Artigo Destaque dos editores

Os descaminhos do combate ao terrorismo no Brasil:

análise crítica da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016

Exibindo página 1 de 4
29/05/2017 às 13:20
Leia nesta página:

A Lei federal nº 13.260/16 propôs-se a definir o crime de terrorismo e a instituir medidas para o seu combate no Brasil, solucionando antiga deficiência normativa do país. Porém, adotou conceitos equivocados e confusos.

I – Introdução.

Este artigo se debruça sobre os contornos da edição e aplicação da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, a chamada “Lei Antiterrorismo”, destacando graves deficiências nela plasmadas, em função de equívocos conceituais que contempla, e da omissão em regular completamente a matéria de forma diversa do que faz a Lei nº 7.170, de 1973, a Lei de Segurança Nacional, instituindo desse modo um quadro normativo ainda mais tumultuado para o combate ao fenômeno que se propôs a reprimir, tanto em seu território, quanto no restante do mundo, por meio de instrumento de cooperação jurídica internacional.

Adota-se a metodologia de revisão bibliográfica, associada à documentação indireta de atos legislativos, entendimentos jurisprudenciais e pronunciamentos da literatura jurídica especializada, nacionais e estrangeiros, disponível em fontes abertas de informação.

Para tanto, será apresentada sinteticamente a evolução conceitual histórica do fenômeno do terrorismo, seu tratamento em legislações estrangeiras, e, por fim, os paradoxos do enfrentamento à ameaça terrorista no Brasil, durante as últimas décadas.


II – Evolução histórica do conceito jurídico de terrorismo

Caracterizado que é por suas múltiplas ambiguidades, não poderiam as definições jurídicas de terrorismo escapar à virtual antinomia entre muitas delas, sobretudo quando oriundas de sistemas e tradições jurídicas distintas, em sua maioria insertas em contextos sócio-políticos competitivos, quando não opostos.

Ainda assim, a reprodução dos conceitos, com seus multiespectrais matizes, possibilita ao final um juízo de mediana apto a viabilizar conclusões mais serenas quanto aos “remédios” exigidos pelo desafio antiterrorista.

As definições seguintes foram extraídas, em seu conjunto, da obra de Denise de Souza Soares[i], razão pela qual me limito a transcrevê-las, como apresentá-las:

Para Brian Jenkins, terrorismo é o uso ou ameaça de uso da força com o fito de trazer mudança política. Complementando-o, diz Walter Laqueur que o terrorismo constitui o uso ilegítimo da força para alcançar-se um objetivo político, quando inocentes são o alvo.

David Robertson classifica o terrorismo como o uso da violência politicamente, como meio de pressionar um governo e/ou uma sociedade a aceitar uma mudança política ou social radical.

Jean Servier denomina de terrorista um sistema ofensivo empregado por um indivíduo ou um grupo, mais ou menos extenso, para impor sua vontade a todo um povo, a uma civilização inteira, exercendo sobre a história um pensamento. É completado por seu compatriota Georges Levasseur, que diz tratar-se do emprego intencional e sistemático de meios cuja natureza é provocar o terror em vista de obter a certos fins.

James Poland, descendo a maiores detalhes, assevera que terrorismo é o premeditado, deliberado e sistemático morticínio, o horror e a ameaça destes para criar medo e intimidação de forma a ganhar vantagens políticas ou táticas, usualmente para influenciar uma audiência.

Interessante a definição de uma das mais famosas terroristas do Século XX, a germânica Ulrike Meinhof, para quem o terrorismo é a destruição das instalações de abastecimento, ou seja, de diques, instalações hidráulicas, hospitais, centrais elétricas. Enfim, tudo aquilo que foi sistematicamente alvo dos bombardeios americanos contra o Vietnã do Norte desde 1965. O terrorismo opera com o medo das massas. A guerrilha urbana, por sua vez, incute o medo no coração do Estado. Como se vê, a alemã estabelece uma oposição entre terrorismo, que entende ilegítimo e praticado pelo Estado, e sua “legítima” contrapartida, por ela denominada “guerrilha urbana”.

Por fim, transcrevemos uma das definições mais popularizadas nos meios internacionais, e que, repetidas vezes, serve de base para convenções internacionais e legislações de países em desenvolvimento.

