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Breves apontamentos sobre o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004

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14/10/2004 às 00:00
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3. Das definições trazidas pelo Decreto regulamentador.

O Decreto nº 5.123/04 nos traz em seu art. 3º a definição do que se deve entender por registros próprios: "Entende-se por registros próprios, para fins deste Decreto, os feitos pelas instituições, órgãos e corporações em documentos oficiais e de caráter permanente".

Em relação à classificação de arma de porte e portátil o Decreto nº 5.123/04 nada definiu, por isso teremos que buscar a definição no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105):

"Art. 3º. (...): XIV – arma de porte: arma de fogo de dimensões e pesos reduzidos, que poder ser portada por um indivíduo em um coldre e disparada, comodamente, com somente umas das mãos pelo atirador; enquadrando-se, nesta definição, pistolas, revólveres e garruchas"; (...); "XXII – arma portátil: arma cujo peso e cujas dimensões permitem que seja transportada por um único homem, mas não conduzida em um coldre, exigindo, em situações normais, ambas as mãos para a realização eficiente do disparo".

No Capítulo II, Seção I, artigos 10 e 11 do Decreto nº 5.123/04 constam as definições legais relativas a definição das armas classificadas como armas de fogo de uso permitido e armas de fogo de uso restrito, cujo teor transcrevemos:

"Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como as pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei nº 10.826, de 2003" (negritos nossos).

"Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica" (negritos nossos).

A definição legal das armas de fogo elencadas nos artigos 10 e 11 do referido decreto vem cumprir o disposto no art. 23, da Lei nº 10.826/03 que havia deixado a cargo do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército, a elaboração da referida definição.

Os artigos 12, 15 e 18 do mesmo decreto utiliza esta classificação como elemento diferenciador para a concessão de aquisição, expedição de autorização de registro, porte, etc.

Demais disto, na aplicação das penas também é utilizada a classificação (artigos 12 a 19 da Lei nº 10.826/03).

Na hipótese de prática dos crimes elencados nos arts. 17 e 18, o art. 19 prevê aumento da pena, no percentual relativo a metade, se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito. Transcrevemos os dispositivos para melhor clareza:

Art. 17. "Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, demonstrar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa". "(...)".

"Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa".

3.1. As armas classificadas como obsoletas.

Quanto a definição legal, do que deve entender-se por arma de fogo obsoleta, o Decreto nº 5.123/04 nada dispôs, apesar de fazer referência a classificação em seus artigos 2º, § 1º, inc. V e art. 14.

Dispõe o art. 49 do decreto que a classificação legal das armas são as constantes do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados e sua legislação complementar.

Logo, como o Decreto nada dispôs sobre a definição de arma obsoleta, vejamos a definição contida no art. 3º do Decreto nº 2.222/97 (atualmente revogado pelo art. 73 do Decreto nº 5.123/04):

"Art. 3º (...); § 1º Armas obsoletas, para fins desta regulamentação, são as fabricadas há mais de cem anos, sem condições de funcionamento eficaz e cuja munição não mais seja de produção comercial".

"§ 2º. são também consideradas obsoletas as réplicas históricas de comprovada ineficácia para o tiro, decorrente da ação do tempo, de dano irreparável, ou de qualquer outro fator que impossibilite seu funcionamento eficaz, e usadas apenas em atividades folclóricas ou como peças de coleção".

Segundo o art. 3º, inc. XXI do Decreto nº 3.665/2000 (decreto que dá nova redação ao R-105- Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados), entende-se por arma obsoleta "(...): arma de fogo que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, por ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso; pela sua obsolescência, presta-se mais a ser considerada relíquia ou a constituir peça de coleção"; (...)".

Em relação a obrigatoriedade do cadastro das armas classificadas como obsoletas, é importante ressaltar que o diploma legal regulamentador da Lei nº 10.826/03 em art. 2º, § 1º, inc. V e art. 14 respectivamente, dispõem: "Art. 2º. (...)". "§ 1º. serão cadastradas no SIGMA: (...); "as armas de fogo obsoletas". "Art. 14. "É obrigatório o registro da arma de fogo, no SINARM ou no SIGMA, excetuadas as obsoletas".

Pelo exposto, entendemos que o legislador após dispor sobre a obrigatoriedade de cadastro das armas obsoletas no art. 2º o fez de forma desnecessária, pois logo adiante no art. 14 concedeu a exceção a obrigatoriedade do cadastro.

Vale dizer, que os diplomas legais anteriores que versavam sobre a matéria, tais sejam: a Lei nº 9.437/97, atualmente revogada pela Lei 10.826/03, bem como o decreto regulamentador daquela, também continham ambos no art. 3º, a exceção da obrigatoriedade do cadastro às armas de fogo classificadas como obsoletas.

Ressaltemos que a Portaria Ministerial nº 341, de 02 de abril de 1981 (Ministério do Exército) dispõe que as armas: obsoletas, antigas e/ou raras e ainda aquelas que não mais apresentarem condições de uso, de quaisquer calibres, nacionais ou estrangeiras, e respectivas munições, as brancas de uso militar (baionetas, espadas, sabres, etc), poderão ser alienadas, por doação, a Museus e colecionadores devidamente registrados no SFPC Regional, desde que possam servir para preservação do patrimônio histórico e cultural do País e mediante solicitação do interessado e posterior anuência do Comando da Região Militar.

Aos colecionadores, atiradores ou caçadores é dada a faculdade de registrá-las no órgão militar competente (esta faculdade encontra amparo no art. 9º da Portaria Ministerial nº 767, de 4 de julho de 1998). Usamos o termo "faculdade" uma vez que o art. 14 do Decreto nº 5.123/04 os desobriga do cadastro como já mencionado.


4. Os requisitos exigidos para aquisição de armas de fogo de uso permitido pelo cidadão.

Conforme dispõe o art. 12 do Decreto nº 5.123/04, o interessado na aquisição de arma de fogo de uso permitido deverá:

- declarar a efetiva necessidade;

-ter, no mínimo, vinte e cinco anos;

-apresentar cópia autenticada da carteira de identidade;

-comprovar por meio de certidões de antecedentes criminais fornecidos pelos órgãos competentes, a idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal**;

-comprovar ter ocupação lícita e residência certa**;

-comprovar a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo**;

-comprovar aptidão psicológica para o manuseio, atestada em laudo fornecido por psicólogo pertencente ao quadro da Polícia Federal ou a esta credenciado**;

-expor os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido.

Em breves linhas iremos discorrer sobre alguns requisitos que entendemos merecer comentários, tais sejam: I. o relativo a idade mínima de 25 anos; II. O relativo a comprovação de idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal.

4.1. A idade mínima para que seja concedida a autorização.

O Decreto nº 5.123/04, em seu art. 12, inc. II dispõe que a idade mínima para que seja concedida a autorização é de 25 (vinte e cinco) anos. Ocorre que a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro), dispõe em seu art. 5º que a menoridade do indivíduo cessa aos dezoito anos completos.

Fazendo-se uma interpretação teleológica e lógica, em busca da finalidade e procurando reconstruir o pensamento do legislador, entendemos que ao diminuir de 21 [2] (vinte e um) anos para 18 (dezoito) a idade de aquisição da maioridade e, como conseqüência, a aquisição de habilitação para prática de todos os atos da vida civil, ele o fez na tentativa de adequar e estabilizar a relação entre o direito e realidade [3]. Vale dizer, que o Novo Diploma legal ainda dispõe sobre outras hipóteses de cessação da menoridade no parágrafo único do mesmo artigo.

A obrigatoriedade de ter no mínimo 25 (vinte e cinco) anos para que ao indivíduo seja concedida a autorização para aquisição de arma, aponta total ausência de razoabilidade, diante do preceituado no Código Civil Brasileiro [4].

O § 2º do art. 12 dispõe que o indeferimento deverá ser fundamentado e comunicado ao interessado em documento próprio. Perguntamos, como será possível fundamentar o ato de indeferimento, se este configura afronta ao direito adquirido pelo indivíduo por ocasião da aquisição da maioridade, ou seja, habilitação para a prática de todos os atos da vida civil?

O Decreto nº 5.123/04, regulamentador da Lei nº 10.826/03 é recentíssimo e, apenas diante do caso concreto poderemos verificar como serão solucionados os pontos irrazoáveis [5], na hipótese de serem argüidos pelo interessado.

