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Artigo 741, parágrafo único do CPC.

Interpretação à luz da Constituição Federal

25/10/2004 às 00:00
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O parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, com redação dada pelo artigo 10 da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, assim se enuncia:

"Parágrafo único – para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal".

Conforme a redação do parágrafo único, acima transcrita, não basta que a decisão do Supremo Tribunal Federal seja diferente da proferida na decisão judicial que perfaz o título executivo, para que se considere referido título inexigível.

Se, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidisse que os trabalhadores não têm direito a determinados reajustes, por ausência de direito adquirido, isso não tornaria inexigível título judicial que determinasse tais reajustes num caso concreto.

Diferente seria se o Supremo Tribunal Federal decidisse que a concessão dos referidos reajustes é inconstitucional, porque fere tal ou qual dispositivo da Constituição Federal, ou porque fere a aplicação ou interpretação que se deve dar à Constituição Federal.

Portanto, para aplicar-se o parágrafo único do artigo 741 do CPC é condição necessária que a decisão do Supremo Tribunal Federal contenha declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que se funda o título executivo judicial, ou que expressamente explicite que tal aplicação ou interpretação em que se funda o título são tidas, no caso, por incompatíveis com a Constituição Federal.

Fora dessa conformação específica, não há subsunção do fato à norma, restando inaplicável o referido parágrafo único do artigo 741 do CPC.

Afirma a doutrina que há normas que devem ser interpretadas restritivamente, "quando houver motivo sério para reduzir o alcance dos termos empregados, quando a razão fundamental da norma se não estender a um caso especial." (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 247, Forense, 1998).

A norma do referido parágrafo único é daquelas que se encaixam nessa exegese, uma vez que intenta tornar inexigível título judicial, produzido em consonância com o devido processo legal, o que por si já é motivo sério para reduzir o alcance dos termos da norma.

Não é possível ampliar o sentido da norma para alcançar hipóteses (decisões do Supremo) que estritamente não se subsumam à previsão legal. Ou seja, se as decisões do Supremo Tribunal Federal não se enquadram na previsão legal, não há como incidir o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil.

Outras razões impõem a interpretação restritiva do referido parágrafo único.

A Medida Provisória nº 2.180-35, que dá a redação do parágrafo único do artigo 741 do CPC, trata de matéria processual. A possibilidade de medida provisória tratar de matéria processual, mesmo quando editada sob o regime anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, nem de longe é pacífica.

Basta lembrar o que já decidiu o STF em caso semelhante, sob o mesmo regime anterior, em entendimento que restou solidificado, tanto que deu ensejo à norma constitucional, introduzida posteriormente pela mencionada Emenda.

Trata-se de acórdão na ADin nº 1.753-2/DF, em que foi deferida medida cautelar para suspensão de dispositivos da medida provisória 1577-6, em que tal circunstância foi evidenciada, merecendo destaque os trechos a seguir:

Do voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (Rel.):

"Mas de duas, uma: ou há coisa julgada ou não há.

Se ainda não há coisa julgada, a presunção há de ser a de possibilidade de reverter a decisão ainda pendente de recurso, cuja absurdez se teme.

Se, ao contrário, já se formou coisa julgada – além da casuística, o que lhe pode custar a irrogação de outros vícios – a medida provisória já não pode alegar urgência, porque terá chegado tarde demais...

... é que à aplicação da lei nova se pode ainda opor, com seriedade, o constituir forma de enfraquecer a coisa julgada anterior com fraude ao princípio constitucional que a protege...

...Finalmente, dada a impossibilidade da aplicação de uma às sentenças já transitadas em julgado e a dúvida existente quanto à aplicabilidade da outra aos prazos em curso, somadas à plausibilidade de argüição de invalidez, é patente a conveniência da suspensão cautelar de eficácia de ambas as normas..."

