4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA
Até aqui observou-se a vontade do legislador em conceder às pessoas que se reúnem com objetivos comuns a personalidade jurídica; e, as ações do mesmo legislador para impedir que essa personalidade sirva de escudo para prática atos ilícitos ou abusivos, praticado por essas mesmas pessoas físicas.
Entretanto, quando criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tinha-se em mente alcançar apenas o patrimônio da pessoa física para solver dívidas da pessoa jurídica da qual faz parte como sócio ou administrador.
Entretanto ocorre que são necessários em alguns casos que o patrimônio alcançado seja da pessoa jurídica para solver dívidas da pessoa física. Sem um instituto positivado, novamente se utiliza da analogia para solucionar mais esse conflito.
A desconsideração inversa da personalidade jurídica ocorre quando uma determinação do juiz visa alcançar o patrimônio da empresa, até que seja alcançado o limite dos bens que as pessoas físicas fraudadoras transferiram para o patrimônio da sociedade. Sempre com a constatação de que esta transferência se deu com intuito de lesar o direito.
4.1 Cabimento
Carlos Roberto Gonçalves afirma que nessas hipótese de utilização da forma inversa da desconsideração da personalidade jurídica, ocorre também o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, mas para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio. A exemplo disso, cita Gonçalves:
Na hipótese de um dos cônjuges, ao adquirir bens de maior valor, registrá-los em nome de pessoa jurídica sob seu controle, para livrá-los da partilha a ser realizada nos autos da separação judicial...
É comum verificar, nas relações conjugais e de uniões estáveis, que os bens adquiridos para uso dos consortes ou companheiros, móveis e imóveis, encontram-se registrados em nome de empresas de que participa um deles.
Não raras vezes, também, o pai esconde seu patrimônio pessoal, na estrutura societária da pessoa jurídica, com o reprovável propósito de esquivar-se do pagamento de pensão alimentícia devida ao filho.
A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica nesses casos se dá de forma inversa para resguardar os direitos de cônjuge, companheiro ou filho em virtude de abuso praticado pelo marido, companheiro ou genitor promovidos sob o véu protetivo da pessoa jurídica.
4.2 Aplicação
Tem-se observado que a aplicação destes instituto na sua forma inversa mais frequentemente nos casos de confusão patrimonial, especialmente nas partilhas de bens familiar, no dever dos alimentos e nas dívidas pessoais contraídas pelo sócio. Para Hélio Marcos de Jesus, é comum:
No dever de alimentar e no direito de família, quando o cônjuge, para burlar a partilha dos bens, faz uso da empresa para esvaziar o patrimônio do casal. Nesse sentido, têm-se três situações exemplificativas da aplicação do instituto ora em comento: patrimônio aparente, fraude no dever de prestar alimentos e, por fim, na dissolução da sociedade conjugal. A aplicação inversa do instituto no primeiro caso, quanto à confusão patrimonial, tem tido grande aceitação por parte da doutrina e jurisprudência, visto que o sócio tem constituído sociedade para "esconder" o seu patrimônio, deixando o passivo em seu nome.
Quem melhor exemplifica as aplicações desse instituto é Fábio Ulhôa Coelho, que contempla as situações mais corriqueiras do seu uso:
É comum verificar, nas relações conjugais e de uniões estáveis, que os bens adquiridos para uso dos consortes ou companheiros, móveis e imóveis, encontram-se registrados em nome de empresas de que participa um deles.
Não raras vezes, também, o pai esconde seu patrimônio pessoal, na estrutura societária da pessoa jurídica, com o reprovável propósito de esquivar-se do pagamento de pensão alimentícia devida ao filho. A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quando se configurar o abuso praticado pelo marido, companheiro ou genitor em detrimento dos legítimos interesses de seu cônjuge, companheiro ou filho, constituirá um freio às fraudes e abusos promovidos sob o véu protetivo da pessoa jurídica.
Afirma, inclusive que a “desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família.” Quando na “desconstituição do vínculo de casamento ou união estável, a partilha dos bens comuns pode resultar fraudada”.
Percebe-se que um cônjuge, para não prestar contas de patrimônio adquirido na constância do casamento ou da união estável, transfere seus patrimônios para a pessoa jurídica prevendo que em eventual separação e partilha não tenha que dividir o referido patrimônio que é administrado por ele. Para Ulhôa, “o cônjuge preocupado com a partilha judicial, retira-se da sociedade às vésperas do intento separatório, transferindo a sua participação para outro sócio.
Após a separação judicial, ele retorna à empresa e à livre administração dos bens que eram comuns ao casal.” Esta atitude se estende aos filhos e aos credores que por ventura o sócio tenha, tendo por pano de fundo o mesmo objetivo.
Eis a justificativa para inverter a desconsideração da personalidade jurídica. Antes de tudo para coibir atos aparentemente lícito que ao fim vislumbra a prática de atos ilícitos ou abusivos. Além da intenção de impedir tais atos e, não sendo possível, resguardar direito de terceiro alcançando o patrimônio dos responsáveis pelo abuso ou fraude, cometidos não pela pessoa jurídica, mas pela pessoa física do sócio.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A personalidade jurídica foi criada para permitir que pessoas com interesses comuns pudessem participar da vida civil, com direitos e obrigações, sem obstáculos e de forma mais rápida, segura e prática. Não obstante, aqueles que insistem em conduzir suas vidas à margem da lei, se utilizam dessa personalidade para praticar atos lesivos e abusivos a direitos de terceiros.
Para proteger o direito dos indivíduos que contraem negócios com as pessoas jurídicas, especialmente quando os sócios estão protegidos pelo véu dessa personalidade, o código civil, entre outros, criou o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, intentando alcançar os bens daqueles responsáveis pela fraude. Entretanto, este instituto tinha ainda mais a oferecer, quando foi percebido que outro tipo de fraude ocorrera com o mau uso da personalidade jurídica.
Surge então a possibilidade de inversão do alcance da desconsideração da personalidade jurídica, dessa vez para alcançar o patrimônio da pessoa jurídica, ao invés da pessoa física. Isto se dá porque alguns indivíduos, para tentar sonegar o adimplemento de alguma dívida, ou alienar o cônjuge, companheiro ou filhos de seu patrimônio, o transfere para a sociedade da qual faz parte.
Este instituto tem sido criado e recriado para resguarda a vida socioeconômica dos indivíduos, seus direitos e obrigações e tem cumprido com esse papel sempre que utilizado de forma adequada pelos tribunais.
REFERÊNCIAS
CLAUS, Ben-Hur Silveira. A Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica na Execução Trabalhista e a Pesquisa Eletrônica de Bens de Executados. Disponível em: http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista_Eletronica/2013/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%20n.%20156.pdf
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COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas – 9. ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro; vol. 2: teoria geral obrigações — 22. ed . rev. e atual , deacord o com a Reforma do CPC — São Paulo: Saraiva, 2007
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
JESUS, Hélio Marcos de. A desconsideração inversa da personalidade jurídica. Artigo escrito ao Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento, disponível em:http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/desconsidera%C3%A7%C3%A3o-inversa-da-personalidade-jur%C3%ADdica-0
MAMEDE, Gladston. Empresa e atuação empresarial; Falência e recuperação de empresas; v. 4. São Paulo: Atlas, 2014.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial / Atual. Carlos Henrique Abrão – 37. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.