A responsabilidade do estado devido a falta de vagas para trabalho e estudo do recluso no sistema penitenciário

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19/05/2017 às 11:31
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Este trabalho propõe-se a analisar a responsabilidade do Estado devido à falta de vagas para trabalho e estudo do recluso no sistema penitenciário brasileiro, com evidente violação do acesso ao benefício da remição penal.

RESUMO:O indivíduo que comete uma infração penal em um Estado Democrático de Direito, após ser devidamente processado e condenado a cumprir pena privativa de liberdade, respeitando-se os princípios constitucionais, somente será destituído do bem jurídico liberdade. Não há qualquer legitimidade, e fere a finalidade da aplicação da pena, qualquer espécie de desrespeito aos direitos fundamentais do preso. Contudo, de forma reiterada, o sistema prisional brasileiro viola direitos fundamentais, muito além da privação da liberdade. Este trabalho propõe-se a analisar a responsabilidade do Estado devido a falta de vagas para trabalho e estudo do recluso no sistema penitenciário brasileiro, com evidente violação do acesso ao benefício da remição penal.

ABSTRACT: The one that commits a criminal offense, after being processed and convicted to serve time, in a Democratic State based on the rule of law, respecting the constitutional principles, will only be deprived of the legal good liberty. There is no legitimacy in and it hurts the finality of the punishment application to disrespect the fundamental rights of the prisoner. Although, the brazilian prison system repeatedly disrespect fundamental rights, beyond deprivation of liberty. This work proposes analyzing the responsibility of the State due to the lack of places to work and study of the prisoner in the Brazilian prison system, with clear violation of access to the benefit of criminal redemption.

PALAVRAS-CHAVE: Violações aos direitos fundamentais do preso; remição penal; responsabilidade do Estado.

KEYWORDS: Disrespect of fundamental rights to prisoners; criminal redemption; responsibility of the State.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A responsabilidade estatal no exercício do jus puniendi em um Estado Democrático de Direito. 3. A remição penal e a consequência da falta de vagas para trabalho e estudo. 4. Formas de responsabilização do Estado em razão da exclusão do recluso ao trabalho e estudo. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar a responsabilidade do Estado em razão da ineficiência de políticas públicas criminais que garantam aos reclusos no sistema penitenciário brasileiro o acesso aos benefícios da execução penal, especialmente investigando-se a falta de vagas para o trabalho e estudo do preso, que o impedem de usufruir o benefício da remição penal.

Inicialmente, será abordada a forma do exercício do direito de punir, considerando que o jus puniendi é atribuído de forma exclusiva ao Estado, cuja pretensão punitiva nasce a partir do cometimento de um crime. Há necessidade que o Estado atue com respeito aos direitos e garantias fundamentais ao aplicar a sanção penal, posto que a violação aos direitos fundamentais do recluso afronta os princípios constitucionais e o Estado Democrático de Direito, impedindo com que a finalidade da pena, consistente em reinserir aquele que cometeu um delito ao convívio social, seja efetivada.

Em seguida, o presente trabalho objetiva analisar os benefícios previstos na Lei de Execução Penal, especialmente no que tange à remição penal e o direito fundamental ao trabalho e ao estudo em uma perspectiva garantista destinada à preservação dos direitos e garantias fundamentais dos reclusos.

Por fim, discutiremos a responsabilidade do Estado ante a ineficiência de políticas públicas criminais que efetivamente garantam os direitos fundamentais dos presos, sobre três vertentes: a) responsabilização internacional do Estado; b) aplicação do instituto da remição ficta; e c) condenação do Estado em indenizar individualmente o recluso devido à falta de vagas para o trabalho e estudo, e aplicação de multas pelos danos coletivos causados à sociedade, cujo valor seria revertido a melhorias no sistema penitenciário.


2. A RESPONSABILIDADE ESTATAL NO EXERCÍCIO DO JUS PUNIENDI EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O direito de punir, jus puniendi, é exercido de forma privativa pelo Estado, portanto, quando um indivíduo viola a lei penal, lesando ou expondo a perigo de lesão bens jurídicos relevantes tipificados como crimes nasce a pretensão punitiva estatal, sendo certo que a consequência jurídica do delito é a aplicação da sanção penal, após a demonstração da violação da lei penal, através do devido processo legal, com respeito a todos os princípios constitucionais pertinentes, tais como ampla defesa e contraditório.

Na lição de Fernando da Costa Tourinho Filho:

O jus puniendi pertence, pois, ao Estado, como uma das expressões mais características de sua soberania. [...] Quando o Estado, por meio do Poder Legislativo, elabora leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal, surge para ele o jus puniendi num plano abstrato e, para o particular, o dever de abster-se de realizar a conduta punível. [...] Desse modo, o Estado pode exigir que o interesse do autor da conduta punível em conservar a sua liberdade se subordine ao seu, que é o de restringir o jus libertatis com a inflição da pena.  (TOURINHO FILHO, 2012, p. 27)

A sanção penal divide-se em pena, cujas espécies são privativa de liberdade, restritivas de direitos e multa (aplicada aos imputáveis, assim considerados os maiores de dezoito anos com plena capacidade mental, possibilitando-lhes entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento) e medida de segurança, consistente em internação em hospital psiquiátrico ou tratamento ambulatorial (aplicada aos inimputáveis, que são aqueles portadores de doença mental que os tornam incapazes de entender o caráter criminoso e autodeterminarem-se no momento do crime).

Destacamos que a pena possui três finalidades, que são: a) punição, visando retribuir ao indivíduo com o mal da pena o mal do injusto penal praticado; b) prevenção, buscando inibir a ocorrência de novos delitos, seja pela prevenção especial, retirando o criminoso do meio social, seja pela prevenção geral, com a intimidação dos demais membros da sociedade, que não optaram pela delinquência sob ameaça de sofrerem o mal da pena; c) ressocialização, objetivando a recuperação do criminoso, para que após a punição sofrida não volte a cometer outros crimes.

Contudo, a execução da pena no Brasil, especialmente no que tange às penas privativas de liberdade, objeto do presente estudo, enfrenta grave problema, que culmina em inúmeras violações aos direitos fundamentais daqueles que estão encarcerados nos presídios brasileiros, caracterizando a ineficiência do Estado em garantir as condições mínimas de dignidade necessárias ao cumprimento da pena, fato que impossibilita a ressocialização dos criminosos, e contribui para a manutenção dos índices nefastos de aumento da criminalidade. 

Em que pese o desejo punitivo da sociedade, bem como ser a punição e prevenção dos delitos finalidades da pena privativa de liberdade, jamais podemos nos esquecer que a ressocialização do preso, ou em uma visão humanística reeducando,  é uma das finalidades da aplicação da pena privativa de liberdade, aliás, cumprido este objetivo e com a eficaz recuperação daquele que outrora dedicou-se a cometer infrações penais, a sociedade concretamente estará protegida, alcançando-se a diminuição dos índices da criminalidade.

Segundo Júlia Alves Camargo e Edinilson Donisete Machado:

Se o Estado retirou da sociedade o “jus puniendi” e trouxe para ele a responsabilidade de punir, de recuperar e reeducar os presos, preparando-os para retornar à sociedade e se tornarem produtivos para que não reincidam em práticas delituosas, atuando de acordo com a estrita legalidade, como podemos ainda aceitar os milhares de presos que cumprem pena de forma subumana em celas superlotadas; o erro judiciário, no número intolerável de inocentes processados e até punidos. (CAMARGO, 2009, p. 80)

Em um Estado Democrático de Direito, tal como determina nossa Constituição Federal em seu artigo 1º, deve existir respeito aos direitos e garantias fundamentais. Não basta apenas haver previsão legal a respeito de direitos fundamentais, mas sim que o Estado efetive mecanismos de garantias aos direitos fundamentais reconhecidos, legitimando a execução do poder estatal em face ao cidadão.

