Mandado de injunção: panorama jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal

16/05/2017 às 15:31
Leia nesta página:

A atual Constituição Federal estabelece que se concederá o mandado de injunção sempre que a norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

1. Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[1] estabelece que se concederá o mandado de injunção sempre que a norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “o mandado de injunção tem a natureza de uma ação civil, de caráter essencialmente mandamental e procedimento específico, destinado a combater a síndrome da inefetividade das constituições”.[2]

Como é possível observar, esse remédio constitucional presta-se a sanar omissões legislativas, isso porque, diversas normas constitucionais detêm eficácia limitada e, portanto não produzem efeitos até que o Poder Legislativo edite regulamento tratando do tema. Logo, tem-se que essa ação judicial, de berço constitucional, com caráter especial, tem como objetivo enfrentar a morosidade do Poder Público em sua função legislativa-regulamentadora latu sensu, de modo a viabilizar o concreto exercício de direitos, liberdade ou prerrogativas previstas pela Lei Maior.

São requisitos constitucionais para o mandado de injunção: a) norma constitucional de eficácia limitada, prescrevendo direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, á soberania e à cidadania; b) falta de norma regulamentadora, que torne inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas supramencionados – omissão do Poder Público.

Cumpre destacar que nem todas as espécies de normas constitucionais admitem o ingresso do mandado de injunção, é preciso que sejam de eficácia limitada, em outras palavras, dependentes de regulamentação. Ainda, é inadmissível o mandado que pretende apenas a elaboração de nova legislação para modificar aquela existente, mesmo que descompassada com a Constituição Federal, e por consequência, não se admite sua impetração quando o objeto é obter pronunciamento do Poder Judiciário sobre sua correta interpretação.

2. Efeitos do mandado de injunção

Dentre vários questionamentos, temos a dúvida sobre os limites da prestação jurisdicional como um dos primeiros.

O cerne da questão estava no fato de que:  Deveria o Tribunal Constitucional meramente declarar a ausência da norma regulamentadora, notificando os Poderes sobre a decisão, para editá-la, ou suprir, desde logo a ausência da norma, permitindo de imediato o exercício dos direitos e liberdades constitucionais?

A questão foi esclarecida em 1990, com o julgamento do MI n. 107-3/DF[1], ao decidir que a ação visa apenas a declaração, pelo Estado-juiz, da mora em editar o regulamento postulado pelos autores, in verbis:

[...] o mandado de injunção que é [...] ação mandamental para declaração de ocorrência de omissão como mora na regulação do direito, liberdade ou prerrogativa outorgados pela Constituição, mas cujo o exercício seja obstado pela falta de sua regulamentação [...] órgão ou autoridade  que deve regulamentar a norma constitucional para a viabilização do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa por ela concedido.

Mencionado posicionamento, como é perceptível, aponta que a Corte deve apenas declarar a omissão da norma regulamentadora dos preceitos constitucionalmente previstos, comunicando o fato aos órgãos responsáveis para que editem norma. Esse entendimento, em uma primeira análise, baseia-se no princípio da separação dos poderes, insculpido pelo art. 2º da Constituição Federal, que não autoriza o Judiciário atuar como legislador positivo, suprindo a omissão, substituindo outro Poder.

Do voto do Ministro Celso de Melo:

O Mandado de Injunção não é o sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, a veiculação de provimentos normativos que se destinem a substituir a faltante norma regulamentadora sujeita à competência, não exercida, dos órgãos públicos. O Supremo Tribunal Federal não se substitui ao legislador ou ao administrador que se hajam abstido de exercer a sua competência normatizadora. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância do princípio constitucional da divisão funcional do poder. [2]

O entendimento foi alterado em 2007, com o julgamento do MI n. 670/ES, que discutia o direito de greve dos servidores públicos, a saber:

[...] 1.1. No julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; v) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. 1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5o, XXXV). Precedentes: MI no 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991; MI no 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.3.1992; MI nº 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26.6.1992; MI no 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24.5.2002; MI no 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.12.2002; e MI no 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20.6.2003 [...] [3]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Tal direito, discutido anteriormente, continuava sendo vítima da persistente omissão legislativa, decidindo o Supremo, por esta razão, supri-la até que seja editado o texto que regulamente o tema. Agindo, assim, como legislador positivo, exercendo uma função atípica, ligada ao Poder Legislativo.

Cumpre destacar que a decisão causou perplexidade, existindo no próprio Supremo posições contrárias de Ministros, que direcionam-se para a manutenção do julgado anterior, sob o argumento de que atuando como legislador positivo estaria a Corte violando o princípio da separação dos poderes insculpidos pela Carta Magna.

Por fim, sedimentou-se o entendimento de que o mandado de injunção necessita de efeitos concretos, a fim de possibilitar o gozo imediato dos direitos e liberdades constitucionais. Logo, prevalece a eficácia dos direitos constitucionais em detrimento da separação dos poderes.

Ao suprir a norma faltante para o exercício dos direitos e das liberdades constitucionalmente assegurados, o STF alavancou a jurisprudência que até o momento seguia, acabando por expandir seu âmbito de atuação ao exercer típica tradicional do Legislativo – criação de normas que irão reger a vida em sociedade. Exercendo, assim, uma função eminentemente política, judicializando função, até então, estranha.

É verdade que inicialmente a mais alta Corte do país pretendia não interferir no campo legislativo. Ocorre que, a intenção do constituinte ao prever o mandado de injunção não é outra senão usá-lo como um instrumento de proteção aos direitos e liberdades constitucionais, e o mero reconhecimento pelo Legislativo da ausência da norma não se prestava para resolver o problema.

 Pondera-se, todavia, que o Supremo Tribunal Federal, ao exercer uma função indistintamente política não ruma para a violação do princípio da separação dos poderes trazidos pela Constituição Federal, pois ao dar efeitos concretos ao mandado de injunção, a Corte nada mais fez do que cumprir o desejo da Lei Maior.


[1] Supremo Tribunal Federal. MI 107, Relator: Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 21/11/1990.

[2] Supremo Tribunal Federal. MI 107, Relator: Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 21/11/1990.

[3] Supremo Tribunal Federal. MI 670, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007.


[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo. Saraiva, p. 28, 2007.

[2] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º [...] LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Carlos Loitey Bergamini

Advogado. Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal (Univali). Compliance Gerencial (FGV/SP). Secretário da Comissão de Direito Administrativo OAB/SC. Membro da Comissão de Compliance OAB/SC Professor. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3681230383995215

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos