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O princípio da efetividade e o contraditório

10/10/2004 às 00:00
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Não é de hoje que o processo vem se caracterizando como instrumento moroso, inábil à prestação de uma justiça célere e eficaz, a ponto de, já em sua época, Rui Barbosa ter proferido frase que se tornou celebre: "A justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta ".

O direito à tempestividade da tutela jurisdicional é constitucionalmente protegido. É de conhecimento ordinário que o direito de acesso à justiça, garantido pelo art. 5.°, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenas que todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva (adequada e tempestiva).

Giuseppe Chiovenda, verdadeiro maestro do direito contemporâneo, foi o primeiro a idealizar a efetividade como escopo maior do processo, celebrizando a seguinte frase: "Il processo deve dar per quanto possible praticamente a chi há un diritto quello e propio quello ch''egli há diritto di conseguire" [1].

Entretanto, não há duvida de que a garantia constitucional do direito de ação compreende, implicitamente, o direito ao contraditório e à ampla defesa, não só para aquele que alega ter o direito lesado, provocando a atividade jurisdicional do Estado, como também para aqueles colocados no pólo passivo, em face de quem a tutela é requerida, correndo o risco de ter seu mundo jurídico afetado pelo resultado final do processo.

Note-se que a grande dificuldade do processualista moderno é justamente tentar sistematizar a convivência harmônica entre essas garantias fundamentais do devido processo legal com outro escopo finalístico do processo, ou seja, a efetividade. Anota Marinoni:

"A busca da efetividade do processo é necessidade que advém do direito constitucional à adequada tutela jurisdicional, indissociavelmente ligado ao due process of law, e ínsito no princípio da inafastabilidade, que é garantido pelo princípio da separação dos poderes e que constitui princípio imanente ao próprio Estado de Direito, aparecendo como contrapartida à proibição da autotutela privada, ou dever que o Estado se impôs quando chamou a si o monopólio da jurisdição. A tutela antecipatória, portanto, nada mais é do que instrumento necessário para a realização de um direito constitucional".

Vigora como regra a ordinarização dos procedimentos, e este panorama processual é aceito por grande parte da doutrina, privilegiando-se com isso a segurança em detrimento da efetividade. Em determinadas situações, uma decisão baseada em um alto grau de certeza, após cognição plena e exauriente, poderia ser inútil, nada constituindo no mundo fático. O que se ganharia em segurança se perderia em efetividade.

A efetividade obsta, de certa maneira, à segurança. Não há como idealizar um processo de efeitos imediatos. Essa fugacidade não lhe é peculiar, devendo-se sempre dispor de razoável prazo para a produção das provas necessárias a formar o convencimento do juiz. O problema está justamente em caracterizar o que pode ser aceito como prazo razoável, para que as dilações indevidas do processo não o desnaturem, tornando-o instrumento ineficaz na busca dos direitos.

Não são raros os casos em que nos deparamos com direitos constitucionalmente protegidos, colocados em situações antagônicas:

"A Constituição Federal, como se sabe, assegura a quem litiga em juízo vários direitos fundamentais, enfeixados no que genericamente se denomina ‘devido processo legal’. Do conjunto dos referidos direitos, destacam-se dois, que mais interessam ao estudo da antecipação da tutela: o direito à efetividade da jurisdição e o direito à segurança jurídica. Sob a denominação de direito à efetividade da jurisdição queremos aqui designar o conjunto de direitos e garantias que a Constituição atribuiu ao indivíduo que, impedido de fazer justiça por mão própria, provoca a atividade jurisdicional para vindicar bem da vida de que se considera titular. A este indivíduo devem ser, e são, assegurados meios expeditos e, ademais, eficazes, de exame da demanda trazida à apreciação do Estado. Eficazes, no sentido de que devem ter aptidão de propiciar ao litigante vitorioso a concretização fática da sua vitória" (2).

Teori Albino Zavaski [3] tem o seguinte entendimento sobre a questão:

"A concordância prática entre direitos fundamentais eventualmente tensionados entre si é obtida mediante regras de conformação oriundas de duas fontes produtoras: há a regra criada pela via da legislação ordinária e há a regra criada pela via judicial direta, no julgamento de casos específicos de conflito. A primeira (solução pela via legislativa) pode ocorrer sempre que forem previsíveis os fenômenos de tensão e de conflito, sempre que for possível intuí-los, à vista do que comumente ocorre no mundo dos fatos. Quanto à construção de regra pela via judicial direta, ela se tornará necessária em duas hipóteses: ou quando inexistir regra legislada de solução, ou quando esta (construída que foi à base de mera intuição) se mostrar insuficiente ou inadequada à solução do conflito concretizado, que não raro se apresenta com características diferentes das que foram imaginadas pelo legislador. Em qualquer caso, considerada a inexistência de hierarquia, no plano normativo, entre os direitos fundamentais conflitantes, a solução do impasse há de ser estabelecida mediante a devida ponderação dos bens e valores concretamente tencionados, de modo a que se identifique uma relação específica de prevalência de um deles".

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Tutela efetiva é a tutela de fato, real. Uma tutela que não seja efetiva não pode ser conceituada como legitima manifestação do estado democrático, que tem como missão precípua a pacificação social.

Assim sendo, ante a tensão criada entre os valores em conflito (efetividade e contraditório), não há outra solução a não ser o estudo do caso concreto pelo magistrado, que diante do escopo da efetividade do processo, não abandonando os princípios do devido processo legal e seus corolários e ainda utilizando habilmente os princípios da ponderação e da razoabilidade, deverá solucionar os conflitos sopesando os bens jurídicos em conflito.


Notas:

1.Chiovenda. "Dell''azione nascente dal contratto preliminare, in Revista Direito Comum, 1911, e depois in "Saggi di diritto processuale civile", Roma, 1930, 1/10, apud Ada Pellegrini Grinover, "Tutela Jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer", in Ajuris - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, nº 65, 1996, p. 13.

2.Teori Albino Zavaski, Antecipação da Tutela, p. 64.

3.Id., ib., p. 62.

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Sobre o autor
Victor André Liuzzi Gomes

Juiz de Direito, titular da 3ª Vara Cível da Capital, Mestre e Doutorando em Direito (Processo Civil) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Victor André Liuzzi. O princípio da efetividade e o contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 460, 10 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5789. Acesso em: 22 dez. 2024.

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