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Novas regras civilistas sobre emancipação do menor e seus reflexos no Direito material e processual do Trabalho.

Análise, conceito e caracterização da economia própria derivada da relação de emprego

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11/10/2004 às 00:00
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Estabilização do status jurídico da pessoa natural – A outorga da emancipação:

Como atribuir-se ao menor-empregado e supostamente dotado de economia própria, o status emancipatório? trata-se de emancipação automática (ipso facto), como a que se verifica no casamento, ou condicionada à jurisdição voluntária ("ope judicis") ?

Nessa ordem de questões, cabe uma singela referência às formas de emancipação. Segundo classificação doutrinária, ela poderá ser voluntária, judicial e legal (Stolze Gagliano e Pamplona Filho, Ob.cit, p. 111).

A emancipação voluntária é aquela prevista no inciso I do parágrafo único, art. 5º do Código Civil, referente à concessão dos pais por escritura pública, sem necessidade de homologação judicial.

Judicial (ope judicis) é a emancipação decorrente de sentença proferida em sede de jurisdição voluntária (a qual não está isenta de apresentar litígio entre as partes), quando por exemplo o próprio menor busca em juízo a constituição de sua plena capacidade.

Diz-se legal (ope legis ou ipso facto) a emancipação automática, pela ocorrência de um fato jurídico objetivamente perceptível e constatável, previamente rotulado em lei, como nos casos de casamento, exercício efetivo de emprego ou cargo público, colação de grau em curso superior, etc) (art.cit., incisos II, III e IV).

Entendemos que a ratio da emancipação derivada do vínculo empregatício com economia própria exige pronunciamento judicial, sem o qual não será possível atribuir-se a capacidade plena ao menor empregado, por absoluta inexistência de um critério objetivo, sendo impossível que um mesmo critério atenda às peculiaridades de todos os menores empregados, razão pela qual a economia própria deverá ser percebida e constatada in concretu, segundo análise pormenorizada de cada caso, individualmente considerado.

Só assim podemos conciliar a necessidade de segurança nas relações jurídicas (princípio basilar do ordenamento jurídico) com o novel regramento civilista.

Caso assim não seja, das duas uma: ou a emancipação se estende a todo empregado maior de 16 (dezesseis) e menor de 18 (dezoito) anos, indistintamente (caso em que desnecessário seria a menção legislativa à economia própria), ou então, deixaríamos ao critério individual dos particulares, a formação de um juízo pessoal acerca da capacidade plena de cada um, e neste último caso, teríamos uma inegável balbúrdia jurídica, onde nenhum empregado menor poderia afirmar convictamente "eu sou emancipado", pois teria que disso convencer a outra parte, em cada negócio jurídico que viesse a celebrar. Não é difícil imaginar a tamanha insegurança que tal prática nos geraria, daí porque também não pode ser aceita.

O clamor pela paz social e segurança nas relações jurídicas exige situações estáveis e bem definidas, comprováveis de plano, e imunes a dúvidas e juízos pessoais dos particulares, daí porque reputamos imprescindível, para se caracterizar formalmente a emancipação do menor empregado com economia própria, a sentença judicial constitutiva, proferida em sede de jurisdição voluntária na Justiça Comum.

Sem esse instrumento de emanação do poder estatal, inviável, enfraquecida, temerosa e duvidosa seria qualquer afirmação precipitada de que tal menor detém ou não plena capacidade civil (de direito e de fato), por possuir emprego que lhe traga uma possível economia própria, segundo um juízo pessoal de cada um.

No que tange aos aspectos da capacidade processual do menor que ingressa em juízo postulando a constituição emancipatória, em que pese haver entendimento por parte de alguns, no sentido de que essa capacidade processual é plena e prescindível de assistência, reputamos aplicável o art. 7º do CPC c/c o art. 14 (quatorze) 2, parágrafo único do E.C.A., ou seja, ingressando em juízo o menor de 18 (dezoito) anos (aplicando o direito atual), deverá a autoridade judiciária dar curador especial ao mesmo, uma vez que haverá discordância ou dissonância (e não propriamente conflito) entre a pretensão emancipatória do menor, e o posicionamento a respeito do assunto, pelos seus pais ou representantes legais. Claro que se houvesse concordância dos pais em emancipar o menor, tal poderia ser feito na forma do inciso I do parágrafo único do art. 5º do Código Civil (emancipação por escritura pública), e, não havendo consenso, restaria ao menor o caminho judicial. Lembramos que se houver concordância de apenas um dos pais, e de outro não, aquele que se coloca ao lado do menor poderá assisti-lo em juízo na reivindicação emancipatória, restando ao outro a posição de parte contrária formal, ainda que não haja propriamente um conflito material de interesses em choque, mas mera oposição paterna (ou materna), não considerada jurisdição contenciosa por inexistir uma pretensão a ser satisfeita mediante sacrifício de interesse alheio (Dinamarco, in Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Malheiros, 2002, p. 500).

Sendo assim, verificando o menor que detém condições de manter-se pelas vias próprias de seu emprego, recomenda-se, caso seja de seu interesse, num primeiro momento buscar amigavelmente de seus pais a emancipação voluntária, deixando como última medida o ajuizamento da ação emancipatória, na qual - recomenda-se - que o juiz presuma a economia própria segundo a afirmação do autor e a análise dos elementos objetivos (cuja prova se faz com a juntada da CTPS e comprovantes de recebimento do salário), deixando o juiz de concedê-la, se convencido for da sua inviabilidade em face dos elementos subjetivos trazidos ao seu conhecimento e por nós já mencionados anteriormente.


Incidência das regras civilistas nas disposições especiais de proteção ao menor:

Indaga-se quanto aos efeitos, no direito material e processual do Trabalho, das regras civilistas sobre capacidade.

Sabemos que considera-se menor para os efeitos da Consolidação o trabalhador de 14 (quatorze) até 18 (dezoito) anos (CLT, art. 402), e que a reclamação trabalhista do menor de 18 (dezoito) anos será feita por seus representantes legais (CLT, art. 793), neste último caso, não havendo qualquer remissão quanto à possibilidade de o menor ser ou não emancipado, nos termos da lei civil. Uma análise superficial e incompleta da questão poderia levar o exegeta mais afoito a concluir pela inaplicabilidade das disposições civis relativas à capacidade, tendo em vista a expressa disposição do art. 793, inexistindo lacuna na CLT.

Incorreto, pensamos.

Outros enganos podem ser cometidos, caso se adote sempre essa mesma postura restritiva ao universo jurídico laboral, sem sistematizar as regras jurídicas aplicáveis, e deixando de se considerar a unidade do Direito.

Já vimos que o art. 5º do novel Diploma Civil, em seu parágrafo único, incisos I a V, retrata as hipóteses em que o menor adquire a plena capacidade para os atos da vida civil lato sensu.

Verifica-se que uma vez emancipado, o menor deixa de possuir representantes legais, pois só quem necessita de representantes legais são os incapazes, e quem é emancipado deixa de ser incapaz, como premissas lógicas que não oferecem maiores dificuldades. A representação legal, diga-se de passagem, extingue-se "ipso iure" com o implemento da emancipação.

É certo que a emancipação civil não produz os mesmos efeitos na seara criminal, de modo que o menor, emancipado ou não, continuará inimputável criminalmente até que se complete os 18 (dezoito) anos exigidos pela legislação penal. Tal conclusão, porém, justifica-se em razão das já mencionadas razões de ordem fisiológica, garantidoras da higidez física do ser humano em processo de formação, havendo determinadas regras tuitivas em nosso Ordenamento, que nenhuma relação apresentam com questões de capacidade civil, mas tão somente com questões de ordem física, mental, moral, espiritual e social, nesta ordem dispostas no art. 3º, parágrafo único do ECA, e que o legislador, até o momento vem priorizando, em que pese a pressão social para que seja reduzida a menoridade penal para 16 (dezesseis) anos, contudo, não invadiremos essa seara, por transbordar dos limites desta modesta exposição.

O art. 793 consolidado dispõe que o menor de 18 (dezoito) anos terá sua reclamação movida por seus representantes legais, o que a contrariu sensu nos leva a concluir que, não os havendo - por ser o menor emancipado - obviamente que poderá comparecer desacompanhado na Justiça do Trabalho, sem qualquer representação ou assistência.