Cuida-se do conceito oficial do Escritório Federal de Investigações dos Estados Unidos da América (Federal Bureau of Investigation), segundo o qual: “terrorismo é o uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou a propriedade para intimidar um governo, a população civil, ou qualquer segmento destes, em apoio a objetivos sociais ou políticos”.

Em que pese nenhuma das definições anteriores constar oficialmente de textos legislativos é indubitável o conteúdo jurídico das mesmas, capazes de moldarem a percepção dos legisladores e aplicadores do Direito.

Interessante notar-se que, a despeito da generalidade da definição da agência policial norte-americana, o diploma legal que deve ela aplicar é muito mais restrito.

A definição legal de terrorismo na legislação daquele país é a contida na Seção § 2331 do Capítulo 113B, Parte I, Título 18 do U.S. Code[ii], consolidação do Direito positivo vigente aplicado pelas Cortes Federais norte-americanas. A norma incrimina uma série de condutas baseada na casuística do problema, deixando ainda uma abertura interpretativa típica do Direito estadunidense. Desde já pede-se vênia ao leitor pela longa, porém indispensável transcrição, como se verá:

“Tais como utilizados neste capítulo:

O termo “terrorismo internacional” significa atividades que-

(A) Envolvam atos de violência ou atos pergisosos para a vida humana, e que sejam violações das leis criminais dos Estados Unidos, ou de qualquer dos Estados, ou que seriam considerados violações criminais de houvessem sido cometidos sob a jurisdição dos Estados Unidos ou de qualquer de seus Estados;

(B) Que pareçam concebidas-

(i) para intimidar ou coagir uma população civil;

(ii)  para influenciar a política de um governo através da intimação ou coação; ou

(iii) para afetar a conduta de um governo através da destruição em massa, assasinatos, seuquestros; e

(C) ocorram sobretudo for a da jurisdição territorial dos Estados Unidos, ou transcendam seus limites em termos dos meios pelos quais foram consumados, das pessoas que eles pareçam destinados a intimadar ou coagir, ou do local a partir do qual os agentes operam ou buscam asilo;

(2) o termo “nacional dos Estados Unidos” tem o significado que lhe é atribuído pela Seção 101(a)(22), da Lei de Imigração e Nacionalidade;

(3) o termo “pessoa” significa qualquer indivíduo ou entidade capaz de ser titular de direitos ou obrigações patrimoniais;

(4) o termo “ato de guerra” significa qualquer ato ocorrido no curso de—

(A) guerra declarada;

(B) conflito armado, tenha ou não sido declarada Guerra, entre duas ou mais nações; ou

(C) conflito armado entre forças militares de qualquer orígem; e

(5) o termo “terrorismo doméstico” significa atividades que sejam uma violação das leis criminais dos Estados Unidos ou de qualquer de seus Estados;

(A) envolva atos perigosos para a vida humana, que sejam uma violação das leis dos Estados Unidos ou de qualquer de seus Estados;

(B) pareçam concebidos para—

(i) intimidar ou coagir uma população civil;

(ii )para influenciar a política de um governo através de intimidação ou coação; ou

(iii) para afetar a conduta de um governo através de destruição em massa, assassinatos ou sequestros; e

(C) ocorra sobretudo sob a jurisdição territorial dos Estados Unidos.

Assim posta a questão, parece ser tendência dos ordenamentos jurídicos estabelecer como conduta típica de terrorismo um leque de atos já incriminados por outros preceitos penais, mas qualificados por um especial fim de agir, que os distingue daqueles, permitindo inclusive a exasperação de sanções.

É o caso do México, cujo art. 139 do Código Penal Federal estabelece[iii]:

“Artículo 139. Se impondrá pena de prisión de seis a cuarenta años y hasta mil doscientos días multa, sin perjuicio de las penas que correspondan por los delitos que resulten, al que utilizando sustancias tóxicas, armas químicas, biológicas o similares, material radioactivo o instrumentos que emitan radiaciones, explosivos o armas de fuego, o por incendio, inundación o por cualquier otro medio violento, realice actos en contra de las personas, las cosas o servicios públicos, que produzcan alarma, temor o terror en la población o en un grupo o sector de ella, para atentar contra la seguridad nacional o presionar a la autoridad para que tome una determinación.

La misma sanción se impondrá al que directa o indirectamente financie, aporte o recaude fondos económicos o recursos de cualquier naturaleza, con conocimiento de que serán utilizados, en todo o en parte, en apoyo de personas u organizaciones que operen o cometan actos terroristas en el territorio nacional.

Artículo 139 Bis. Se aplicará pena de uno a nueve años de prisión y de cien a trescientos días multa, a quien encubra a un terrorista, teniendo conocimiento de sus actividades o de su identidad.

Artículo 139 Ter. Se aplicará pena de cinco a quince años de prisión y de doscientos a seiscientos días multa al que amenace con cometer el delito de terrorismo a que se refiere el párrafo primero del artículo 139.”

Comentando os elementos constitutivos do tipo na lei mexicana, diz-se que a conduta objetiva consiste empregar meios, pois implica que o agente faça uso dos objetos assinalados para causar o terror na comunidade.

O delito ainda é de resultado, condicionado à efetiva causação do alarme, temor ou terror na população ou grupo desta[iv].

Seu elemento subjetivo é dirigido à perturbação da paz pública, ao menosprezo da autoridade estatal ou a pressionar a autoridade para que adote uma determinação. 

Na realidade argentina, Edgardo F. Pace[v] opina que a figura do terrorismo pode ser encontrada no livro II, título VII, capítulo terceiro do Código Penal da Nação, com o nomem juris de intimidação pública, ínsita o art. 211, que diz:

“Art. 211. Será reprimido con prisión de dos a seis años, el que, para infundir un temor público o suscitar tumultos o desórdenes, hiciere señales, diere voces de alarma, amenazare con la comisión de un delito de peligro común, o empleare otros medios materiales normalmente idóneos para producir tales efectos. Cuando para ello se empleare explosivos, agresivos químicos o materias afines, siempre que el hecho no constituya delito contra la seguridad pública, la pena será de prisión de tres a diez años[vi].”

Para o portenho, o bem jurídico tutelado é a tranquilidade, a confiança social no seguro desenvolvimento da vida civil. Não se trataria de defender a segurança da sociedade propriamente dita, mas a percepção desta segurança da qual, por sua vez, representa um fator a mais de reforço.

Representaria tal disposição, portanto, um delito de natureza subsidiária, o que explicaria sua limitada incriminação (três a dez anos, na modalidade qualificada), pressupondo que os bens jurídicos primários a que ela reflexamente se dirige já sejam tutelados por normas penais específicas. No que diz respeito a estas últimas, reforma legislativa introduzida em 2011 estabeleceu causa de aumento de pena, até o dobro, para qualquer crime praticado com o objetivo de aterrorizar a população, ou de coagir autoridades nacionais, estrangeiras e de organismos internacionais[vii].

Por outro lado, é interessante a conclusão do autor comparando o diploma argentino aos de outros países. Para ele, existem duas técnicas legislativas para encarar a problemática do terrorismo: uma que denomina aberta ou genérica, e outra, restritiva, sendo que, em sua opinião, o Direito argentino adota a forma aberta, permitindo a integração da norma.

Entretanto, diversamente do caso mexicano, a intimidação pública não é um crime de resultado, contentando-se, para sua consumação, com a efetiva exposição ao perigo de grave alarme ou tumulto. A lei não requer que se provoque um desastre de perigo comum, mas somente que o perigo de tumulto decorra de alguma das condutas do tipo.

Portugal recupera a tendência analítica da tipificação do delito de terrorismo, descrevendo exaustivamente condutas na lei nº 52/2003[viii], que revogou os artigos 300 e 301 de seu código penal[ix], e que assim dispõe:

“Artigo 2.º

Organizações terroristas

1 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:

a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;

b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;

c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;

d) Actos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;

e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;

f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas;

sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam susceptíveis de afectar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.

2 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista, a eles aderir ou os apoiar, nomeadamente através do fornecimento de informações ou meios materiais, é punido com pena de prisão de 8 a 15 anos.

3 - Quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação terrorista é punido com pena de prisão de 15 a 20 anos.

4 - Quem praticar actos preparatórios da constituição de grupo, organização ou associação terrorista é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

5 - A pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.

