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O pedágio e o direito de ir e vir

01/06/2017 às 16:31
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Considerando os inúmeros questionamentos sobre a legalidade na cobrança de pedágio, sob a argumentação de que este impediria o exercício do direito constitucional de ir e vir, surge este artigo como proposta de esclarecer algumas dúvidas sobre o tema.

A internet, aliada a tecnologia dos modernos smartphones, tem nos proporcionado maravilhas e a moda atual é a postagem de vídeos das próprias façanhas pessoais nas redes sociais. Aliás, uma enxurrada de vídeos, das mais diversas sortes, desde o fenomenal preparo de um macarrão instantâneo por uma adolescente até os vídeos de espertinhos que se valem de justificativas mal fundamentadas para não pagar o pedágio. É sobre esse último que tratarei hoje.

Furar as praças de pedágio tem se tornado um assunto curioso e que tem arrebanhado uma boa parcela de adeptos e seguidores. Aparentemente tudo começou com uma publicação na internet de uma suposta estudante de direito do Rio Grande do Sul, que, durante a apresentação de seu trabalho estudantil na capital gaúcha, afirmava que não havia pago o pedágio no seu deslocamento para chegar até ali e que também não o faria ao retornar para sua cidade ao término da apresentação, fundamentando sua atitude no distorcido e popularmente conhecido “Direito de ir e vir” previsto no artigo 5º e seu inciso XV da Constituição Federal, que diz: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Depois desta postagem, mesmo que ninguém tenha conseguido provar a veracidade dos fatos, uma horda de simpatizantes à prática começou a colocá-la em ação, inclusive filmando suas peripécias e divulgando nas redes sociais. Alguns inovadores, resolveram complementar sua fundamentação invocando os “Direitos do Consumidor”, exigindo uma nota fiscal em comprovação ao pagamento, alegando que o fornecimento de simples recibo seria ilegal e por este motivo justificaria, também, o não pagamento.

Não me prolongarei na questão que considero a raiz do problema, que mais parece uma questão de ordens psicológica, política e social, oriunda de um longo período que o país viveu no passado, durante um Regime de governo ditatorial onde tudo era proibido e todos os direitos e desejos eram tolhidos dos cidadãos, passando abruptamente para um novo modelo governamental com o advento da Constituição Federal de 1988 e a implantação de um novo Regime que proporcionava a total liberdade além de garantias e direitos fundamentais, gerando uma euforia social, em que parcela da população acabou se perdendo no senso crítico e passou a beirar o desrespeito às leis – a desobediência civil – e o próprio desrespeito à manutenção da ordem social.

Preliminarmente importa ressaltar que esse artigo não tem quaisquer intenções políticas em apoio aos que são a favor ou aos que são contrários ao pagamento de pedágios nas rodovias, tão pouco incentivar uma ou outra prática, mas somente analisar de maneira racional os dispositivos legais que autorizam tal cobrança.

Destarte poderia começar analisando a justificativa inovadora que invoca o direito do consumidor e a exigência de nota fiscal pela cobrança de pedágio. O Código de Defesa do Consumidor considera como tal, “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (Lei 8.078/90 – art. 2º). Em uma análise bastante rápida e sucinta podemos perceber que, ainda que o Estado possa ser considerado um prestador de serviços em determinados casos (CDC, art. 3º), não é o indivíduo um destinatário final dos serviços de manutenção das vias, já que tal serviço tem caráter uti universi, ou seja, é prestado à uma universalidade, para toda a coletividade, ainda que remunerado.

Sobre a remuneração paga nas praças de pedágio, sem adentrar no mérito dicotômico sobre suas características de taxa ou tarifa, é incontroversa a sua natureza tributária, como podemos depreender da leitura do artigo 150, inciso V, da Constituição Federal que diz: “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (grifos nossos).

Entendemos que a manutenção das vias públicas é um dever do Estado e essa manutenção deve ser custeadas, inicialmente pelas verbas públicas, arrecadadas por meio destes e de outros tributos, todavia é permitido ao Estado “alienar” uma via pública, por meio de concessão para uma empresa privada, que assumirá o dever de gestão e manutenção, contudo valendo-se destes tributos arrecadados nas praças de pedágio para tal.

Eliminamos desta maneira, não somente a argumentação de cunho consumerista, que alega tratar-se, o pedágio, de um serviço ao consumidor, mas também se demonstra que o valor pago tem natureza tributária e, por assim ser, não cabe emissão de nota fiscal para tal, mas, sim, comprovante de pagamento tipo recibo.

Ainda neste compasso, percebe-se que a própria Constituição Federal, invocada para assegurar o direito de ir e vir é lida parcialmente e de forma conveniente aos próprios interesses, pois numa leitura mais aprofundada da mesma encontramos o artigo 150, V, mencionado acima, que autoriza a cobrança de pedágios em vias públicas, sem prejuízo dos demais direitos.

Em uma análise mais vulgar poderíamos dizer que uma praça de pedágio não cerceia o direito de ir e vir do cidadão, mas o proíbe de transitar, em um veículo automotor, por determinado local, sendo que nada impediria e nem poderia impedir ao cidadão de locomover-se a pé, por exemplo, pela referida via pública, sendo assegurado a ele o total direito de ir e vir, ainda que incômodo e de maneira desagradável e desconfortável. Mas há de se convir que não é esse o direito previsto na Carta Magna – O de ir e vir, livremente, com conforto e de modo agradável.

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Ao revisitar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), devemos observar o artigo 209, que prevê a burla as praças de pedágio como infração grave: “Art. 209 – Transpor, sem autorização, bloqueio viário com ou sem sinalização ou dispositivos auxiliares, deixar de adentrar às áreas destinadas à pesagem de veículos ou evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio: Infração – grave; Penalidade – multa”.

Ainda que hajam alegações de que as multas sejam inválidas, pois são revestidas de ilegalidade, já que a notificação de infração somente pode ser lavrada pela autoridade ou por agente autorizado, o que de fato é verdade, boa parte das praças de pedágio já possuem sistemas de câmeras e outros dispositivos tecnológicos de captura de imagens e identificação do veículo devidamente homologados pelo CONTRAN, conforme estabelece o artigo 280, § 2º, do CTB, o que afasta a ilegalidade apontada.

Por fim, como dito anteriormente, a questão da repulsa ao pagamento do pedágio transpassa muito mais por uma questão política, social e até mesmo cultural, do que uma questão econômica em si. Em vários países, sequer existe um agente fiscalizador ou cobrador nas cabines das praças de pedágio e isso não incentiva, de forma alguma, a evasão do mesmo sem o devido pagamento, pois os condutores sabem que o custo de uma infração pela evasão é muito superior ao valor que deveria ter sido pago. No Brasil, isso também é uma verdade, pois o condutor, ao evadir sem efetuar o devido pagamento, da praça de cobrança, estará sujeito a receber uma cobrança posterior do valor não pago, além de multa, no valor atual de R$ 127,69, e mais 05 pontos na CNH.

Assim, recomendo aos adeptos desta prática que procurem um melhor esclarecimento sobre as consequências que podem resultar de suas condutas, bem como tenham o devido cuidado de procurar as fontes e a veracidade do que é publicado na internet, antes de reproduzi-las cegamente.

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Sobre o autor
Marcel Munhoz Garibaldi

Advogado civilista, especializado em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e graduado pela Universidade Católica de Salvador. Membro associado ao IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Atua em diversos ramos do direito, mas com maior foco nos segmentos do Direito Civil e Biodireito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARIBALDI, Marcel Munhoz. O pedágio e o direito de ir e vir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5083, 1 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57858. Acesso em: 22 dez. 2024.

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