A responsabilidade civil do Estado pela morte de detento em estabelecimentos prisionais brasileiros

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

2. MORTE DO DETENTO E RESPONSABILIDADE DO ESTADO

2.1. Homicídio de detento no estabelecimento prisional

O artigo 5º, inciso XLIX, da CRFB/88, estabelece que o Estado deverá sempre garantir o respeito à integridade física e moral do preso, de forma que a experiência no cárcere não o prive de direitos que não forem atingidos pela decisão judicial. Conforme Nogueira (2014), a partir do momento em que o Estado encarcera um indivíduo, privando-o de sua liberdade, assume um dever de guarda e a plena observância deste dever constitucional, devendo evitar quaisquer atentados à integridade física e moral do detento.

Assim, o fato de um indivíduo estar preso produz o dever de guarda e a plena observância a essa obrigação constitucional, sendo o risco inerente à atividade fator decisivo da responsabilidade do Estado pelos danos resultantes. Em virtude de a sociedade necessitar destes estabelecimentos, instituídos em proveito da coletividade, o ideal é que ninguém em particular sofra com os danos eventualmente causados pela atividade de custódia estatal. Logo, os danos que decorrerem desta situação de risco e em razão da proximidade de tais locais ensejarão a responsabilidade objetiva do Estado (NOGUEIRA, 2014).

Em situações nas quais a omissão estatal gera dano ao administrado, doutrina e jurisprudência tem se posicionado, na maioria dos casos, no sentido de estabelecer uma responsabilidade subjetiva do Estado. Entretanto, em determinadas situações, como no caso de homicídio de detento em estabelecimento prisional, os tribunais pátrios, sobretudo o STF, têm admitido uma responsabilidade objetiva do Estado.

O argumento utilizado pela Suprema Corte para firmar, por unanimidade, a tese da responsabilidade objetiva nesta situação, no RE 841.526, em 30 de março de 2016, foi exatamente o descumprimento do dever específico de proteção estabelecido no artigo 5º, inciso XLIX, da CRFB/88, responsabilizando o Estado do Rio Grande do Sul pela morte de detento em estabelecimento prisional.

Neste mesmo sentido se firmou o Tribunal de Justiça do Estado Rio Grande do Sul, neste mesmo caso supramencionado, estabelecendo o acórdão que, em casos de omissão específica, a responsabilidade será objetiva, e, em casos de omissão genérica, a responsabilidade será subjetiva. Na situação em tela, a morte de detento em estabelecimento prisional é omissão específica, uma vez que o Estado tem o dever de zelar pela integridade física dos detentos, caracterizando uma responsabilidade objetiva do Estado pelos danos gerados.

Neste sentido, posicionaram-se os arestos emanados dos Tribunais de Justiça de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, assim como do próprio STJ.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA MORTE DE DETENTO - VALOR DA INDENIZAÇÃO - CF ARTS. 5o., XLIX E 37, § 6o. - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. A responsabilidade civil do Estado é sempre objetiva, inclusive no caso de prisão, pouco importando se legal ou ilegal. Mesmo que o preso cometa suicídio, persiste o dever de indenizar, pois o Estado responde pela integridade física e moral do detento. Havendo dependência econômica, a indenização é calculada com base na vida provável da vítima, 65 (sessenta e cinco) anos (TJ-SC - AC: 358187 SC 1988.035818-7, Relator: Amaral e Silva, Data de Julgamento: 26/11/1991,  Primeira Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: DJJ: 8.398DATA: 13/12/91PAG: 10).

- RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MORTE DE DETENTO EM PRESÍDIO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DEVER DE ZELAR PELA INTEGRIDADE FÍSICA DO APENADO. DANO MORAL. CABIMENTO. QUANTUM. REDUÇÃO. Segundo o STF, responde o Estado pela morte de preso em estabelecimento carcerário. Dever de zelar pela integridade física do apenado. Art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. Caso em que detento, pai dos autores, fora morto por outros presidiários. Falha no dever de zelo por parte dos agentes do ente público, porquanto possibilitaram que terceiros, também apenados, ceifassem a vida do autor nas próprias dependências da casa carcerária. Dano moral reconhecido diante da própria circunstância do caso, in re ipsa, traduzido no sofrimento de a parte autora perder a figura paterna. Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Quantum reduzido. Adequação da sentença, extirpando-se a parte da condenação em favor de pessoa que não figurou como autora na inicial da demanda. Deram provimento em parte ao recurso. Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Apelação Cível Nº 70050519115, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 31/10/2013) (TJ-RS - AC: 70050519115 RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, data de julgamento: 31/10/2013,  Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 22/11/2013).

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. MORTE DE DETENTO. DEVER DO ESTADO DE ZELAR PELA INTEGRIDADE FÍSICA DOS PRESOS SOB SUA CUSTÓDIA. NEXO DE CAUSALIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA.  RECURSOS OFICIAL E DA FAZENDA PROVIDOS EM PARTE, PREJUDICADO O DOS AUTORES. "O Estado responde pelos danos morais experimentados pelos familiares, em razão da morte de detento sob sua custódia, patente o nexo de causalidade, ante a ineficácia estatal em assegurar a garantia inserta no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal" (TJ-SP - APL: 1819189320078260000 SP 0181918-93.2007.8.26.0000, Relator: Thales do Amaral, Data de Julgamento: 30/07/2012,  4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/08/2012).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE PRESO EM CADEIA PÚBLICA. DEVER DE VIGILÂNCIA DO ESTADO (ART. 5º, XLIX, CF/88). INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CULPA E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS. SÚMULA 07/STJ. 1. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato dos agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37 § 6º da Constituição, dispositivo auto-aplicável, não sujeito a intermediação legislativa ou administrativa para assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Não cabe invocar, para afastar tal responsabilidade, o princípio da reserva do possível ou a insuficiência de recursos. Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado, caso em que os recursos financeiros para a satisfação do dever de indenizar, objeto da condenação, serão providos na forma do art. 100 da Constituição. 2. A aferição acerca da ocorrência do nexo causal entre o dano e a conduta do agente público demanda a análise do conjunto fático-probatório carreado aos autos, interditada em sede de recurso especial por força da Súmula 07/STJ. Precedentes desta Corte: RESP 756437/AP, desta relatoria, DJ de 19.09.2006; RESP 439506/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 01.06.2006 e RESP 278324/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 13.03.2006. 3. In casu, o Juiz Singular e Tribunal local, com ampla cognição fático-probatória, concluíram pela obrigação de indenizar do Estado, ao argumento de que o ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF,art. 5º, XLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. 4. Recurso especial desprovido (STJ - REsp: 936342 ES 2007/0064684-9, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 11/11/2008,  T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 20/05/2009).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, em caso de homicídio de detento em estabelecimentos prisionais, a responsabilidade do Estado é objetiva, uma vez que essa situação se configura uma omissão específica, um dever de cuidado específico que foi descumprido, gerando o dano.

2.2.Suicídio de detento no estabelecimento prisional

Da mesma forma que no caso de homicídio de detento em estabelecimento prisional, cabe discutir de que forma o Estado será responsabilizado por suicídio de detento no estabelecimento em que se encontra. Segundo Marinela (2015), deve-se considerar se o serviço prestado nos estabelecimentos prisionais estava sendo executado em seu padrão normal. Se a Administração prestava o serviço no padrão normal e não podia evitar o dano, não se pode falar em responsabilidade do Estado por suicídio ocorrido. Entretanto, se houve falha no serviço do Estado e, devido a isso, ocorreu o suicídio do detento, caberá responsabilização do ente estatal.

Por exemplo, o preso que pratica o suicídio batendo a cabeça nas grades, ele iria fazê-lo de qualquer forma e o Estado não tinha como evitar, salvo se o ente público fosse “anjo da guarda”, o que não é o caso. Outro contexto ocorre quando o ato de suicídio é praticado por uma arma que entrou com uma visita; nesse caso há omissão do Estado na fiscalização, pois, se o Poder Público não despoja os internos de certo presídio de quaisquer recursos que lhes permitam atentar contra a própria vida, não pode se eximir de responsabilidade em relação a esse suicídio (MARINELA, 2015, p.966).

É neste mesmo sentido, o posicionamento da jurisprudência dos Tribunais brasileiros, sobretudo STJ e STF, que tendem a reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado inclusive em caso de suicídio detento em estabelecimento prisional.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUICÍDIO DE PRESO CUSTODIADO EM UNIDADE PRISIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. PRESUNÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO NO SUSTENTO DA FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O acórdão regional está em consonância com o entendimento registrado nesta Corte Superior, no sentido que responde o Estado pelo suicídio ocorrido no interior de estabelecimento prisional. Nesse sentido, dentre outros: AgRg no AREsp 474.233/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 22/04/2014, DJe 18/06/2014. 2. Esta Corte também já se posicionou no sentido de que "é devida a indenização de dano material consistente em pensionamento mensal aos genitores de menor falecido, ainda que este não exerça atividade remunerada, posto que se presume ajuda mútua entre os integrantes de famílias de baixa renda" (AgRg no REsp 1.228.184/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 05/09/2012). 3. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ - AgRg no Ag: 1307100 PR 2010/0083398-5, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 21/10/2014,  T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/10/2014).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. Suicídio de preso sabidamente acometido por um quadro de esquizofrenia. 1. Responsabilidade objetiva do Estado. Danos morais caracterizados. Presença do dever de indenizar, não importando tenha o dano sido causado por detento ou por agente estatal. 2. Afastada a condenação no pagamento de indenização por danos materiais (pensão mensal), mercê da ausência de provas acerca da estabilidade do vínculo empregatício e da dependência econômica. Recurso não providos (TJ-SP - APL: 10047683620138260053 SP 1004768-36.2013.8.26.0053, Relator: Coimbra Schmidt, Data de Julgamento: 17/11/2014,  7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/11/2014).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO DE PRESO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SENTENÇA MANTIDA. Caso dos autos em que restou demonstrado que o preso suicidou-se, não tendo o Estado como impedir, pois não há como vigiar individualmente todos os detentos em tempo integral, princípio da reserva do possível. Dever de indenizar não caracterizado por se tratar de culpa exclusiva da vítima. APELO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70040057747, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 08/06/2011, data de publicação: 10/06/2011).

Desta forma, a responsabilidade do Estado frente ao suicídio de detento, quando há omissão estatal, é objetiva se houver falha no serviço do Estado, descumprindo dever legal de guarda e fiscalização, assim como aquela relacionada ao homicídio de detento em estabelecimento prisional, uma vez que o Estado falhou no dever de cuidado específico do detento, assim como inobservou o dever de manter incólume a integridade física e mental do preso.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos