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A resistência aos tributos e seus corolários

04/06/2017 às 10:10
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O texto traz um apanhado histórico da cultura sub-reptícia decorrente da exação tributária, demonstrando como a legislação e a Administração Pública enfrentam o problema.

 Em toda parte do mundo, dominada por qualquer ideologia, existe a figura do tributo, instituído como decorrência do poder soberano do Estado, para fazer frente às despesas públicas.

Não raro, a história tem demonstrado, quando os tributos são instituídos de forma desmedida, abusiva, que eles são alvo de contestações que podem levar ao surgimento de revoltas, rebeliões e derrubada de governantes.

A rebelião menos ruidosa, mas mais danosa para o Erário, é perpetrada pelos sonegadores, criando uma estranha situação de desigualdade, em que poucos pagam muito e muitos nada pagam. Essa situação iníqua agrava-se diante da ineficácia ou da inexistência de medidas de combate à sonegação.

As normas tributárias, por imporem obrigações cujo cumprimento implica desfalque no patrimônio do particular em favor do Estado, revestem-se da característica de normas de rejeição social, cujo cumprimento só é logrado em decorrência da previsibilidade da imposição de sanções por seu descumprimento.

As pessoas designadas pela lei tributária como obrigadas a entregar dinheiro ao Estado, sempre que praticarem o fato imponível, conforme as descrições legais, podem adotar comportamentos diferentes quando diante de obrigação dessa natureza. Podem simplesmente conformar-se com a obrigação e pagá-la, no prazo e na forma indicados na legislação respectiva, ou podem contestar algum ponto que considere ilegal ou inconstitucional da imposição tributária, ou, ainda, podem escolher o caminho da sonegação.

Muitas vezes, contudo, o sujeito passivo busca formas de tornar menos pesada a carga tributária que deve suportar através de mecanismos legítimos, seja abstendo-se de praticar o fato gerador, seja pela exploração de alguma lacuna ou obscuridade da lei tributária.

Ademais, é natural que, à evidência da menor ilegalidade ou inconstitucionalidade de qualquer norma tributária, os cidadãos, para defender seu patrimônio, usem os meios legais de que dispõem para contestar a exação.

O Brasil, há pelo menos duas décadas, tem sido um campo fértil para o questionamento das normas tributárias em geral. Não obstante a rigidez normativa de nosso sistema tributário que consagra diversos princípios constitucionais limitadores do poder de tributar, não há dia em que uma norma tributária seja editada e que não possua ao menos um ponto que seja alvo de contestações.

Tal é o inusitado da situação que o Supremo Tribunal Federal chegou a declarar a inconstitucionalidade de uma, outrora, Emenda Constitucional (EC n° 3/93), na parte relativa à cobrança do Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira – IPMF, por contrariar cláusulas pétreas da mesma Constituição.

A corrida ao Poder Judiciário para questionar a cobrança de tributos exigidos ao arrepio da Constituição, se, por um lado, permite o exercício de um direito garantido pela constituição, por outro, pode fomentar o surgimento de questionamentos meramente proteladores do cumprimento da obrigação tributária. Cabe ao poder Judiciário repelir tais práticas, que postergam a realização financeira da receita pública, além de causarem o abarrotamento da Justiça, que funciona à custa do Erário.

Para esse triste quadro contribui não só o Poder Legislativo, que formula leis defeituosas e, por isso, inconstitucionais, como também o poder Judiciário, com a sua habitual morosidade para julgar definitivamente as questões que lhes são submetidas.

Sob o aspecto financeiro, contestar qualquer lei tributária, com razão ou sem ela, apenas por contestar, pode trazer benefícios financeiros formidáveis.

Entretanto, a par dos contribuintes que se aliam ao Poder Judiciário para afastar a cobrança de tributos inconstitucionais ou ilegais, e dos que adotam medidas defensáveis para alívio da carga fiscal, há os que preferem o caminho do crime para obter esse alívio.

O nível elevado da carga tributária, a profusão de leis tributárias, ditada pela complexidade de nosso sistema tributário e pela necessidade de fazer frente à crescente despesa pública, e a ausência de uma política fiscal que busque preservar o poder de compra da receita pública, cria um quadro propício à sonegação. As razões que justificam esse comportamento antissocial vêm sendo, ao longo do tempo, objeto de estudos de insuspeitos tributaristas, economistas, sociólogos etc., que indicam a existência de uma cultura de sonegação fiscal.

Lastreado na doutrina de David Ricardo e de Adam Smith, o tributarista argentino Hector Villegas1 teceu importantes considerações acerca das razões que justificam a resistência aos tributos, dizendo:

Durante muito tempo, houve resistência ao tributo, por ser ele considerado fruto de desigualdade, privilégio e injustiça. O cumprimento de obrigações tributárias representava um sinal tangível de submissão e servidão do indivíduo diante do Estado. Daí por que renomados tratadistas consideravam o tributo como um mal, desinteressando-se do estudo de evasão, ou permanecendo indiferentes diante dela, havendo mesmo quem chegasse a estimulá-la. David Ricardo afirma que o imposto, qualquer que fosse a forma que assumisse, somente significava a escolha entre vários males e que, portanto o melhor imposto era o menor imposto. Adam Smith era indulgente com a evasão, que serviria para ‘evitar ao contribuinte a injustiça de impostos prejudiciais à sua atividade econômica’. Muitos, que se horrorizariam se lhes fosse proposto cometer um delito comum, se interessam em conhecer as manobras para iludir a legislação tributária, não excluindo a possibilidade de praticá-las. Isto leva a que conhecidos infratores dessa matéria, longe de serem repudiados pelos círculos sociais onde vivem, sejam bastante invejados pelo êxito econômico que os acompanha, sendo muitos os que aguardam oportunidade propícia para imitá-los.

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Embora possa parecer bastante atual o quadro traçado pelo ilustre tributarista, o fato é que essas justificativas deram lugar a uma concepção menos maniqueísta, de que os tributos é que garantem a existência do Estado e realização de seu desiderato.

É bem verdade que a complexidade de nosso sistema tributário e a má aplicação da receita pública concorrem para que a sonegação fiscal deixe de causar a repugnância social que causam os crimes de outra natureza.

Os motivos apontados, contudo, certamente não são os únicos, pois a pilhagem aos cofres públicos não é vício exclusivo de brasileiros.

No Brasil, a problemática da evasão tributária não mereceu um capítulo especial no Código Penal de 1940, que se limitou a tratar dos crimes relacionados com a cobrança de tributos e contribuições apenas quando arrolou como conduta reprovável o contrabando de mercadorias.

A sonegação fiscal só passou a ser considerada como crime após o advento da Lei n° 4.729, de 14/07/1965, que elegeu quatro condutas reprováveis de diminuição ou supressão de tributo, adotando como elementos nucleares a falsidade ideológica e a falsidade material, que já estavam contempladas no Código Penal.

Ante da referida Lei n° 4.729/65, apenas a falta de repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas de empregados era considerada como forma equiparada de apropriação indébita, segundo o art. 86 da Lei n° 3.807/60.

Até então a repressão à sonegação fiscal era feita através da inflição de multas que poderiam chegar até a 300% do valor do tributo devido, sempre que a falta de seu recolhimento decorresse de ação ou omissão dolosa que visasse iludir ou retardar a ocorrência de fator gerador da obrigação tributária.

Conforme veremos, a Lei n° 4.729/65 jamais chegou a cumprir seu desiderato de combater a sonegação fiscal, talvez por desídia do aparelho fiscal estatal, que, ao que parece, nunca se convenceu sobre qual seria a melhor política: contar com a receita que representa a multa ou despender recursos financeiros para processar e encarcerar os sonegadores.

Cobrar multa, reconhecemos, é muito mais fácil do que identificar, na grande massa dos contribuintes, as pessoas jurídicas, a mente criminosa que maquinou a sonegação.

Ademais, é fora de dúvida que o patrimônio social da pessoa jurídica como elemento que oferece maiores garantias de que o Erário receberá o valor do tributo ou contribuição e da multa.

A Lei n° 4.729/65 estava posta e produzindo efeitos, e não havia nenhum motivo aparente que demandasse a sua modificação, não obstante os aperfeiçoamentos sejam sempre bem-vindos. Se, entretanto, era pouco aplicada isso deve ser creditado a razões (ou falta de razões ) de política fiscal, tão somente.

Em lugar de adotar a administração de instrumentos eficazes de combate aos crimes tributários, o Congresso Nacional resolveu mudar a legislação, talvez na ilusão de que somente uma nova lei, sem que fossem alocados recursos humanos e financeiros, fosse suficiente para criar condições de fiscalização que pudesse pôr um freio à sangria nos cofres públicos perpetrada pelos sonegadores.

Veiculada no bojo de normas que buscavam criar mecanismos de proteção às relações de consumo, num período econômica e politicamente conturbado, veio a lume a Lei n° 8.137, de 27/12/1990, que, ao revogar a Lei n° 4.729/65, pretendeu, mais uma vez, reprimir a evasão tributária.

É essa Lei n° 8.137/90, ao lado de algumas outras normas esparsas e decretos regulamentadores, que, ao lado do Código Tributário Nacional e do Código Penal, compõem o arcabouço de um “Direito Penal Tributário”, cujo objeto difere do conjunto de normas que buscam reprimir as demais infrações fiscais cuja repressão é feita pela imposição de sanções, previstas na legislação tributária, que constituem objeto do “Direito Tributário Penal”.


Nota

1 VILLEGAS, Hector. Direito Penal Tributário. São Paulo: Universidade Católica/Resenha Tributária. 1974, p. 19-20

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Sobre o autor
Arthur N. Santos Amado

Advogado Tributarista, Conciliador TJPE e Membro da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMADO, Arthur N. Santos. A resistência aos tributos e seus corolários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5086, 4 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58169. Acesso em: 2 nov. 2024.

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