[...] sendo a democracia modo de exercício do poder, é processo, o que significa que a técnica pela qual o poder, advindo da vontade popular, é exercido, deve coadunar-se aos procedimentos preestabelecidos mediante leis elaboradas por representantes eleitos, isto é, deve obedecer ao princípio da legalidade na execução do poder, pelo que o ato de autoridade tem validade segundo sua conformação legal, o que liga toda a execução da lei à origem, que é a vontade popular. (...) Enfim, é o Estado Democrático de Direito que se apresenta como organização político-estatal possibilitadora de uma legalidade legítima, que se funda nos direitos fundamentais criados soberanamente pelo próprio povo, destinatário e coautor da ordem jurídica, É nesse Estado que a autonomia política atua contra a arbitrariedade de um poder mediante sua domesticação pelo jurídico. (DIAZ, 1978, p. 120)

Na concepção de Estado de Direito, trazida por Luigi Ferrajoli como sinônimo de garantismo, resta claro a necessidade ao respeito das leis vigentes, bem como dos direitos fundamentais.

"Estado de direito" é um daqueles conceitos amplos e genéricos que tem múltiplas e variadas ascendências na história do pensamento político: a ideia, que remonta a Platão e Aristóteles, do "governo das leis" contraposto ao "governo dos homens", a doutrina medieval da fundação jurídica da soberania, o pensamento político liberal sobre os limites da atividade do Estado e sobre o Estado mínimo, a doutrina jusnaturalista do respeito às liberdades fundamentais por parte do direito positivo, o constitucionalismo inglês e norte-americano, a tese da separação dos poderes, a teoria jurídica do Estado elaborada pela ciência juspublicista alemã do século passado e pelo normativismo kelseniano. Segundo uma distinção sugerida por Norberto Bobbio, isto pode querer dizer duas coisas: governo sub lege ou submetido às leis, ou governo per leges ou mediante leis gerais e abstratas. [...] O termo “estado de direito” é aqui empregado no segundo destes dois significados [em sentido forte, estrito ou substancial]; e neste sentido é sinônimo de “garantismo”. Designa, por esse motivo, não simplesmente um “Estado legal” ou “regulado pelas leis”, mas um modelo de Estado nascido com as modernas Constituições e caracterizado : a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do qual todo o poder público – legislativo, judiciário e administrativo – está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de legitimidade por parte dos juízes delas separados e independentes [...]. b) no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos de liberdade e das obrigações de satisfação dos direitos sociais, bem como dos correlativos poderes dos cidadãos de ativarem a tutela judiciária. (FERRAJOLI, 2002, p. 687-688).

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O exercício do direito de punir pelo Estado sem respeito aos direitos e garantias dos reclusos, tal como ocorre em nosso sistema prisional constitui uma arbitrariedade que não viola apenas os direitos daqueles que sofrem com as mazelas das prisões, mas igualmente, ofende a toda sociedade, na medida em que diminui de forma drástica a possibilidade de ressocialização do preso, não permitindo que o Estado aplique a pena aos delitos de forma responsável.

Sem dúvida a tarefa de ressocialização é de responsabilidade do Estado e da sociedade, reintegrando o apenado a esta, fazendo com que a coletividade fique mais protegida e menos exposta aos atos delitivos.

Contrariamente, o que acontece é que o sistema carcerário é tão precário (presos doentes, sem assistência médica, hospitalar, péssima alimentação, sem higiene alguma, em locais insalubres, dormindo mal, sem assistência ou defesa judiciária, entre outros), que conduz a revolta dos apenados, bem como, a assimilação de novas “técnicas” de crimes, pelos presos primários e de menor periculosidade. (MARCON, 2009, p. 201)

O desrespeito aos direitos fundamentais é causa de insatisfações e dissenso, vez que, não recebendo qualquer vantagem por abrir mão de parte da sua liberdade em prol da coletividade, o indivíduo não enxerga razões para continuar obedecendo ao pacto social. (ARANÃO, 2008, p. 219)

Não restam dúvidas, portanto, que o Estado exerce o direito de punir, e para tanto, por meio do Poder Legislativo, em obediência ao princípio da legalidade, elabora as leis penais, processuais penais e de execução penal, e por meio do Poder Judiciário, através do devido processo legal, concretiza a aplicação da sanção penal, porém, durante a execução da pena, não poderá o Poder de Execução agir com desprezo aos direitos e garantias fundamentais dos reclusos, sob pena de ofensa à Constituição Federal e responsabilização pelos danos que ocasionar aos reclusos.


