A paternidade socioafetiva e o vínculo do afeto na família

Afetividade na família contemporânea

10/05/2017 às 11:34
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A cada dia que passa, o Direito brasileiro abraça, mais e mais, a ideia de que o vínculo biológico não pode (e não deve) substituir o vínculo afetivo. E essa realidade está refletida nas diversas formas de família como veremos a seguir.

A família pode ser considerada um reflexo da sociedade na qual está inserida, tomando como exemplo dessa nova e atual realidade, a união estável, os casos de multiparentalidade, monoparentalidade, homoafetividade, e a filiação advinda pelas técnicas de inseminação artificial (seja fertilização in vitro seguida de transferência de embriões, transferência intratubária de gametas, transferência intratubária de zigotos ou gestação por mãe substituta), formando assim, dentre as citadas, diversos tipos de relações que integramo núcleo familiar.

No decorrer dos anos, a afetividade ganhou um espaço maior na sociedade, eis que, na Antiguidade, não era possível se falar em afeto como elo integrante e principal da família, tendo em vista que o laço religioso e o patrimonial eram preponderantes. Sobretudo no Direito Romano, em que se concentrava todo o poder na figura do pater familias, de modo que esse era o chefe absoluto sobre o lar, reivindicando sua autoridade e hierarquia por meio do conceito religioso de que o pai era o senhor, com poderes absolutos sobre sua mulher e possuía direitos de vida e morte sobre seus filhos.

[...] o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. [...] Os membros antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. [...] Por isso era sempre necessário que um descendente homem que continuasse o culto familiar. Daí a importância da adoção no velho direito, como forma de perpetuar o culto, na impossibilidade de assim fazer o filho de sangue (VENOSA, 2013, p. 20).

Entretanto, com o avanço da sociedade, uma nova mentalidade surgiu e a importância religiosa decaiu, tendo em vista as fortes opressões ocorridas durante todo o período anterior ao século XVIII. Com a chegada da Revolução Francesa, em meados do século XVIII, a população passou a visualizar o meio ao seu redor de uma forma diferente, as mulheres ganharam mais liberdade, o trabalho deixou de ser exclusivamente rural e as pessoas começaram a dirigir-se às cidades, conforme diz o ilustríssimo Eduardo de Oliveira Leite, em seu Tratado de Direito de Família(1991, p. 277):

No final do século XVIII e, principalmente, após a Revolução Francesa, a juventude começou a dar mais atenção aos seus próprios sentimentos e não às considerações exteriores. A propriedade, o desejo dos pais e as injunções de ordem social foram negligenciadas na escolha do cônjuge.
Surgia um novo mundo marcado por uma nova mentalidade.

Com a promulgação do Código Civil de 1916 no Brasil, pode-se observar a tradição da indissolubilidade do matrimônio, o regime de comunhão universal e a legítima. Entretanto a figura do homem no âmbito familiar ainda era muito forte, tendo em vista que a mulher era considerada por vezes, relativamente incapaz (art. 6°, Código Civil de 1916) e, ainda, havia o conceito de família legítima e ilegítima, em seu art. 226, ou seja, qualquer filho que fosse gerado em casamento diferente ao formal não poderia ser reconhecido, demonstrando assim que o amor ainda não era a base das relações matrimoniais ou familiares.

Assim, digne a expor a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, o Código Civil revogado: “Art. 6. São incapazes, relativamentea certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer: [...] II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal” (grifos do aluno).

E ainda anuncia o legislador anterior: “Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (arts. 352 a 354)” (Grifos do aluno).

Com a promulgação da Lei n° 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), o Código Civil passou por algumas mudanças, principalmente no que se refere aos filhos, dentre as quais destaca-se a permissão da mãe em manter os direitos do poder familiar em relação aos seus filhos, caso contraísse novas núpcias (art. 393), sendo que o art. 380 do referido Estatuto permitia agora que ambos os genitores exercessem o pátrio poder, que antes era permitido tão somente ao homem.Mas a principal alteração que ocorreu com o Estatuto da Mulher Casada (Lei n° 4.121/62) foi a revogação do dispositivo que indicava a mulher como sendo civilmente incapaz para os atos civis, sendo assim um grande marco para a evolução da mulher na sociedade.