Para saber se determinada pessoa está sujeita à representação legal ou à assistência, ou se é plena ou relativamente incapaz, necessário se faz recorrer às regras do Código Civil, fonte de irradiação das normas jurídicas de direito privado em sentido lato. Não olvidemos ainda, que o Direito do Trabalho já foi considerado ramo do Direito Civil, e ainda que autônomo, conserva o rótulo de ser uma disciplina não-penal, situando-se na esfera das relações privadas e portanto, indissociável, em certos aspectos, de muitas das regras civilistas.

A despeito de tal afirmativa, faz-se necessário que o aplicador do direito esteja atento para o fato de que NÃO deverá socorrer-se das normas supletivas do direito comum, sempre que a legislação trabalhista contiver norma auto-suficiente, que baste em si mesma, como é o caso de muitas das normas celetistas, a exemplo do art. 404 (vedação ao trabalho noturno); art. 405, I e II (vedação ao trabalho insalubre e perigoso, bem como do prejudicial à moralidade do menor); art. 413 e 414 (quatorze) (regras especiais de jornada de trabalho), e outras tantas regras destinadas à proteção do menor enquanto ser humano em formação, sem levar em conta seu status jurídico formal (capaz ou incapaz, emancipado ou não) conquistado segundo as regras do Direito Civil.

Portanto, o objeto jurídico a proteger, em conjunto com a auto-suficiência ou insuficiência das normas celetistas, é que irão determinar até que ponto a emancipação do menor refletirá nas disposições contidas em regramento especial trabalhista.

Todas as normas celetistas que tratam do trabalho do menor, dispondo regras de higidez física, mental, moral, espiritual e social, são também auto-suficientes e dispensam a aplicação subsidiária do direito comum, de modo que não temos dúvidas em afirmar que um empregado, contando com 17 anos, casado (portanto emancipado), ainda assim estará proibido – em seu próprio benefício - de prestar trabalho noturno, insalubre ou perigoso, como preconizam as normas celetistas anteriormente citadas.

Da mesma forma, verifica-se absolutamente vedada pelo Ordenamento a publicação em revistas especializadas, de fotos íntimas de menores ainda que emancipados, de modo que, acima do princípio da segurança nas relações jurídicas, está o princípio maior do respeito à ordem pública, à moralidade, aos bons costumes e à dignidade da pessoa humana. Imaginemos o que não ocorreria caso fosse permitida a publicação de fotos íntimas de menores emancipados, em odiosa afronta à proteção do adolescente: a proliferação de casamentos forjados e pais emancipando seus filhos por dinheiro, a fim de viabilizar tal prática, desnaturando por completo o instituto da emancipação, que não se irradia para todas as disciplinas jurídicas, devendo sempre haver a necessária compatibilidade entre as normas, a disciplina e os fatos, e respeito aos princípios supremos de nosso Ordenamento jurídico e social.

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Assim, verificamos que na seara trabalhista, existem normas tuitivas que visam dar a necessária proteção dos menores, proteção esta que fundamenta-se em duas ordens:

proteção ao empregado como ser humano em processo de formação

, caso em que a auto-suficiência da norma trabalhista é plena e absoluta, prescindindo-se de qualquer remissão ao estatuto civilista, e pouco importando o estado jurídico do menor, se emancipado ou não. Basta a verificação objetiva da idade, para – se menor - submetê-lo às regras especiais segundo esta ordem, a que nos referimos como proteção à higidez física, mental, moral, espiritual e social do menor.

proteção ao empregado como pessoa incapaz de praticar certos atos e negócios jurídicos

, como se verifica por exemplo, nos artigos 439 (outorga de quitação na rescisão contratual) e 793 (regra de capacidade processual) da CLT. São normas que referem-se diretamente ao instituto da capacidade de fato e portanto, não há como aplicá-las em proteção daquele que se encontra no pleno uso e gozo da capacidade nos negócios e atos jurídicos. Daí porque nossa afirmação anterior, segundo a qual aos empregados menores de 18 anos, emancipados, não se aplicariam os dispositivos supra mencionados.

Questão interessante, e que não parece bem se enquadrar em nenhuma das hipóteses suso mencionadas, é a da prescrição disposta no art. 440 da CLT: contra os menores de 18 (dezoito) anos, não corre nenhum prazo de prescrição.

Segundo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (ob.cit, p. 117), "...perderá o sentido lógico a regra do art. 440 da CLT (omissis), se, a partir dos dezesseis anos, ele já for emancipado pela celebração de contrato de trabalho subordinado. Neste caso, deve ser invocada a regra do art. 198, I do CC-02, que limita a não-contagem da prescrição aos incapazes do art. 3º, ou seja, in casu, justamente ao menor de dezesseis anos".

E em nota de rodapé, observam: "A única justificativa jurídica que pode ser aceita para não se considerar irremediavelmente revogada tal norma é a eventual invocação do princípio da proteção ao hipossuficiente econômico, com a regra de aplicação da norma mais favorável ao trabalhador".

Filiamo-nos em parte a este último entendimento, ao qual acrescentamos, ainda, que não apenas o critério da norma mais favorável nos socorre na busca da solução para tal antinomia entre os artigos 440 da CLT e 198, I do NCC, como também e principalmente, o critério da especialidade e da auto-suficiência da norma trabalhista. Somam-se então nada menos que 3 critérios distintos a justificar que, emancipado ou não, contra o menor de 18 (dezoito) anos não corre prescrição extintiva quanto à pretensão de ressarcimento de lesões trabalhistas:

Critério da norma mais favorável

: a norma obviamente mais favorável é aquela que mais vantagens traduz ao empregado;

Critério da especialidade

: a norma especial sobrepõe-se à geral, e nos dizeres de Maria Helena Diniz, "a norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica" (in Conflito de Normas, Ed. Saraiva, 1998, p. 39);

Critério da auto-suficiência,

por nós verificado e contido implicitamente no art. 8º da CLT, e segundo o qual a normatividade sem lacunas ou omissões dispensa qualquer remissão à fonte supletiva do direito comum.

Apesar de não se tratar o art. 440 consolidado, de norma destinada à higidez física do menor, certo é que não carece de aplicação subsidiária do direito comum, por bastar-se em si própria no comando que exara, ou seja, em sede trabalhista, a norma sob comento será aplicável mesmo sobre os demais aspectos, já que é mais favorável, é especial e é auto-suficiente, sendo causa bastante para se impedir o fluxo extintivo da prescrição trabalhista, a idade inferior a 18 (dezoito) anos.

Vimos, portanto, que restam estabelecidos sólidos critérios do desenvolvimento de um processo interpretativo e aplicativo do Direito, quando aparentemente antinômicas as regras civilistas do instituto da capacidade jurídica da pessoa natural, com as regras especiais de proteção aos menores, de modo sempre a se perquirir qual o real objeto jurídico tutelado. Assim, se for a) o menor como entidade capaz de se auto-gerir, dispor de seus bens e negociar segundo sua própria vontade, o que também atende à uma função estabilizadora das relações jurídicas, inclusive quanto a terceiros, ou se for b) o menor como organismo humano em formação, sujeito às regras especiais que preservem sua higidez em sentido lato, ou ainda quando a norma especial simplesmente detém tamanha auto-suficiência, a ponto de descartar qualquer ingerência subsidiária do direito comum.


CONCLUSÕES:

Esperamos ter conseguido expor algumas questões atinentes ao menor em face das novas regras civilistas, em especial aquelas trazidas ao campo da capacidade, formas de emancipação, caracterização da economia própria e reflexos desses institutos na órbita trabalhista. Longe de pretender esgotar o assunto, verificamos apenas algumas hipóteses de interligação das disciplinas jurídicas, bem como, procuramos estabelecer, segundo nossa ótica, alguns critérios norteadores de solução das eventuais antinomias surgidas no campo empírico das relações jurídicas.

Às considerações dos Mestres.

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Sobre o autor
Alexandre Chedid Rossi

advogado em Sorocaba (SP), atuando na área de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Alexandre Chedid. Novas regras civilistas sobre emancipação do menor e seus reflexos no Direito material e processual do Trabalho.: Análise, conceito e caracterização da economia própria derivada da relação de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 461, 11 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5791. Acesso em: 25 abr. 2024.

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