4.2. A comprovação de idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal.

O art. 12, inc. IV dispõe que o interessado na aquisição de arma de fogo deverá ser comprovar por meio de certidões de antecedentes fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, a sua idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal.

A análise deste requisito será feita à luz de alguns princípios referentes ao Direito à Defesa do Cidadão, a saber: "devido processo legal" e os decorrentes, "princípio do contraditório" e "princípio da ampla defesa", bem como princípios específicos do processo penal, tais sejam: "princípio da presunção de inocência" e "princípio da verdade real".

Inicialmente, trazemos a baila, alguns dispositivos da Carta Magna de 1988 referentes ao Direito à Defesa do Cidadão:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)".

"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifamos)

LV "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"; (...)". (grifamos).

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Analisemos primeiro a exigência de comprovação de inexistência de inquérito policial.

O inquérito policial possui natureza jurídica de procedimento administrativo e caracteriza-se pela coleta de dados que irão servir de base, para oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ou para elaboração de portaria que dará início ao processo administrativo, se for o caso, não necessitando, portanto, do contraditório e ampla defesa, o que não quer dizer, conforme averba o Prof. Edgard Silveira Bueno Filho em obra elucidativa sobre a matéria [6] que a autoridade policial ou sindicante possa adotar uma postura arbitrária.

Averba ainda o autor: "(...) a rigor inexiste a necessidade de se garantir o contraditório e a ampla defesa nesta categoria de procedimento, até porque neles ainda não há acusado, como diz a Constituição na segunda parte do dispositivo em exame (art. 5º, LV). (grifamos). Assim, não havendo processo, litigante ou acusados, não se faz presente o contraditório e não se abrem ensanchas à defesa" [7].

O inquérito policial não tem por finalidade provar a verdade real sobre a culpabilidade ou não daquele que está sendo investigado, pois não poderá este, nem mesmo ser considerado como acusado [8]. O procedimento possui apenas função informativa, serve como instrumento em busca de elementos que, quando obtidos irão fundamentar a deflagração da propositura da ação penal.

Encerrado o inquérito policial serão remetidos os autos do inquérito ao juiz competente, e a autoridade policial oficiará ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos à infração penal e à pessoa do indiciado.

A partir daí, caracterizada a acusação formal, passará o investigado à condição de indiciado e, sendo assim, a ele será conferido o direito ao contraditório e a ampla defesa em cumprimento ao due process of law.

Pelo exposto, entendemos que a comprovação de inexistência de inquérito policial, para que seja concedida a autorização para a aquisição de arma de fogo, caracteriza uma forma de discriminação, pois, enquanto estiver o pleiteante da autorização, na condição de investigado, a ele não será assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa e, em decorrência, não será privilegiada a busca da verdade real, tendo este que contentar-se apenas com o alcance da verdade formal.

A manifestação de quaisquer formas de discriminação caracteriza afronta ao preceituado no art. 3º da Constituição Federal [9]:

"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". (grifamos).

Após a análise do requisito referente à comprovação de inexistência de inquérito policial, bem como reprodução dos dispositivos constitucionais pertinentes ao Direito à Defesa do Cidadão, resta-nos poucos comentários a serem feitos em relação à exigência de comprovação de inexistência de processo penal. Senão vejamos.

Os direitos e garantias fundamentais, constantes no art. 5º da Constituição Federal constituem-se em cláusulas pétreas e, dada sua importância, não podem ser modificadas, nem mesmo por meio de emendas constitucionais. É pertinente ressaltar que se incluem nesta importância também os incisos LIV e LV do mesmo artigo.

Para que a cláusula due process of law tenha seu sentido completo (eficácia formal e eficácia social), deverá ser concedida ao acusado a garantia real do processo e não apenas formal.

Portanto, concluímos que a exigência de comprovação de inexistência de processo penal, sem dar ao interessado na aquisição de arma de fogo, o direito à defesa, caracteriza um pré-julgamento em afronta aos princípios da presunção de inocência, da verdade real, bem como a cláusula due process of law disposta na Carta Magna de 1988.

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Sobre a autora
Walderês Martins Vieira

Assessora Jurídica, Bacharel em Direito pela UNICID e Mestranda pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Walderês Martins. Breves apontamentos sobre o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 464, 14 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5800. Acesso em: 24 nov. 2024.

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