Mais tarde, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, veio com seu art. 226 para mudar paradigmas quanto ao conceito de família, prevendo não só que a família é a base da sociedade e que o Estado deve fornecer proteção especial à mesma,como também estabeleceu o caráter gratuito do casamento civil (§1°), o efeito civil do casamento religioso (§2°), a possibilidade de reconhecimento de união estável entre homem e mulher, facilitando a conversão em casamento (§3°), além de considerartambém como entidade familiar o núcleo formado por qualquer um dos pais e seus descendentes (§ 4°), a definindo-a como família monoparental.

Trouxe, ainda, a Carta Constitucional que os direitos poderão ser exercidos por ambos os cônjuges na sociedade conjugal, trazendo a isonomia conjugal, seja no fato da mulher ganhar independência financeira ou em se desprender do poder marital que antes estava ligada (§5°). E, por fim, a possibilidade da dissolvição do casamento civil mediante divórcio direto.

Ademais, baseando-se no princípio da dignidade humana e da paternidade responsável, o casal poderá livremente realizar o planejamento familiar, seja preparando-se para achegada dos filhos, como adiar qualquer gravidez indesejada.

Com o advento da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o novo Código Civil, houve muitas mudanças nas regras sobre o casamento para se afinar com os fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, sendo queagora é possível ao homem e a mulher acrescer sobrenome do outro ao seu, havendo igualdade quanto às condições dos consortes no matrimônio (art. 1.565 do Código Civil), seja na direção da sociedade conjugal,priorizando o interesse do casal e dos filhos (art.1.567) ou na concorrência financeira no matrimônio, sempre observando a proporção de seus rendimentos patrimoniais (art. 1.568). e sobre o reconhecimento de filhos pode-se, ainda, enfatizar a alteração a respeito dos filhos, no que se refere ao reconhecimento e a dissolução do pátrio poder, agora chamado de poder familiar, sendo exercido igualmente pelo pai e pela mãe, e não unilateralmente pelo chefe de família, como visto até então (art. 227 da Constituição Federal e art. 1.596 do Código Civil).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 2002).

Cabe ainda ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe novos ideiais ao Direito de Família, passando a reconhecer a união estável como entidade familiar (art. 226, §7º), iniciando o primeiro, de muitos outros passos, que seriam dados rumo ao reconhecimento do afeto como uma das principais bases do Direito de Família e da boa convivência.

E nesse diploma que se encontram princípios expressos acerca do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1 º, III). Nesse campo, situam-se os institutos do direito de família, o mais humano dos direitos, como a proteção à pessoa dos filhos, direitos e deveres entre cônjuges, igualdade de tratamento entre estes etc. Foi essa Carta Magna que também alçou a princípio constitucional da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art. 226, § Sº) e igualdade jurídica absoluta dos filhos, não importando sua origem ou a modalidade de vínculo (art. 227, § 6º). (VENOSA, 2013, p.23).

Maria Helena Diniz ressalta(2008, p. 27):

Com base nesse princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite-se o reconhecimento de filhos extramatrimoniais e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade.

As numerosas alterações legais foram necessárias para que a sociedade avançasse rumo a um ordenamento atual, de modo que o vínculo do afeto e o amor fossem reconhecidos no conjunto familiar e nas relações pessoais. Anteriormente, sequer era possível citar a afetividade como norteadora nas relações familiares, hoje em dia, doutrinadores tem discorrido se o sentimento deve realmente fazer parte do direito, deixando de ser meramente subjetivo, para tomar um conceito mais objetivo e formal.

Enfatiza ainda Giselda Hironaka (2006, p. 436):

O afeto, reafirme-se, está na base de constituição da relação familiar, seja ela uma relação de conjugalidade, seja de parentalidade. O afeto está também, certamente, na origem e na causa dos descaminhos desses relacionamentos. Bem por isso, o afeto deve permanecer presente, no trato dos conflitos, dos desenlaces, dos desamores, justamente porque ele perpassa e transpassa a serenidade e o conflito, os laços e os desenlaces; perpassa e transpassa, também, o amor e os desamores. Porque o afeto tem um quê de respeito ancestral, tem um quê de pacificador temporal, tem um quê de dignidade essencial. Este é o afeto de que se fala. O afetoternura; o afeto-dignidade. Positivo ou negativo. O imorredouro do afeto.