Do voto do Senhor Ministro Maurício Corrêa:

..."Estou de pleno acordo com o voto do eminente Min. Sepúlveda Pertence, mas quero anunciar a minha adesão, hoje, à tese que tenha como pressuposto o exame de relevância e urgência quando se tratar de ação direta de inconstitucionalidade versando sobre medida provisória, em casos como o presente. Não me parece adequado, nem razoável, haja esse excesso de emissões de medidas provisórias, sobretudo quando se trata de tema dessa natureza em que, flagrantemente, não se presencia a urgência.

Quero, portanto, dizer que estou de pleno acordo com as observações contidas no voto do eminente relator, especificamente no que tange a esses valores extrínsecos, tidos como abstratos até agora, contidos no art. 62 da Constituição Federal, no que diz respeito à relevância e urgência"...

Do voto do Senhor Ministro Marco Aurélio:

"...estamos diante de uma medida provisória que já deve encontrar-se, pelo menos, na sexta ou sétima versão. Esse dado, para mim, já seria suficiente ao deferimento da liminar.

Por mais que examine a Constituição Federal com bons olhos, com os olhos voltados à flexibilidade, à necessidade de o governo atuar normativamente ao implemento de uma certa política, não encontro base para agasalhar a sistemática reedição de medidas provisórias no curso de idêntica sessão legislativa.

E mais: os predicados de relevância e urgência estão previstos no art. 62 da Constituição Federal, de que esta Corte é guarda como um grande todo. Logo, cabe-lhe perquirir – e se admite, até mesmo, o controle de atos discricionários quanto ao motivo, à finalidade, à razão da prática – se, na espécie, concorreram, ou não, esses dois requisitos previstos no art. 62 da Constituição Federal. E a toda evidência não concorreram.

A medida provisória objetivou alterar o Código de Processo Civil. Penso que a alteração de normas instrumentais não se faz em regime de urgência, principalmente que são normas que vigoram desde 1973"...

..."Outro aspecto a ser levado em conta é que a medida provisória acaba por criar novo requisito, nova possibilidadde de propositura da rescisória que está umbilicalmente ligada à questão de mérito. O que se pretende, na verdade, com essa nova via é rejulgar a própria demanda, projetando-se no tempo, a mais não poder, o cumprimento dos precatórios, relativamente a uma sentença trânsita em julgado"...

Do voto do Senhor Ministro Carlos Velloso (Presidente):

"Registro que, no que toca aos requisitos de relevância e urgência, O Supremo Tribunal Federal admite, em princípio, o seu exame; ADIn 1.397, Velloso, RDA 210/294; ADIn 1.647-PA. O que precisa ficar acertado é que, porque esses requisitos – urgência e relevância – constituem questões políticas, o seu exame corre por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, em princípio. Todavia, se a urgência ou a relevância evidenciar-se improcedente, o Tribunal deve dar pela ilegitimidade constitucional da medida provisória.

A medida provisória do art. 62 da Constituição de 1988 inspirou-se no decreto-lege da Constituição italiana, art. 77, que também exige o requisito da urgência. Em casos extraordinários de necessidade e urgência, o governo, por sua responsabilidade, pode tomar providências provisórias com força de lei – provvedimenti provvisori con forza di legge (art. 77 da Constituição da Itália). Paolo Biscaretti di Ruffia, dissertando a respeito do tema, ensina que, se se evidenciar a falta de urgência, terá o legislador praticado o que os administrativistas denominam de excesso de poder, excesso de poder de legislar, no caso. Registra Biscaretti di Ruffia que o Tribunal Constitucional dará, em tal caso, pela ilegitimidade da medida provisória (p. Biscaretti di Ruffia, Derecho Constitucional, tradução de Pablo Lucas Verdú, Ed. Tecnos, Madri, 1973, p. 496).

Assim, na pátria da medida provisória, na Itália, o requisito de urgência deve ser examinado pelo Tribunal Constitucional.

Com essas breves considerações, acompanho o voto do Sr. Min. Rel.".

De sorte que, consoante o próprio Supremo Tribunal Federal em hipótese assemelhada, pode mostrar-se duvidosa a constitucionalidade da referida medida provisória. Ou seja, não se pode alegar, a pretexto de aplicar desmedidamente a norma do parágrafo único do artigo 741 do CPC, que tal norma é tida pacificamente como constitucional.

Como mencionado, a Emenda Constitucional nº 32 trouxe nova redação ao artigo 62 da Constituição Federal, limitando a possibilidade de editar e reeditar medidas provisórias e limitando as matérias sobre as quais pode versar uma medida provisória, quedando vedada a edição de medida provisória relativa a direito processual civil.

O artigo 2º da Emenda, dispondo que as medidas provisórias editadas em data anterior à da sua publicação continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional, não pode implicar o afastamento judicial de tal controle, não podendo ser tido como referendo de constitucionalidade das medidas provisórias pretéritas, de modo que mesmo em controle difuso pode ser apreciada a constitucionalidade do referido artigo 10 da Medida Provisória 2180-35.

Acrescente-se, ainda, que o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil foi em verdade incluído no texto legal pela Medida Provisória nº 1.984, na reedição nº 17, em 4 de maio de 2000, mantida sua redação na atual Medida Provisória 2.180-35, mas que a norma inserta no referido parágrafo estava sendo veiculada por outra "série" de medidas provisórias, a de número 2.027, que se referia a leis sobre desapropriação. Deve-se notar, portanto, que as normas "pulam" de uma série de medida provisória para outra. Com a mudança da norma de uma série para outra, com ementas que não traduzem o conteúdo das normas, enfim, com imposição de norma por ato presidencial, causando surpresa e perplexidade, abalando a segurança jurídica, sem a transparência necessária, mostra-se ofendido também o princípio da publicidade dos atos da Administração Pública.

Também de notar-se, na evolução histórica da referida medida provisória, o desatendimento do critério estabelecido quanto à otimização da produção normativa brasileira pela Lei Complementar nº 95/98, que veda o tratamento de temas diversos em uma só medida provisória. 1

A finalidade a que se destinam as medidas provisórias tem sido desvirtuada, uma vez não se encontrarem presentes, mesmo no caso do referido artigo 10 da Medida Provisória nº 2180-35, o estado de necessidade legislativo, ou seja, os requisitos de relevância e urgência exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal. Não é razoável alegar relevância e urgência na modificação de instrumento legal procedimental, instituído há mais de 30 anos, notadamente quando visa a atingir a coisa julgada, aliás como já entendeu o Supremo Tribunal Federal, no acórdão retrocitado.

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Tal questionamento também impõe que se restrinja a aplicação da norma legal em análise.

Outra questão importantíssima refere-se ao fato de o dispositivo legal não deixar claro se as decisões paradigmas do Supremo Tribunal Federal são aquelas proferidas em sede de controle concentrado ou as proferidas em controle difuso.

Interpretando-se o ordenamento jurídico como um sistema, a melhor exegese impõe que se restrinja a aplicabilidade da referida norma aos casos de decisões a que se possa atribuir caráter erga omnes, ou seja, as proferidas em sede de controle concentrado (ação direta de inconstitucionalidade e ação direta de constitucionalidade), e as proferidas em sede de controle incidental pelo Supremo Tribunal Federal, quando objeto de resolução do Senado Federal.

Nos termos do Código de Processo Civil, a coisa julgada torna imutável e indiscutível a sentença (artigo 467), que tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (artigo 468), além de que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas (artigo 471). A Lei Processual Civil também veda que decisões proferidas em processos possam beneficiar ou prejudicar terceiros que deles não tomaram parte (artigo 472).

Os citados dispositivos legais são normas vigentes, do atual ordenamento jurídico brasileiro. Sua inobservância, com a aplicação desmedida do referido parágrafo único do artigo 741, implica ofensa ao devido processo legal, tanto no sentido processual como no substancial, ofendidos os ditames da razoabilidade e da proporcionalidade.