3. A REMIÇÃO PENAL E A CONSEQUÊNCIA DA FALTA DE VAGAS PARA TRABALHO E ESTUDO

A Constituição Federal e a Lei n° 7.210/84 – Lei de Execução Penal (LEP) asseguram aos presos o exercício de todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, incluindo o respeito à integridade física e moral, visando garantir a dignidade do preso, bem como diversos direitos voltados à busca pela ressocialização.

A Lei de Execução Penal, em seus dispositivos legais, garante ao preso assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa, bem como assistência ao egresso. Prevê em seu artigo 28 que o trabalho do condenado é um dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva.

O capítulo IV do título II da Lei de Execução Penal trata de forma minuciosa dos deveres, dos direitos e da disciplina carcerária.

Por sua vez, o capítulo I do título IV dispõe a respeito das condições que estabelecimentos penais devem oferecer aos reclusos, prevendo as regras de funcionamento e acomodação nas penitenciárias, (destinadas àqueles que cumprem pena privativa de liberdade em regime fechado), nas colônias penais agrícolas, industriais ou similares (destinadas àqueles que cumprem pena privativa de liberdade em regime semiaberto) e nas casas do albergado (destinadas àqueles que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto).

O título V da Lei de Execução Penal contém as regras legais pertinentes à forma de execução das penas, regulamentando-se os benefícios a serem concedidos durante a execução penal, especialmente visando à integração social do recluso e consequentemente sua ressocialização, tais como as autorizações de saída (permissão de saída e saída temporária), remição penal, livramento condicional, além da existência da progressão de regime, prevista no Código Penal e na Lei dos Crimes Hediondos.

Como vimos, os benefícios da execução penal exigem dos reclusos o cumprimento de requisitos para sua aquisição, não obstante, estes requisitos específicos de cada benefício não são atingidos por ineficiência do Estado em fornecer as condições necessárias para o cumprimento das condições aquisitivas dos benefícios da execução penal, impedindo e excluindo a possibilidade de ressocialização dos criminosos, e contribuindo para a manutenção dos índices nefastos de aumento da criminalidade.

No que concerne à remição penal, esse instituto possibilita que o tempo de cumprimento da pena aplicada seja diminuído por meio do trabalho ou do estudo. Nos termos do artigo 126, §1º, I e II da Lei de Execução Penal, a remição de parte da pena pelo trabalho ou por estudo é contada na seguinte proporção: a) 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; b) 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

Ocorre que a população carcerária cresce em proporção maior que a capacidade do Estado em gerir o sistema carcerário, a necessidade de construção de novos presídios para atender a demanda de acomodação dos apenados não é suprida pelo Poder Público, gerando uma superpopulação carcerária entregue à própria sorte, sem acesso a condições dignas, afrontando sistematicamente as previsões constitucionais e legais contidas respectivamente no artigo 5º, XLIX e artigos 85 e 88 da Lei de Execução Penal.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – Depen no ano de 2014 a população carcerária no Brasil era de 607.731, e quantidade de vagas nos presídios era de 376.669, portanto, o déficit de vagas atingiu o patamar de 231.062, sendo certo que a diretora do Depen Valdirene Daufemback afirmou em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, que o “Brasil está numa marcha de encarceramento sem precedentes mundiais”, caminhando-se para nos próximos 50 anos tornarem-se a maior população carcerária do mundo.[2]

 A falta de vagas disponibilizadas pelo Estado para o trabalho e estudo do preso, excluem o reeducando de um importante benefício para reinserção do apenado à sociedade, violando direitos fundamentais do recluso.

O trabalho, evita a ociosidade; evita o pensamento excessivo e nocivo; dá oportunidade para que o reeducando possa realizar alguma tarefa e, cria uma expectativa de ressocialização, de ter o apenado, uma vida normal, trabalhando e sustentando seus familiares. (MARCON, 2009, p. 207)

Nada pior para a sociedade que a manutenção de apenados ociosos, em unidades prisionais superlotadas, havendo a necessidade de mecanismos jurídicos que permitam ao reeducando o acesso aos benefícios da execução penal, especialmente a remição penal, cujo requisito para concessão é a garantia a um direito previsto na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal.

A experiência demonstra que nas penitenciárias onde os presos não exercem qualquer atividade laborativa o índice de tentativas de fuga é muito superior ao daquelas em que os detentos atuam de forma produtiva, aprendendo e trabalhando em determinado ofício. (GRECO, 2012, p. 504)

Destacamos que nossa Lei Maior, em seu artigo 1º, III traz como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana, sendo certo que o trabalho do reeducando é uma forma de resgate e efetivação desse princípio. Por sua vez, o trabalho é considerado um direito social, conforme prevê o artigo 6º da Constituição Federal.

De fato, a falta de vagas tanto para o trabalho quanto para o estudo é um gravíssimo problema de nosso sistema carcerário e esta realidade impede que muitos reeducandos tenham acesso ao benefício da remição penal, excluindo parcela dos apenados do direito constitucionalmente previsto do trabalho, violando, portanto, o princípio da dignidade, bem como afronta ao princípio da isonomia, pois enquanto alguns reeducandos que postulam o direito ao trabalho e estudo e são atendidos, garantindo a possibilidade de acesso à remição, outros simplesmente são preteridos e ante a falta de vagas, mesmo estando em situação igual, não possuem acesso aos mesmos benefícios da execução penal.

A falta de efetividade em relação à aplicação da legislação em vigor sobre as regras da execução penal permite afirmarmos que nosso sistema prisional, possui um baixíssimo grau garantista, não “passando de um pedaço de papel”, como bem define Ferrajoli (FERRAJOLI, 2002, p. 684).

Infelizmente o nosso sistema de medida de segurança não passou ainda (...) de legislação de fachada. À parte dos superlotados manicômios judiciários, na sua maioria, instalados no tempo do código anterior, inexiste qualquer dos estabelecimentos reclamados pela nova diretriz de prevenção contra a delinquência. (HUNGRIA, 1959, p. 117 e118).

A atuação do Estado no sistema prisional, ignorando a validade da própria legislação em vigor, originada de forma democrática pelo Poder Legislativo, não difere em nada dos cidadãos que agem em desacordo com a legislação e, portanto, cometem delitos. Na verdade, a conduta do Estado em negar efetividade às leis que garantem os direitos fundamentais dos reclusos, é infinitamente pior que a conduta delitiva que originou a aplicação da sanção penal, posto que é um celeiro da reincidência e aumento da criminalidade, desatendendo ao interesse da justiça e da proteção à sociedade.

O Estado de direito deve combater o delito seguindo regras morais escrupulosas, sob pena de igualar-se aos delinquentes e de perder toda a autoridade e credibilidade. E as garantias que a Constituição assegura ao acusado não são simplesmente postas como tutela de seus direitos individuais, mas são, antes de mais nada, garantias do justo processo, assegurando o interesse geral à regularidade do procedimento e à justiça das decisões.(GRINOVER, 1985, p. 48).

Desta forma, ao estabelecer um benefício na execução penal, tal como o é a remição da pena em razão do trabalho ou do estudo, o Estado deverá proporcionar os meios necessários para que o recluso possa efetivamente trabalhar e estudar, garantindo a todos os reenducandos o acesso ao benefício concedido legalmente, devendo o Estado ser responsabilizado pelos danos causados aos presos que, postulando o trabalho e o estudo, estão excluídos do exercício desse direito constitucionalmente previsto, por ineficiência estatal e que, consequentemente, não poderão abater a pena privativa de liberdade.

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Sobre a autora
Camila Maria Rosa

Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP (2017). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Uniderp (2007). Graduação em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara - Uniara (2005). É professora de Direito Penal, Direito Processual Penal, Prática Processual Penal e do Trabalho e Direito Tributário na Faculdade de Araraquara - SP. Foi professora de Direito Penal e Direito Processual Penal no Instituto Matonense de Educação e Ensino Superior - IMEES, em Matão - SP. Foi Assessora Jurídica do Município de Boa Esperança do Sul - SP. É advogada atuante na cidade de Araraquara - SP. É Secretária de Administração e Finanças, no Município de Santa Lúcia - SP. Email: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo foi originalmente apresentado no 1º Simpósio Internacional sobre: Constitucionalismo, Democracia e Estado de Direito; promovido pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília/UNIVEM em parceria com a Universidade Estadual do Norte do Paraná/UENP.

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