Assim, digne a dizer a juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga (2008, p. 28):

O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade.

A sociedade ainda se recupera da grande cicatriz deixada pelos dispositivos já revogados, principalmente no que se refere a aceitação da afetividade como fonte primária da relação familiar. Foram necessárias várias mudanças para que o filho que não possuísse qualquer vínculo biológico pudesse ser registrado e considerado como se legítimo fosse, seja ele de outro matrimônio ou advindo de adoção.

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Apesar do avanço legal no decorrer dos anos, ainda não há qualquer previsão legal que dê o devido valor ao afeto, sendo até então meramente subjetivo, ou seja, não se encontra atualmente paupável no ramo do direito. Mas apesar da omissão legal à cerca do afeto, tal vínculo não pode ser negado ou ter seu valor diminuído, tendo em vista que é objeto principal dos laços familiares, sendo extremamente necessário para a construção de qualquer lar saudável e bem desenvolvido.

2.1 O valor jurídico do afeto na nova ordem jurídica do Direito de Família

Como antedito, a família tem papel essencial para a formação do indivíduo na sociedade, sendo assim, necessita de um cuidado especial e uma abordagem delicada quanto à sua base, principalmente no que tange à afetividade.Mediante vínculos afetivos, os indivíduos relacionam-se na sociedade e partilham de diversos fatores importantes para o desenvolvimento psicológico e moral do meio que o cerca. Os sentimentos de amor, carinho, zelo, sentimentos são decorrentes do afeto, sendo fenômenos primordiais para a formação da família e desenvolvimento do caráter subjetivo do indivíduo.

O reconhecimento jurídico da afetividade como princípio fundamental no âmbito familiar tem crescido, ainda que a passos tímidos, apesar de não haver qualquer regulamentação legal acerca do assunto, vários doutrinadores, assim como a jurisprudência dos tribunais brasileiros, têm entendido que um dos sentimentos necessários à boa convivência e à comunhão de vidas é o afeto e o amor. O advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Código Civil de 2002 tem aberto novos precedentes e diferentes interpretações, de modo que o art. 1.593 tem sido cada vez mais explorado, tendo em vista que a expressão outras origens, contido no texto abre espaço para novas discussões.

Assim, se digne a expor o texto da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002: “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”.

Ademais, nessa expressão "outra origem" também pode ser identificada a posse de estado de filho, estudada a seguir e que de certa forma complementa a noção de paternidade socioafetiva. Toda essa elasticidade de interpretação é doutrinária e jurisprudencial. Melhor seria que o legislador tivesse acolhido expressamente esses novos aspectos (VENOSA, 2013, p.237).

E a jurisprudência destaca que:

MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido (TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012).

O afeto, no âmbito jurídico, pode ser considerado como aquilo que une as pessoas umas às outras, em decorrência do sentimento que as rodeia, bem como, cabe enfatizar que tal sentimento decorre do princípio da solidariedade familiar, sendo aquilo que emerge da demonstração de carinho e cuidado pelo outro.

A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas e solidárias, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A chamada verdade biológica nem sempre é adequada, pois a certeza absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, especialmente quando esta já tiver sido constituída na convivência duradoura com pais socioafetivos (posse de estado) ou quando derivar da adoção(LÔBO, )

Para a filosofia, o termo afeto, ou simplesmente affectus, é a fonte motriz da sociedade, sendo que não há qualquer oposição entre o afeto e a razão, considerando os dois institutos como potências da natureza, de modo que é definido como a condição ou transição de um corpo em relação a outro, podendo ainda influenciar diretamente em todo o mundo dos sentimentos e emoções.

No campo da psicologia, se houver a ausência de afeto nas relações interpessoais poderão ocorrer graves transtornos psicológicos, como a depressão que é considerada o mal do século, diversos tipos de fobias e várias outras crises, tratando-se de importante ingrediente para influenciar no desenvolvimento mental e cognitivo de qualquer pessoa, seja para o crescimento ou para a destruição.

Sendo assim, seja no campo jurídico quanto no âmbito psicológico ou filosofico, grande é a influência do afeto na sociedade e nos indivíduos que dela fazem parte, sendo imprescindível sua presença em qualquer tipo de relação.

2.2 A nova estrutura da família a partir da afetividade

A própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconhece a família como sendo a base da sociedade, bem como, a necessidade do Estado em protegê-la. As relações familiares são as principais formadoras de caráter no indivíduo, tendo em vista que de um bom ambiente familiar, surgirá o respeito, uma boa convivência, a segurança e vários outros sentimentos construídos em decorrência do amor e do afeto.

Assim, digne a expor a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, houve a criação de novas entidades familiares, como àquelas que não se originam no casamento, quais sejam: a união estável (art. 226, §3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), em que não há exigência de formalidades e solenidades para a sua constituição, sendo caracterizada pela informalidade; a família monoparental (art. 226, §4º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988) e a família adotiva, esta constituída por sentença judicial transitada em julgado. Porém, todas devem possuir os mesmos vínculos, direitos e deveres como em qualquer outra entidade familiar legalmente constituída. Essa transformação significa resolver a questão patriarcal, tirando o foco principalmente da questão biológica e visando o afeto como laço necessário à formação do núcleo familiar e evolução da sociedade.

Várias decisões têm sido tomadas com base no princípio da afetividade, tendo em vista a necessidade da criança e do adolescente, bem como, sempre visar o melhor interesse do menor e do adotante.

EMENTA: APELACAO. ADOCAO. ESTANDO A CRIANCA NO CONVIVIO DO CASAL ADOTANTE HA MAIS DE 9 ANOS, JA TENDO COM ELES DESENVOLVIDO VINCULOS AFETIVOS E SOCIAIS, E INCONCEBIVEL RETIRA-LA DA GUARDA DAQUELES QUE RECONHECE COMO PAIS, MORMENTE QUANDO OS PAIS BIOLOGICOS DEMONSTRARAM POR ELA TOTAL DESINTERESSE. EVIDENCIADO QUE O VINCULO AFETIVO DA CRIANCA, A ESTA ALTURA DA VIDA, ENCONTRA-SE BEM DEFINIDO NA PESSOA DOS APELADOS, DEVE-SE PRESTIGIAR A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE A PATERNIDADE BIOLOGICA, SEMPRE QUE, NO CONFLITO ENTRE AMBAS, ASSIM APONTAR O SUPERIOR INTERESSE NA CRIANCA. DESPROVERAM O APELO. UNANIME. (Apelação Cível Nº. 70003110574, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 14/11/2001).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. MENOR QUE ESTÁ SOB A GUARDA FÁTICA DOS AUTORES DESDE O NASCIMENTO. ARREPENDIMENTO MATERNO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VINCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR INTERESSE E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA.

Não merece reparo a decisão que destituiu o poder familiar, e concedeu a adoção do menor, que convive com os autores desde tenra idade. Em que pese o arrependimento materno, o infante, atualmente com 5 anos de idade, está adaptado à família adotante, reconhece-os como pai e mãe, já consolidado o vínculo afetivo. Manutenção deste arranjo familiar, considerando o melhor interesse da criança. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70062283361, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/11/2014).

Há diversas discussões sobre o tema, tendo em vista que há juristas que discorrem sobre a não consideração do afeto como valor jurídico e outros que defendem que o mesmo deve ser classificado como princípio jurídico, de modo que seja assimilado pelo direito. Não se pode negar que em qualquer relação familiar saudável, o afeto estará presente, seja na ordem objetiva, em que há a presença de todos os fatos sociais que indiquem a existência do afeto ou na condição subjetiva, fazendo alusão aos sentimentos que permeiam tal vínculo.

A principal intenção em reconhecer o afeto na relação da família é buscar o melhor interesse da criança, baseando-se no princípio da dignidade humana, tendo em vista que além dos cuidados patrimoniais, não há o que se falar no desenvolvimento pessoal sem que haja a presença do vínculo afetivo como interesse básico do menor. É necessário entender que o vínculo biológico deve ser considerado como fator importante, entretanto, não pode ser o único ponto de partida para o reconhecimento, tendo em vista que o simples fato de carregar traços sanguíneos não é garantia de que o menor venha a crescer com os cuidados necessários.

    1. Os fundamentos constitucionais do direito de família baseados nos princípios

Antes de adentrar no mérito dos princípios constitucionais do direito de família, faz-se necessário esclarecer que as normas jurídicas são divididas em duas categorias, como sendo princípios e regras.

Diz o ilustre Miguel Reale (REALE, 2013) que os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. Admite-se então o entendimento de que os princípios são os valores, fundamentos que as normas jurídicas devem seguir, indicando um valor hipotético genérico, amplo.

As regras necessitam estar de acordo com os princípios, mas tratam-se de imposições, com valor hipotético fechado, ou seja, não admitem ponderação, sendo o chamado “tudo ou nada” no âmbito jurídico. Entretanto, é necessário que ambos estejam em consonância quando se deparar com determinado caso concreto, sendo que é impossível aplicar determinada regra sem haja a observância de algum princípio.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...] III - a dignidade da pessoa humana; [...] (BRASIL, 1988). (Grifo do aluno).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 1988). (Grifos do aluno).

Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se repleta de princípios que são aplicados no direito de família, verificando-se a presença do princípio da dignidade da pessoa humana, em que não é permitido qualquer tipo de violação ao indivíduo, por se tratar de parte essencial á sociedade, tendo como base o pressuposto de que todos devem ser tratados igualmente, na medida de suas igualdades, e desigualmente na medida de suas desigualdades, como determina o princípio da igualdade.

Há também a presença de princípios específicos relativos ao Direito de Família dentro da Constituição Federal de 1988, que determinam-se a tratar de assuntos peculiares referentes aos princípios gerais.

O princípio da paternidade (parentalidade) responsável trata sobre o planejamento familiar responsável que poderá ser exercido por ambos os genitores. Cabe ressaltar que o referido princípio encontra-se previsto no art. 226, § 7° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, garantindo direitos iguais aos pais para fornecer aos filhos o direito à convivência familiar digna, de modo que o menor esteja livre de qualquer discriminação relativa ao estado de filiação em que se encontra.

De forma explícita, o princípio da paternidade responsável foi incluído no art. 27, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), ao dispor que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. (PIRES, 2013).

Quanto ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, elencado no art. 227, caput e seus parágrafos, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz com que o filho não seja mais considerado mero objeto na relação familiar, mas passe a ser tratado como sujeito de direitos, de modo que. por se tratarem de indivíduos em fase de desenvolvimento psíquico e físico, necessitam de tratamento diferenciado que possa fazer com que tenham proteção integral em seu crescimento.

Há também a presença de um princípio implícito, o chamado princípio da afetividade, que possui como elemento principal o affectio, presente nas relações familiares,que estabelece principalmente a constância e a necessidade da comunhão dos pais em relação aos filhos, para que os mesmos tenham um crescimento estável, baseado na sociafetividade.

Por fim, no que se refere ao princípio da convivência familiar, contemplado no art. 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 de 1988, estalecendo a convivência duradoura entre os integrantes da família, reconhecendo, ainda, o direito dos avós em manter contato com os netos e supõe juntamente o espaço físico, seja a casa, o lar e a moradia.

2.3 Família socioafetiva e ascendência biológica

A família socioafetiva nada mais é do que uma nova forma de família no ordenamento jurídico, diferenciando-se do conceito biológico, tendo em vista que, nesse caso, os pais são os genitores, sendo aqueles que forneceram os gametas para que então ocorresse o desenvolvimento do feto, seja in vitro ou in utero.

Importa salientar que, conforme ensina Maria Berenice Dias(2009)

Para a biologia, pai sempre foi unicamente quem, por meio de uma relação sexual, fecunda uma mulher que, levando a gestação a termo, dá à luz um filho. O Direito, ao gerar presunções de paternidade e maternidade, afasta-se do fato natural da procriação para referendar o que hoje se poderia chamar de “posse de estado de filho”ou “filiação socioafetiva.

A novidade trazida pelo Código Civil de 2002 foi o art. 1.593, ao distinguir duas formas de parentesco, como sendo: o parentesco natural, com a consanguinidade, e o civil, decorrente de outras origens. Esse termo abre uma nova interpretação para o que chamamos de paternidade socioafetiva ou desbiologizada, tendo em vista que apesar de não existirem quaisquer laços sanguíneos, há forte presença do afeto como formador de vínculo.

Por vezes, ocorrem casos em que enteados (as) buscam ter seu nome civil acrescido por padrastos, devido ao convívio e diversos fatores, sendo assim, tal mudança foi motivo de debate na I Jornada de Direito Civil, realizada em dezembro de 2004, pelo Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, destaca-se os enunciados a seguir (BRASIL, 2004):

Enunciado 103. Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.

Enunciado 104. Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento.

Enunciado 108. Art. 1.603: no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a sócio-afetiva.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente sobre a paternidade socioafetiva, no julgamento de Repercussão Geral n. 622, Recurso Extraordinário n. 898060, cujo relator, o ministro Luiz Fux, negou provimento ao mesmo, sob o argumento de que é possível o reconhecimento de dupla paternidade, ou seja, a possibilidade de existir tanto a paternidade biológica quanto a afetiva na vida do filho, de modo que ambas produzirão seu efeito jurídico concomitantemente, gerando assim a chamada multiparentalidade (ORTEGA, 2016).

De acordo com o jurista Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), amicus curiae na referida ação, que sustentou a necessidade de equiparar em igual grau de hierarquia os vínculos socioafetivos e biológicos, de modo que a nova tese da multiparentalidade possa ser aceita no presente caso, impedindo que o pai biológico se exima das obrigações ante ao filho (ORTEGA, 2016).

A existência de ambos os vínculos, sejam biológicos ou afetivos tornam-se totalmente viáveis, quando respeitados os direitos dos envolvimentos, fazendo com que os vínculos que se originaram no mundo dos fatos tornem-se reconhecidos no campo jurídico. Com tal decisão, não se pode mais afastar a responsabilidade de ambos os pais em fornecer os devidos cuidados aos filhos, seja afetiva ou financeiramente.

Conclui-se, pois, que o direito de família não pode se figurar somente em modelos já padronizados, devendo ser analisado caso a caso e, principalmente, utilizar-se como base no princípio do melhor interesse.

[1] LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família: Origem e Evolução doCasamento.
Curitiba: Juruá, 1991. p. 277.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5, 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[3] - HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre Peixes e Afetos – Um Devaneio Acerca da Ética no Direito. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thompson, 2006. p. 436.

[4] -  GROENINGA, Giselle Câmara. Direito Civil. Volume 7. Direito de Família. Orientação: Giselda M. F Novaes Hironaka. Coordenação: Aguida Arruda Barbosa e Cláudia Stein Vieira. São Paulo: RT, 2008, p. 28.

[5] Instituições de Direito Civil p.46

Direito civil: direito de família / Sílvio de Salvo Venosa. - 13. ed. - São Paulo : Atlas, 2013. - (Coleção direito civil; v. 6)

https://jus.com.br/artigos/25364/principio-da-solidariedade-familiar

http://www3.promovebh.com.br/revistapensar/art/a19.pdf -

Coelho, Fábio Ulhoa,Curso de direito civil, família, sucessões, volume 5 / Fábio Ulhoa Coelho. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. Bibliografia 1. Direito civil 2. Direito civil - Brasil I. Título. CDU-347

Nader, Paulo, Curso de direito civil, v. 5: direito de família / Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

Gagliano, Pablo Stolze, Novo curso de direito civil, volume 6 : direito de
família : as famílias em perspectiva constitucional
/ Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 4. ed. rev. E atual. – São Paulo : Saraiva, 2014.1. Direito civil - Brasil 2. Direito de família - Brasil I. Pamplona Filho, Rodolfo. II. Título.

DIAS, Maria Berenice. Quem é o pai? Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_quem_%E9_o_pai.pdf Acesso em: 18 de novembro de 2016

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p 37

https://jus.com.br/artigos/24305/principio-da-paternidade-responsavel

https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/386830832/paternidade-socioafetiva-nao-exime-de-responsabilidade-o-pai-biologico-decide-stf

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