação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, através da edição de lei estadual nesse sentido. Estas leis, por vezes, acabam por elastecer as vantagens oferecidas ao dono da terra, levando-o a optar, na maioria das vezes, pela dade aambna luta pelos de conservaça no sentido da interaç instituição de RPPN adstrita aos termos da norma estadual. No âmbito estadual, o Paraná é um dos pioneiros na instituição de RPPN, regulando a matéria através do Decreto n.º 4.262/94.

Logo, verifica-se que a RPPN é um tertium genus entre a exploração desmensurada do ambiente e a intocabilidade absoluta do mesmo. Um mecanismo de preservação controlada que não priva o homem do desfrute (econômico e pessoal) da natureza. Anote-se, aliás, e sem desmerecer as atitudes preservacionistas puras, a importância da integração do homem com os recursos naturais existentes como forma de promover a sadia qualidade de vida – a natureza vive sem o homem mas o inverso não é verdadeiro.

Em termos práticos, a unidade de conservação em destaque nada mais é do que a individualização de uma área particular (total ou parcialmente), a requerimento do próprio proprietário e mediante reconhecimento do Poder Público, que em virtude da importância de sua biodiversidade, aspecto paisagístico, ou das peculiares características ambientais, passa a ser especialmente protegida [16]. O proprietário não perde o domínio sobre a terra, apenas restringe-o em favor do ambiente ecologicamente equilibrado.

Com a preservação dos recursos naturais existentes na área inscrita em RPPN, tanto a fauna quanto a flora encontram condições para se desenvolverem, aumentando o número de espécimes, distanciando-se, assim, do fantasma da extinção.

Além dos benefícios proporcionados à natureza, o proprietário da área preservada, de uma forma geral, torna-se detentor de inúmeras prerrogativas, as quais podem ser assim resumidamente exemplificadas: a) isenção de pagamento do Imposto Territorial Rural – ITR sobre a área afetada pela preservação; b) prioridade na consecução de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA e na concessão de crédito agrícola para custeio da área remanescente; c) exploração econômica da reserva, mediante a implantação de projetos de turismo ecológico (ecoturismo), recreação e educação ambiental; d) proteção contra queimadas, desmatamentos e caça, além de outros cuidados despendidos por órgãos de proteção ambiental.

Também o município no qual está situada a RPPN receberá benefícios, representados pelo repasse do "ICMS Ecológico", que no Paraná foi instituído através da Lei Estadual n.º 12.040/95. Trata-se de uma verba de natureza tributária, cujo fato gerador é a localização de uma RPPN dentro de seus limites territoriais.

Muito se tem discutido hoje em dia, sobre a destinação ao proprietário, de parte da verba arrecadada pelo município, como forma de custear ou ao menos diminuir as despesas com a preservação da área, e compensar a falta exploração econômica da mesma com técnicas e culturas que, certamente, implicariam na supressão das características ambientais que se busca preservar com a instituição da RPPN. O assunto tem mobilizado vários proprietários que possuem áreas inscritas em RPPN, na formação de associações e promoção campanhas publicitárias, buscando a modificação da lei.

A problemática para a destinação do dinheiro arrecadado (ou ao menos parte dele) aos proprietários, reside na natureza jurídica da verba, qualificada como "imposto", fato que, conforme estipula o art. 16, do Código Tributário Nacional, exime o município de empregar a verba recebida no atendimento de finalidades específicas. Contudo, deve-se promover a adequação do Direito às necessidades da vida humana e não a operação inversa, sob pena de ver-se desvirtuado o princípio basilar das normas jurídicas enquanto reguladoras das relações sociais. Não pode o ordenamento prender-se ao seguimento incondicional de formalismos jurídicos, devendo criar, quando preciso, novos mecanismos, capazes de atender os interesses tutelados de forma mais eficiente.

Outro ponto de vista interessante sobre as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, é a sua utilização como fonte de "compensação ecológica", tal como previsto pelo art. 36 e seu § 1º, da Lei do SNUC. Nesse sentido, ilustra Fernando Reverendo Vidal Akaoui, em artigo publicado na Revista de Direito Ambiental [17] n.º 18, no qual defende a instituição de RPPN em cumprimento ao art. 225, § 3º, da CF/88, como forma alternativa de reparação de danos, em perfeita consonância com o princípio do "poluidor-pagador".

Acerca da preferência da compensação ecológica sobre a indenização em dinheiro, escreve o citado autor:

Excluindo-se a compensação como forma eficiente de reparação de danos, e impossibilitada a recuperação natural, restaria a indenização em dinheiro, que em geral é precedida de uma batalha para verificação do quantum, uma vez que os valores ambientais não são de fácil cálculo, devendo ser aplicadas metodologias próprias para tanto. Mesmo assim, certamente o instituto da compensação é muito mais vantajoso, pois ao invés de arcar o poluidor co o pagamento de indenização em dinheiro, a ser depositada no Fundo para Reparação dos Interesses Difusos Lesados, de que trata o art. 13 da lei Federal 7.347, de 24.07.1985, o mesmo se comprometeria, diretamente, a prestar fato benéfico ao contexto preservacionista [18].

Assim, após analisar os aspectos ambientais positivos da RPPN, atribuindo, inclusive, certas obrigações ao particular dono da área preservada (vide art. 8º, do Decreto n.º 1.922/96), conclui Vidal Akaoui: "Não temos dúvida, portanto, de que a instituição de Reserva Particular do Patrimônio Natural como forma de compensação por danos parcial ou totalmente irreversíveis causados ao meio ambiente é forma eficaz de reparação do meio ambiente [19]".

Resta inegável, desta forma, a duplicidade de benefícios advindos pela criação de uma RPPN, tanto na preservação do meio ambiente quanto na geração de fontes alternativas de renda para o proprietário e outros benefícios indiretos.

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Sobre o autor
Silvio Alexandre Fazolli

Advogado, pós-graduando em Direito Ambiental pela PUC de Londrina/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAZOLLI, Silvio Alexandre. Reserva particular do patrimônio natural e desenvolvimento sustentável.: Preservação da fauna e da flora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 452, 2 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5752. Acesso em: 22 nov. 2024.

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