Artigo 3.º

Outras organizações terroristas

1 - Aos grupos, organizações e associações previstas no n.º 1 do artigo anterior são equiparados os agrupamentos de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem, mediante a prática dos factos aí descritos, prejudicar a integridade ou a independência de um Estado, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições desse Estado ou de uma organização pública internacional, forçar as respectivas autoridades a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certos grupos de pessoas ou populações.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 a 5 do artigo anterior.

Artigo 4.º

Terrorismo

1 - Quem praticar os factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal.

2 - Quem praticar crime de furto qualificado, roubo, extorsão, burla informática e nas comunicações, falsidade informática ou falsificação de documento com vista ao cometimento dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, é punido com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

3 - Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

4 - Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meio de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos. 5 - Quem, com o propósito de ser recrutado para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, aceder ou obtiver acesso, através de sistema informático ou por qualquer outro meio, às mensagens aludidas no n.º 3 e delas fizer uso na prática dos respetivos atos preparatórios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

6 - Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.

7 - Quem, por qualquer meio, treinar ou instruir outrem sobre o fabrico ou a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas e substâncias nocivas ou perigosas, ou sobre outros métodos e técnicas específicos para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.

8 - Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.

9 - Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meios de  comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

10 - Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista ao treino, apoio logístico ou instrução de outrem para a prática de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.

11 - Quem, por qualquer meio, viajar ou tentar viajar para um território diferente do seu Estado de residência ou nacionalidade, com vista à adesão a uma organização terrorista ou ao cometimento de factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão até 5 anos.

12 - Quem organizar, financiar ou facilitar a viagem ou tentativa de viagem previstas nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 4 anos.

13 - A pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado, impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A respeito das figuras típicas que precederam estes dispositivos, igualmente extensas e em forma de tipicidade fechada analítica, asseverava José Miguel Sardinha[x], cuidar-se de tipos que visam a assegurar a proteção de bens jurídicos considerados essenciais ao desenvolvimento pacífico da sociedade democrática, em sentido mui semelhante ao jurista portenho.

Contudo, difere a legislação portuguesa da sua congênere argentina não somente pela prolixidade, mas pelo fato de incriminar como conduta principal o próprio terrorismo, em lugar de conjugá-lo, como norma complementar aos demais crimes contra “bens jurídicos primários”.

Por fim, após o elenco de normas conceituais de terrorismo vigentes em outros países, de diferentes tradições jurídicas, faz-se mister trazer à colação a definição jurídica do crime de terrorismo, constantes da parte final do art. 20 da Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e dá outras providências[xi], único diploma a tipificar de alguma forma antes da recente Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. O referido artigo 20 dispõe:

“Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.”

Como se vê, a redação inegavelmente confusa parece levar à conclusão de que atos de terrorismo são comportamentos assemelhados às condutas precedentes, isto é, devastar, saquear, extorquir, roubar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal.

Contudo, é viável a leitura de que sejam estes atos algo distinto das atitudes anteriores, até porque, se assim não fosse, bastaria que o legislador fizesse referência àqueles, sem distingui-las do termo seguinte pela partícula ou a qual, por sua vez, induz à percepção de um tipo alternativo, em que a elementar ato de terrorismo possa ser até mesmo cumulada com as demais (ex. devastar e praticar terrorismo), o que nos remete, ao raciocínio circular: o que é ato de terrorismo?

Vale notar que no item 5 de sua exposição de motivos, o subscritor do Projeto da Lei de Segurança Nacional, então Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, afirmou terem sido evitadas as definições genéricas da Lei precedente (Lei nº 6.620/78), uma vez que a tarefa de complementação das “claras” disposições poderia mais tarde ser realizada pela jurisprudência e pela doutrina.

Em clássico ensaio[xii] publicado na iminência da promulgação da vigente Lei de Segurança Nacional, Heleno Cláudio Fragoso já criticava a excessiva abstração do diploma, com especial destaque para o polêmico art. 20.

Dissera que no art. 20, que pune diversas ações heterogêneas, inclusive o terrorismo, encontramos uma das disposições mais defeituosas da lei. A “definição” do terrorismo apresentara dificuldades técnicas consideráveis, porque não há clara noção doutrinária de seu significado, limitando-se a seguir uma linha casuística, que mistura terrorismo e outros crimes violentos contra o patrimônio, que jamais poderiam ser considerados como terroristas.

