A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal à luz da dignidade da pessoa humana

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A discussão sobre a redução da maioridade penal sempre causa polêmica. Afinal, ela violaria ou não a dignidade da pessoa humana para atingir uma finalidade estatal? Saiba um pouco mais sobre isso.

I Introdução

A discussão sobre a redução da maioridade penal tem causado grandes debates, tanto no meio jurídico quanto no meio social. Há inúmeros artigos, pesquisas e estudos que vieram após a PEC 171/93 no sentido de demonstrar os pontos positivos e negativos dessa problemática situação.

Neste liame, o presente estudo visa a opinar sobre a inconstitucionalidade dessa redução, tendo em vista que, com essa alteração, o poder público estaria violando a dignidade da pessoa humana para atingir uma finalidade estatal. E, tal medida está de uma clareza solar, bafejada pelo mal hálito da inconstitucionalidade.

A Constituição Federal, em seu artigo 228, fala sobre a inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos. Com isso, esse dispositivo, mesmo não estando arrolado no artigo 5º da presente Carta, é um direito individual, portanto, está sob a égide do artigo 60 § 4º, IV da Carta Magna, ou seja, é uma clausula pétrea e, por conseguinte, não pode ser alterada. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que há cláusulas pétreas fora do rol do artigo 5º da Lei Maior, como por exemplo, o artigo 150, III, b, na ADIM, 939-7/DF.


II Limites ao Poder Constituinte Reformador

Conforme leciona Bernardo Gonçalves[2], o poder constituinte derivado reformador, encontra alguns obstáculos, sendo eles: Limites formais subjetivos, artigo 60, I, II, III da CRB/88 envolvendo a legitimidade de inciativa de proposta para emendar a Carta Magna

Limites formais objetivos, artigo 60, parágrafos 2º, 3º e 4º da CRB/88. Nesses artigos estão os procedimentos objetivos que determinam como deve ocorrer todo o transcorrer da emenda à Constituição da República federativa do Brasil.

Limites circunstanciais, artigo 60, parágrafo 1º da CRB/88. Em determinadas circunstâncias de desequilíbrio não haverá alteração da Constituição. Nesses termos, a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

E, por último, limites materiais, que se dividem em explícitos, ou seja, está contido, expressamente no artigo 60, parágrafo 4º. E limites implícitos, que são aqueles que, mesmo não estando no rol do artigo 60, parágrafo 4º, são consideradas matérias que também não podem ser suprimidas, como, por exemplo, a impossibilidade de revogação dos princípios fundamentais da república contida nos artigos 1º a 4º da lei Maior e no caso em questão o artigo 228 da CRF/88.


III Restrição dos Direitos Fundamentais e a Dignidade da Pessoa Humana

É salutar, para o referido estudo, o conhecimento sobre a restrição dos direitos fundamentais, entendendo por restrição, basicamente, aquilo que prejudique um direito fundamental, eliminando, reduzindo ou dificultando o acesso a ele.

Ao ler a Carta Magna, rapidamente, identificamos limitações aos direitos fundamentais, como se extai do artigo 5º a seguinte redação:

"Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei."

Percebe-se, portanto, que os direitos fundamentais podem sofrer limitações. A problemática está no alcance dessas restrições. E, mesmo existindo, proteção ao núcleo essencial e a técnica da máxima proporcionalidade, entendemos que a alteração da maioridade penal, terá alterado sim o núcleo essencial, que por derivação consubstancia-se na dignidade da pessoa humana. E também, sobre a ótica da máxima proporcionalidade, entendemos, que a alteração acarretaria mais prejuízos que benefícios a toda sociedade.

A dignidade da pessoa humana está esculpida em nossa Constituição em seu artigo 1º, III. Sendo um princípio fundamental. Ingo Wolfgang Sarlet[3], um dos grandes expoentes da dignidade da pessoa humana aqui no Brasil, propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos’’.

Importante destacar que pode estar ocorrendo, no presente caso, um choque entre um interesse público primário consubstanciado em uma meta coletiva, justiça, segurança e paz social e o interesse público primário que se realiza mediante a garantia de um direito fundamental. O menor de dezoito anos está sobre o manto da inimputabilidade na atual Carta Maior, não podendo, portanto, sofrer alteração. O conflito em questão poderia ser solucionado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Luiz Roberto Barroso[4], explana muito bem essa problemática colisão de interesses públicos, vejamos:

“O outro parâmetro fundamental para solucionar esse tipo de colisão é o princípio da dignidade humana. Como se sabe, a dimensão mais nuclear desse princípio se sintetiza na máxima kantiana segundo a qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo. Essa máxima, de corte antiutilitarista, pretende evitar que o ser humano seja reduzido à condição de meio para a realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. Assim, se determinada política representa a concretização de importante meta coletiva (como a garantia da segurança pública ou da saúde pública, por exemplo), mas implica a violação da dignidade humana de uma só pessoa, tal política deve ser preterida, como há muito reconhecem os publicistas comprometidos com o Estado de direito’’.

Fica entendido, portanto, que a redução da maioridade penal, estaria utilizando o ser humano, no caso os menores prejudicados com a redução da maioridade penal, como meio para atingir uma finalidade primaria do Estado, qual seja: justiça, segurança e paz social. Deste modo, o Estado estaria violando o princípio da dignidade da pessoa humana. Sobre essa ótica, a inconstitucionalidade dessa alteração é palpável e deve ser reprimida.


IV Punição aos menores infratores

Há no Brasil um instrumento muito importante no que tange a punição dos menores infratores, não precisando; deste modo, que haja uma redução da maioridade penal para uma repreensão, pois já existe isso em nossa legislação pátria que é a lei nº 8069/90, chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

A presente lei, tem como aspecto principal, a reeducação do menor, portanto, o caráter desta lei é mais educativo do que repressivo. Deste modo, percebe-se que é equivocado dizer que não há punição para menores, pois há. Contudo, além da punição, as medidas socioeducativas buscam proteger a criança e adolescente, incentivando a recuperação daquele que escolheu o caminho errado por vários fatores conjunturais e estruturais.

No que tange ao aspecto prático da redução da maioridade penal, percebeu-se que, em 54 países que reduziram a maioridade penal, não se registrou redução da violência. Inclusive, a Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Portanto, reduzir a maioridade penal é agir equivocamente e precipitadamente.


V Países que reduziram a maioridade penal e não obtiveram redução da criminalidade

A Inglaterra, alterou a maioridade penal, reduzindo-a para 10 anos, pois até 1998 a inimputabilidade penal era para menores de 14 anos. Porém, estudos estatísticos revelaram que, mesmo após 25 anos da referida alteração, a quantidade de crimes continuou o mesmo.

Na Geórgia, nos Estados Unidos, reduziram a maioridade penal de 14 para 12 anos em junho de 2008. A presente mudança valia para os crimes de lesão corporal grave, assalto, estupro e crimes com circunstâncias agravantes. No entanto, devido a ineficácia, foi revogada em 2010 a medida, voltando a maioridade penal para 14 anos.

A redução da maioridade penal na Espanha de 18 para os 16, feita no século passando, não perdurou por muito tempo, pois novos debates e números desfavoráveis a medida, gerou a alteração novamente da idade penal para 18 anos em 1995.

Não há fato concreto que ligue a redução da maioridade penal a diminuição da criminalidade, fazendo isso, estaríamos eliminando a causa errada e acima de tudo violando a dignidade da pessoa humana.

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VI Conclusão

Evidencia-se, portanto, a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal, violando taxativamente clausula pétrea resguarda pela nossa Lex Mater, artigo 60, parágrafo 4º, IV. Além disso, essa alteração produziria mais problemas que soluções, principalmente no sistema penitenciário brasileiro.

Cumpre ressaltar que o Brasil tem a quarta[5] maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Rússia, China e Estado Unidos. Com a redução da maioridade penal, o sistema penitenciário brasileiro viraria um caos completo. Não há cadeias suficientes para os imputáveis, imagina para os que hoje são inimputáveis.

Neste diapasão, percebe-se que a redução da maioridade penal ocasionará, mais prejuízos que benefícios a sociedade. O ECA é uma excelente lei que precisa apenas ser mais efetivada pelos órgãos públicos. Com isso, os menores infratores não ficam impunes, como a mídia reitera várias vezes na televisão, estão sim sendo punidos, mas pelas normais especiais que a Constituição assegura a eles. E, por isso, é importante lembrar da sábia frase de Pitágoras: “Educai as crianças e não precisarás punir os homens.’’


VII REFERÊNCIAS

Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 3º edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

__________. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. Ed. Rev. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo:os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo-SP: Saraiva, 2009.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

ÉPOCA, redação. Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Publicado em 23/06/2015. Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2015/06/brasil-tem-quarta-maior-populacao-carceraria-do-mundo.html>. Acesso em: 22 abr.2016.

NUNES, Maria do Rosário. O Brasil não pode desistir de suas crianças e adolescentes. Publicado 01/04/2015. Disponível em:. Acesso em: 22 abr.2016.


 

Notas

[2] Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 3º edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Pags. 128/131.

2SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60

[4] Barroso, luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo-SP: Saraiva, 2009, pag. 72.

3 REDAÇÃO ÉPOCA. Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. Publicado em 23/06/2015. Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/filtro/noticia/2015/06/brasil-tem-quarta-maior-populacao-carceraria-do-mundo.html>. Acesso em: 22 abr.2016.

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Sobre os autores
José de Anchieta Oliveira Júnior

Acadêmico de Direito na Faculdade Santa Rita de Cássia em Itumbiara-GO e estagiário no Ministério Público de Minas Gerais na Promotoria de Canápolis-MG.

Jairo dos Santos Júnior

estudante de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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