Violência doméstica contra a mulher e a inserção do feminicídio como qualificadora do homicídio

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4        A INSERÇÃO DO FEMINICÍDIO COMO QUALIFICADORA DO HOMICÍDIO

Apesar da evolução visível da posição da mulher na sociedade e dos avanços obtidos na legislação brasileira para proteção destas, como é o caso da Lei Maria da Penha, os homicídios de mulheres continuam aumentando, sendo que grande parcela desses delitos é passional.

Amargamente, as mulheres continuam sendo assassinadas por seus maridos, companheiros ou namorados, bem como ex-maridos, ex-companheiros ou ex-namorados. O feminicídio é um tipo de violência que não é passível de ser resolvido unicamente pela Lei Maria da Penha, necessitando de um tipo penal mais rigoroso.

Em virtude disso, foi aprovada e sancionada a Lei n° 13.104, de 09 de março de 2015, a qual altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

Assim, de acordo com o artigo 121, § 2o, VI, o homicídio passa a ser qualificado quando praticado ‘‘contra a mulher por razões da condição de sexo feminino’’. Essa condição envolve duas situações: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Ainda, de acordo com o artigo 121, § 7o 

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

Além do Brasil, o feminicídio é reconhecido, seja como tipo penal específico ou como qualificadora do homicídio, em oito países da América Latina, quais sejam, Costa Rica, Guatemala, Colômbia, El Salvador, Chile, Peru, Nicarágua e México (citar).

No Brasil, apesar dos avanços alcançados com a efetivação da Lei Maria da Penha, ainda não houve o reconhecimento do feminicídio, seja como tipo penal ou como qualificadora.

Os demais países, em que o feminicídio já foi tipificado, inovaram com descriminações positivas, visando proteger os hipossuficientes possuidores de bens jurídicos penalmente relevantes, no caso, a vida (ZAFFARONI, 2015).

Não há que se duvidar que tanto a violência doméstica quanto o feminicídio, este, na grande maioria das vezes consequência do primeiro, são um grave problema, seja em âmbito nacional ou mundial. Para tentar solucionar e mitigar tais conflitos, foram criadas leis de proteção de gênero nacionalmente e internacionalmente.

 Mas é necessário que se tomem novas providências, como as tomadas pelos países mencionados, no sentido de prevenir o homicídio de mulheres, bem como de punir aquele que vir a cometer o delito. Além da precaução, pretende-se salvaguardar a vítima desse tipo de violência.

A mulher sempre esteve em uma situação de inferioridade em relação ao homem e em caráter de subordinação permanece ao longo dos anos. Identificando tal problema, não só no Brasil, mas em diversos países, muitos documentos internacionais procuraram assegurar a igualdade tão desejada entre homens e mulheres.

A primeira tentativa para tanto, no Estado brasileiro, foi a Constituição Federal de 1988, mas esta, não obteve o sucesso esperado. Ainda hoje verificamos diversas situações de desigualdade entre os gêneros. Por sua vez, a CPMI da Violência Contra a Mulher visa atingir essa igualdade tipificando o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio (RABINOWCZ, 2015).

Esta tipificação, vista como controle jurídico, deve ser exercida a fim de impedir “determinados comportamentos sociais considerados indesejáveis, valendo-se da imposição ou da ameaça da imposição das mais diversas sanções em caso de conduta incompatível com a norma”.

A lei penal, ao incriminar certa conduta, passa a considerar determinadas circunstâncias subjetivas ou objetivas que apontam este comportamento como delituoso, seja este mais ou menos grave. Assim sendo, a tipificação pode se dar através da configuração de um crime específico ou pode surgir com uma majoração, como no caso em concreto, ou atenuação de crime já tipificado no ordenamento jurídico (HUNGRIA, 2016).

Como já mencionado, ao falarmos na tipificação do delito de feminicídio, estamos dando destaque à criação de qualificadora de crime já existente, na tentativa de alcançar os anseios sociais e o interesse público. Ou seja, o Direito Penal tende a prevenir a violência de gênero, como o homicídio de mulheres, acautelando e evitando danos individuais e coletivos derivados desse tipo de violência (OLIVEIRA, 2015).

Dessa forma, estaremos falando de um direito útil para as mulheres, capaz de concedê-las a justiça social e a liberdade de que necessitam, diante de um sistema baseado no patriarcado.Essa nova concepção de direito, por sua vez, deve estar atrelada aos direitos fundamentais das mulheres, vislumbrando a dignidade da pessoa humana. Dentre os direitos fundamentais a serem atendidos estão o direito à vida, evidentemente, os direitos de imunidade e de liberdade e, por fim, os direitos sociais (CAPEZ, 2015).

Quando a Declaração Universal de Direitos Humanos sabiamente procedeu ao reconhecimento do direito à igualdade às mulheres, criou um padrão a ser seguido por todos os Estados que se interessem em manter a necessária equiparação entre homens e mulheres. De outro lado, a Organização Mundial de Saúde também fala do direito ao viver com dignidade, com a preservação de sua integridade física e moral (CAMPOS, 2016).

Ações democráticas como esta proposta pela CPMI da Violência contra a Mulher visam a transformar a situação de desigualdade existente entre homens e mulheres em igualdade.

Vale ressaltar que a violência contra as mulheres não é questão a ser debatida fora do Direito Penal, pois isso apenas ressaltaria a relação de poder existente por parte dos homens sobre as mulheres.

Dessa forma, tem-se que o Direito Penal, em acordo com os princípios constitucionais, deve possibilitar ao Estado, bem como à sociedade, que se empenhem na busca de soluções para as situações de violência contra as mulheres e de violação de seus direitos, resolvendo tais conflitos e problemas sociais através de respostas justas e adequadas. Trata-se, portanto, de uma resposta possível, como seria a introdução da qualificadora feminicídio no crime de homicídio.

Não é dúvida de que a violência contra a mulher e o homicídio desta é uma ofensa à dignidade humana, demonstrando a desigualdade ainda existente entre homens e mulheres. Ademais, a violência masculina no casal pode ser vista, também, como um problema de saúde pública, que acaba por ofender os direitos fundamentais (LIMA, 2015).

Sendo assim, a luta contra a desigualdade entre os gêneros vai ao encontro da reivindicação dos direitos fundamentais. Portanto, o Direito Penal não só deve defender as pessoas contra os delitos, mas também tem que garantir os direitos individuais, que são então limites ao poder punitivo. No exercício da faculdade punitiva do Estado, o legislador deve inclinar à realização de seus fins sociais, e, entre eles, o de assegurar a vigência de uma ordem justa (SUECKER, 2012).

Outrossim, a iniciativa do legislador deve buscar a aplicação da pena compatível ao crime e à prevenção de novos delitos.   Importante é que um Direito Penal eficaz deve cuidar de que se conheçam bem as características do infrator e vítima, ponderando das condições e circunstâncias em que realizaram suas ações e omissões, impondo assim a medida mais justa com uma eficiente adequação da sanção. Nesse sentido, tal determinação da pena no Direito Penal se traduz na adequação da sanção, a qual supõe que se tomem em conta as circunstâncias concretas que individualizam cada feito delitivo (AFFONSO, 2015).

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As soluções dadas pelo Direito Penal não podem fugir do contexto social em que nos encontramos, mas sim, deve reconhecer quais os bens a serem tutelados e quais as reais necessidades da sociedade, a fim de diminuir os níveis de marginalização.

O homicídio é punido de maneira mais severa que outros delitos. Essa sanção majorada é realizada em todos os povos, desde as épocas mais remotas. Fato é que não poderia ser diferente, tendo em vista o bem tutelado neste caso. Uma vez o feminicídio sendo uma qualificadora do delito de homicídio, certo é que a pena cominada para tanto deve ser superior à pena cominada para o crime de homicídio simples.

A atualização do Código Penal até então descrita demonstra que o Direito Penal deve estar sempre atento às circunstâncias do delito e entre elas estão as mudanças sociais. Nesse sentido, o Direito Penal precisa evoluir e adaptar-se a essa nova realidade, visto que a mulher ainda não se encontra totalmente protegida pelo Direito Penal (GRECO, 2016).

Ou seja, além de impor à sociedade que respeite e obedeça a lei, o Direito Penal deve se adequar aos fatos sociais, descrevendo como crime apenas as situações que realmente põem em risco bens jurídicos fundamentais.

O princípio da igualdade deve, nos termos da Constituição Federal, ir além de uma igualdade formal, a fim de buscar uma igualdade material. E como não pode deixar de ser, o Direito Penal não pode virar as costas a esse princípio, sob pena de desrespeitar a Carta Magna.

A igualdade formal parte das semelhanças entre as pessoas, enquanto que a igualdade concreta deve focar as diferenças, o objetivo final do preceito, considerando o objetivo do interesse público e da paz social. Deve existir um respeito à diversidade, com reconhecimento de identidades e circunstâncias (ALMEIDA, 2015).

Para a igualdade formal, todos são considerados iguais, uma vez que a lei é igual para todos. Entretanto, tendo em vista que o homem exerce poder sobre a mulher, esse tipo de igualdade não é viável. Como mencionado, o Direito deve buscar a igualdade material entre os gêneros.

Como já referido, de fato, existe uma desigualdade entre homens e mulheres, seja frente ao Direito Penal, na estrutura social ou na escala de poderes, o que demonstra uma fragilidade merecedora de atenção. Seria um erro deixar essa mulher explorada, muitas vezes escravizada, a própria sorte, condenando-a à morte.

A cultura patriarcal tem sido internalizada pelo ser humano desde que nasce, menino ou menina. Deve-se ir além do sistema penal, na busca de estratégias justas e eficazes, a fim de proteger bens jurídicos e direitos e prevenir situações de violência. O Direito deve estar pautando não numa separação de gêneros, como tem se busca, mas numa unificação destes.

Criar delitos e aumentar penas não resolve. Logo a sociedade estará clamando por novos tipos penais e penas ainda maiores. O problema, com certeza, não será solucionado apenas pelo Direito.

Ademais, assegurar tanto aos homens quanto às mulheres, de maneira igualitária, um Poder Judiciário e um Poder Legislativo sérios e comprometidos, com certeza trará resultados mais diligentes que a situação proposta.

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Sobre o autor
Atílio Paulo Rodrigues dos Santos

Acadêmico do 10º período do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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