A moral e a ética estão acima da lei

19/05/2017 às 09:42
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A ética está acima da lei, e agentes públicos são obrigados a reconhecer impedimentos e não podem legislar em favor do interesse privado, porque a mera edição de leis não regulariza os atos de corrupção, e ninguém pode comprar benefícios concedidos pelo Estado.

As instituições públicas representam os pilares de sustentação do nosso sistema democrático, e são representadas por agentes cujos atos são revestidos de fé pública, ou seja, são autênticos e verdadeiros, até prova em contrário.

Os governos estaduais e muitos municípios sempre editaram leis para beneficiar interesses privados, favorecendo, diretamente, financiadores de campanhas políticas, criando um ambiente para toda a sorte de corrupção.

Parlamentares, em todos os níveis, sempre fizeram o papel de despachantes ou lobistas de luxo, defendendo interesses de empresas privadas junto aos órgãos públicos, alterando a legislação, inclusive ambiental, para adequá-la aos investimentos.

Por trás da chamada Guerra Fiscal, estados e municípios ofereciam benefícios fiscais inconstitucionais (sem o necessário referendo do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária), para atrair empresas e investidores.

Esta era a ponta do iceberg que parecia ser apenas um desrespeito à Constituição Federal, que regula a forma como os incentivos fiscais deveriam ser concedidos, mas descambou para a corrupção, pura e simples.

No Estado do Rio de Janeiro, numa ação civil por ato de improbidade administrativa, em curso na 14ª Vara de Fazenda Pública, a Justiça determinou o bloqueio de bens da multinacional MICHELIN, maior fabricante mundial de pneus; do ex-governador Sérgio Cabral; do ex-secretário Estadual de Fazenda e outras pessoas, condenando-as a ressarcirem aquele Estado, valores de ICMS que deixaram de ser pagos na ordem de R$ 1,028 bilhão.[1] [2]

No Estado do Mato Grosso a Justiça também condenou o ex governador Silval Barbosa, além dos ex-secretários de fazenda e indústria e comércio, em ação civil pública por ilegalidade na concessão de benefícios fiscais para a JBS (Friboi), determinando o bloqueio de R$ 73 milhões.[3]

O Ex governador Sinval Barbosa, investigado pela chamada Operação Sodoma, foi preso, acusado de participar de esquema de fraudes na concessão de incentivos fiscais no estado do Mato Grosso.[4]

No âmbito federal, a maracutaia também não foi diferente, com agentes públicos editando normas para favorecer determinadas empresas.

Começam a surgir informações demonstrando que nos governos Lula e Dilma, o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social foi transformado num banco de investimento privado, financiando capital de giro destinado a fusões e aquisições de alto risco, que, a rigor, nunca fizeram parte da política de investimentos da instituição.[5]

O BNDES tinha, até então, rigor excessivo na liberação de financiamentos, com capital de giro exclusivamente atrelado a investimentos fixos, exigindo propostas formais e projetos detalhados, com garantias reais, e criterioso processo de avaliação.

Tudo isso parece ter sido desmontado para favorecer a JBS e a ODERBRECHT, permitindo que estas empresas tivessem acesso a recursos públicos, até mesmo do FGTS, em cifras que ultrapassam 8,1 bilhões, em condições amplamente vantajosas, favorecendo a sua expansão econômica, além de fusões e aquisições sem precedentes, levando a JBS a se tornar uma das maiores produtoras de proteína animal do mundo.

A liberação destes empréstimos é alvo de investigações, e aponta que a suposta barbeiragem da Polícia Federal, na Operação Carne Fraca, que pareceu um atentado contra a própria economia brasileira, agora surge como um ato desesperado de quem tinha conhecimento da extensão dos delitos, mas não tinha provas suficientes para submeter os delinquentes ao devido processo legal.

A ética está acima da lei, e agentes públicos são obrigados a reconhecer impedimentos e não podem legislar em favor do interesse privado, porque a mera edição de leis não regulariza os atos de corrupção, e ninguém pode comprar benefícios concedidos pelo Estado.

O Estado, que tem como função precípua, regular as atividades econômicas, fomentando o comércio e a livre concorrência, termina por favorecer empresas específicas, permitindo ações predatórias e concorrência desleal.

As multinacionais também têm esqueletos e carne estragada armazenada nos armários.

NOTAS:

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[1] “Justiça do Rio manda bloquear bens de Cabral e da Michelin. Folha de São Paulo, Poder, ed. 26/11/2016, p. A12. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1835588-justica-bloqueia-de-r-1-bi-em-bens-de-cabral-e-michelin-por-incentivo-fiscal.shtml

[2] “MP pede bloqueio de bens e ressarcimento de R$ 1 bi de Cabral e Michelin por isenções fiscais”. Jornal o Globo. Ed. 11/11/2016. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mp-pede-bloqueio-de-bens-ressarcimento-de-1-bi-de-cabral-michelin-por-isencoes-fiscais-20456676

[3] “Por incentivo à JBS, juiz bloqueia R$ 73 milhões de ex-governador e mais 3”. Jornal O Globo. Ed. 23/03/2017. Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2017/03/por-incentivo-jbs-juiz-bloqueia-r-73-milhoes-de-ex-governador-e-mais-3.html

[4] “STF nega liberdade ao ex-governador do Mato Grosso Silval Barbosa”. Portal G1. Ed. 28/06/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2016/06/stf-nega-liberdade-ex-governador-do-mato-grosso-silval-barbosa.html

[5] Folha de S. Paulo. “Alvos da PF, donos da JBS cogitam fazer acordo de delação premiada”. Mercado. Ed. 14/05/2017, p. A25. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1883808-alvos-da-pf-donos-da-jbs-cogitam-fazer-acordo-de-delacao-premiada.shtml

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Sobre o autor
Luiz Carlos Guglielmetti

advogado, especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, escritor de livros técnicos, livre pensador, poeta e ensaísta, a título de terapia ocupacional.

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