Não se olvide que citada norma, provavelmente casuística, foi introduzida no ordenamento sem debate legislativo, impondo, em simbolismo não exagerado, que sejam "rasgadas" as decisões judiciais proferidas no contexto jurídico vigente, tornando-as inexigíveis, inúteis, após árduos anos de tramitação. Trata-se de flagrante ofensa ao equilíbrio harmônico dos Poderes.

A inutilização de provimentos jurisdicionais, tornando inexigíveis títulos judiciais proferidos no exercício do devido processo legal, que presumem o contraditório e a ampla defesa, ofendem os princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da inafastabilidade do Judiciário, malferindo fundamentalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Ademais, a declaração de inconstitucionalidade de lei, ato normativo ou sua interpretação ou aplicação não pode retirar a exigibilidade de título executivo nos casos em que a sentença condenatória válida que o formou já transitou em julgado. É a própria Constituição Federal, no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, que protege a coisa julgada. Na referida ADin nº 1.753-2/DF, o Supremo Tribunal Federal assim já se posicionou, em hipótese semelhante (ampliação de prazo para ação rescisória pela Fazenda Pública), preservando a intangibilidade da garantia constitucional da coisa julgada.

O sentido e alcance da referida norma só pode ser o de afastar decisões teratológicas, absurdas, totalmente irrazoáveis, que possam ser tidas por nulas de pleno direito, portanto sua aplicabilidade deve ficar restrita a essas hipóteses, como medida excepcionalíssima no sistema, não podendo virar-se contra o ordenamento jurídico, o exercício pleno da cidadania, a luta pelo Direito preconizada por Ihering, do qual o Judiciário é perene baluarte.

Nesse sentido, podem ser citados os seguintes julgados:

"Transitando em julgado a sentença de mérito proferida no processo de conhecimento, sua nulidade não poderá ser alegada em embargos à execução, salvo na hipótese de inexistência jurídica da sentença ou no caso de nulidade de citação no processo de conhecimento, se este correu à revelia (JTA 103/266, 125/444)"

"Nos embargos à execução não cabe alegar que a sentença exeqüenda se fundou em lei posteriormente declarada inconstitucional" (STF-RJTJESP 47/225).


Conclusões:

1) A norma do parágrafo único do artigo 741 do CPC deve ser interpretada restritivamente;

2) A decisão do Supremo Tribunal Federal, de modo a aplicar-se o referido parágrafo único, deve:

a) conter explícita declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que se funda o título executivo judicial, ou que expressamente explicite que tal aplicação ou interpretação em que se funda o título são tidas, no caso, por incompatíveis com a Constituição Federal;

b) ter caráter erga omnes, ou seja, proferida em sede de controle concentrado, ou, se em sede de controle incidental, deve ser objeto de resolução do Senado Federal;

3) não se pode alegar, a pretexto de aplicar desmedidamente a norma do parágrafo único do artigo 741 do CPC, que tal norma é tida pacificamente como constitucional;

4) o sentido e alcance da referida norma só pode ser o de afastar decisões teratológicas, absurdas, totalmente irrazoáveis, que possam ser tidas por nulas de pleno direito, portanto sua aplicabilidade deve ficar restrita a essas hipóteses, como medida excepcionalíssima no sistema, não podendo virar-se contra o ordenamento jurídico.

Assim, se ausentes as hipóteses excepcionalíssimas ensejadoras da aplicação do referido parágrafo único do artigo 741 do CPC, tal dispositivo não pode ser invocado para alegar a inexigibilidade do título executivo judicial, sob pena de afronta a princípios maiores, ínsitos ao próprio Direito Constitucional.

1- A respeito da análise e evolução histórica da Medida Provisória nº 1.984, recomenda-se a obra de Cassio Scarpinella Bueno (O Poder Público em Juízo, Max Limonad, 2000), a que se remete o leitor, como referência bibliográfica, para o aprofundamento necessário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Artigo 741, parágrafo único do CPC.: Interpretação à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5808. Acesso em: 24 nov. 2024.

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