O mesmo autor propusera nova redação, nos seguintes termos:

“Praticar atentado contra a vida, a integridade corporal ou a liberdade; causar destruição e dano, através de meios capazes de provocar perigo comum ou que conduzam à difusão de enfermidades, para a criação real ou potencial de intimidação generalizada, com finalidade político social.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem pratica roubo ou extorsão, para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

§ 2º – Se resulta lesão corporal grave, a pena pode ser aumentada até o dobro; se resulta morte, pode a penas ser aumentada até o triplo. ”

Desnecessário esclarecer que a emenda proposta fora rejeitada, apesar de resolver vários dos problemas, e da superior técnica, eis que, como bem notou, há terrorismo no atentado indiscriminado contra a vida, a integridade corporal ou a liberdade das pessoas, gerando intimidação e terror resultantes do emprego de meios capazes de causar perigo comum, ou que conduzam à difusão de enfermidades.

Por outro lado, há que se questionar o jurista clássico, com a devida vênia, no que diz respeito à inclusão do especial fim de agir consubstanciado na finalidade político-social, e das figuras do § 1º, relacionadas à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Como se explicitou no Capítulo anterior deste trabalho, em que pese ser conhecida a modalidade de terrorismo revolucionário, com fins exclusivamente políticos, há outras formas que, simplesmente, escapariam à definição caso enquadradas como terrorismo religioso, separatista, etc.

É sabido que Heleno Cláudio Fragoso não enxergava a possibilidade de ocorrências terroristas que não tivessem finalidade política, até em função do período em que publicou um dos clássicos brasileiros sobre o tema[xiii], sofrendo os influxos do Período Revolucionário inaugurado em março de 1964. A esse respeito novas considerações serão feitas no item seguinte.

Face às deficiências do diploma referente aos crimes contra a segurança do Estado, na definição do conceito jurídico de terrorismo, reuniu-se comissão de juristas[xiv] para elaborar uma nova “lei de segurança nacional”.

Partindo do pressuposto de que legislação de regência da matéria não mais poderia situar-se na órbita de uma lei especial, fulcrada na já superada idéia de Segurança Nacional, com os contornos negativos adquiridos pela expressão ao longo dos anos, decidiu-se pela introdução no Código Penal de um Título XII, Dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, em cujo Capítulo III, Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas e dos serviços essenciais, foram contempladas figuras típicas relacionadas ao terrorismo e delitos assemelhadas. Assim, passaria a dispor o futuro art. 371 do Código Penal Brasileiro, sob o nomen juris terrorismo:

“Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso,com o fim de infundir terror, ato de:

I-devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II-apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:

Pena – reclusão, de dois a dez anos.

§1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.

§2o Se resulta lesão corporal grave:

Pena – reclusão de quatro a doze anos.

§3o Se resulta morte:

Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.

§4o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma, exerce funções de autoridade pública.[xv]

Percebe-se que, procurando ser mais sintético que a legislação portuguesa ou norte-americana, o projeto afastou-se também da singeleza do dispositivo correspondente argentino.

Com isto, parece-nos ter o projeto se aproximado à definição típica daquela acima mencionada, vigente na República do México, cuja doutrina poderia servir de subsídio aos operadores do Direito brasileiros, a despeito das novidades que introduz em relação ao art. 139 do CP mexicano.

 Isto porque a proposta legislativa, em seu § 1º, contemplava a ideia de terrorismo cibernético, ainda pouco comentada, mas passível de graves consequências numa sociedade cada vez mais dependente de sistemas informatizados para a sua sobrevivência.

Apesar da preocupação esboçada inicialmente pelo Ministério da Justiça com o terrorismo cibernético, o subsequente Marco Civil de Internet, estabelecido sob a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 passou completamente ao largo da questão, optando o legislador por manter a lacuna na proteção do espaço virtual contra atos de terrorismo por esta via, ou dirigidos contra a própria rede mundial de computadores.

Também parecia o § 4º dirigir-se àqueles agentes públicos que se possam prevalecer de meios violentos ilegítimos, próprios do terrorismo repressivo, e que, num eventual futuro, não poderiam invocar a atipicidade de seus atos para escusarem-se da responsabilidade.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERGUEIRO, Luiz Fabricio. Os descaminhos do combate ao terrorismo no Brasil:: análise crítica da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5080, 29 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58113. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos