No direito romano, podia admitir-se que uma coisa pudesse se subordinar à propriedade de diversos titulares exercendo todos, em comum, a soberania plena. Era o que hoje chamamos de condomínio ou copropriedade. Os romanos denominavam communio res comunis.
O condomínio se verificava quando os condôminos criavam a relação por sua vontade direta, adquirindo, por exemplo, uma coisa em comum, quer quando nela se achassem introduzidos sem haver manifestado diretamente a sua vontade. Havia, pois, uma comunhão voluntária e ainda uma communio incidens (era o condomínio chamado de incidens, eventual, quando não resulta de um concurso de vontades, como o que nasce de uma sucessão).
Cada condômino era titular de um direito de propriedade, cujo objeto fosse uma parte abstrata ou ideal da coisa, a quota.
Cada socius era um dominus e o seu direito podia exercer-se apenas na medida em que permitia o exercício dos demais condôminos, resultando, assim, o ius adrescendi e os ius prohibendi.
Todo condômino tinha o direito de paralisar qualquer atividade do outro condômino realizada sem o seu consentimento.
O condomínio, como se via, no direito justiniâneo, transformou-se numa coletividade cujo governo pertencia a maioria.
Há, no contexto, uma propriedade romana exclusivista e um condomínio que se assentava na comunidade de direitos. Essa incompatibilidade entre a propriedade e a pluralidade de proprietários impressionava os romanos a tal ponto, que um dos seus grandes jurisconsultos, Celso, o enunciava dizendo: "duorum vel plurium in solidum dominium vel possessionem esse non potest". Não poderia existir a propriedade ou posse de duas ou mais pessoas, solidariamente sobre a mesma coisa. Na lição de Ugo Natoli, La proprietà, a propriedade, senhoria universal sobre a coisa, não pode pertencer a mais de um dominus simultaneamente, sendo, todavia, licita a sua pertinência a mais de um sujeito, pro parte.
Há o condomínio quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, de forma ideal, sobre o todo e cada uma de suas partes. O poder jurídico é atribuído a cada condômino, não sobre uma parte determinada da coisa, porém sobre ela em sua integralidade, assegurando-se a exclusividade jurídica ao conjunto de comproprietários, em relação a qualquer pessoa estranha, e disciplinando-se os respectivos comportamentos bem como a participação de cada um em função da utilização do objeto.
Assim a cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa e não uma parcela material desta. Todos os comunheiros têm direitos qualitativamente iguais sobre a totalidade dele, limitados, contudo, na proporção quantitativa em que concorrer com os outros comproprietários na titularidade sobre o conjunto.
Trago trecho de opinião abalizada da doutrina na matéria, Manual de direito romano, USP - RP, Alexandre Correia e Gaetano Sciascia:
"Quando um direito pertence a duas ou mais pessoas, o direito moderno as considera em comunháo jurídica. Se a comunháo se veríficou índependentemente da vontade dos sujeitos, temos a comunháo acidental (communio incidens); déste tipo é a comunháo entre co-herdeiros, a que se dá na invenção comum de um tesouro, na confusáo dé límites, nos casos de confusio e commixtio independentes da vontade dos donos do que se mistura. Quando deriva da vontade e do acordó das partes, verifíca-se a sociedade (societas). Havendo comunháo de uma coisa corpórea, isto é, quando o direito de propriedade sobre ela cabe a varias pessoas, há condominio. No direito romano o condominio é chamado communio e cada condómino, socius, ou mais geralmente, dominus. Muito controvertida é a construçáo teórica do condominio. Alguns sustentam que cada consorte é dono da coisa inteira, sendo seu direito limitado pela concorrencia do dos demais; outros julgam que o condomino é proprietário apenas da parte indivisa, quer concebida idealmente, quer encarada como parte material aínda nao determinada. ideal da coisa (pro indiviso). A regulamentação do condominio romano pode-se pois esquematizar da seguinte forma: (a) O condomino é proprietário da coisa toda. No consortium erctum non citum, a forma mais antiga de comunháo acidental entre co-herdeiros, cada filho com a morte do paterfamilias tem a faculdade de alienar toda a coisa comum . Essa faculdade pode impedir-se pelo ius prohibendi dos outros condóminos, que podem se opor ao ato. O 1. D. 12, 6, 26, 4 Ulp. 2. D. 10, 2, 2, 3. ius prohibendi nao se deve confundir com o consentimento previo, que na verdade é contrario ao principio do direito integral de cada um. Se o condómino renuncia ao seu direito, éste é absorvido pelo dos outros que, dado seu caráter exclusivo, se amplia em virtude de sua elas- ticidade (ius adcrescendi). No período clássico o direito de acrescer parece que só vigora para a co-propriedade dos escravos e em materia de comunháo hereditaria. (b) O condómino é proprietário da parte ideal da coisa. Pode alienar e gravar tal parte; mas os atos jurídicos, que atinjam a coisa comimi no seu todo, quando é indivisível o direito que éles constituem (servidáo), nao sao válidos se nao intervier o consentimento previo de todos os con- dóminos. No desenvolvimento histórico do conceito de condominio aparece com evidéncia que da propriedade exclusiva de cada consorte se passou á propriedade limitada pelas exigencias dos outros condóminos. Desde que a comunháo é mater rixarum, afirma-se que nemo invitus compellitur ad communionem, i. é, ninguém pode ser constrangido a permanecer em comunháo contra sua vontade. A faculdade de exigir a divisáo pode ser limitada só temporariamente; em nenhum caso pode excluir-se. Os consortes tém a actio pro socio para regular mutuamente direitos e deveres decorrentes da comunháo. A divisáo judicial se obtém mediante a actio communi dividundo. Tratando-se de comunhão hereditaria aplica-se a actio familiae eriscundae. Exercida a ação, um arbiter, conforme a natureza dos bens comuns, ou atribuí uma parte determinada déles, como objeto exclusivo de propriedade de cada condómino, ou atribuí por inteiro a coisa a um dos condóminos, fixando a quantia que cabe a cada xim dos outros. Trata-se de um iudicium bonae fidei, dúplex, pois a fórmula não distingue o autor do réu. Diferentemente do que se verifica no direito modemo, a divisáo das partes {adiudicatio) pelo arbitro é atributiva da propriedade e nao declaratoria, i. é, o proprietário da parte atribuida pelo juiz se considera proprietário exclusivo da mesma, nao desde o inído da comunháo, mas exatamente desde a divisáo feita pelo juiz. Por consequéncia, todos os atos dispositivos praticados pelo condómino durante a comunháo, sobre uma parte, que depois na divisáo não Ihe coube, nao tém nenhum valor. Além disso, no direito romano, a partilha judicial é título de aquisição da propriedade. 1. Gai. 2, 65. 2. Inst. 2, 1, 11. A mancipatio e a in iure cessio, que como sabemos sao atos jurídicos conducentes á aquisiçao de direitos, sao modos de aquisição da propriedade.".
A prohibitio não podia alvejar todos os atos do condômino. Havia uma série de atos que o socius podia praticar sem consentimento dos outros socii e a salvo da prohibitio. Eram os atos de disposição, como a venda e a doação da quota, a constituição de hipoteca ou usufruto sobre ele, transmissão de testamento, reivindicação pro parte e a percepção dos frutos que ela enseja. Podia o sócio exigir as despesas que fez com a administração da quota alheia.
Mas havia outros atos que comprometiam a totalidade da coisa e que não eram, por essa razão, possíveis de exercício pro parte. Fora isso, exigia-se o consentimento positivo de todos os socii. Era o caso da construção de uma servidão predial, que era indivisível, como ensinou Ebert Chamoun( Instituições de direito romano, 1968, pág. 238), que atingia o imóvel em sua totalidade.
A mudança de cultura do imóvel ou a execução de benfeitorias, atos que acarretavam uma inovação da coisa, não requeriam o consentimento de todos os sócios, mas apenas a ausência de oposição.
A comunhão no direito romano era um instituto transitório.
A divisão, quando havia, era voluntária ou judicial. A primeira havia quando os condôminos de forma espontânea realizavam, entre si ou a estranhos, atos de transferência da propriedade. A ação era intentada através de uma ação que era prevista pelas XII Tábuas, a actio communi dividundo, na qual o juiz inicialmente dividia a coisa em partes proporcionais às quotas de vários sócios, e, em seguida, lhes adjudicava; se, entretanto, a divisão não pudesse ser perfeita, o condômino que houvesse recebido mais era obrigado a indenizar o menos contemplado. Se a divisão não fosse possível, o juiz vendia a coisa a um terceiro repartindo o produto da venda entre os socii.
Falava-se em compáscuo quando havia a utilização em comum de pradarias, campos ou terrenos de qualquer espécie para pastagem em comum de gado pertencente a proprietários diversos. Os compáscuo em terras públicas ou terrenos baldios regula-se, modernamente, por normas do município se existirem leis federais ou estaduais na matéria. Na lição de Lafayette(Direito das coisas, parágrafo 102, nota 24), no caso de incidir em prédio particular, e de ter sido o compáscuo instituído por servidão, como acontecia no direito romano - pecoris pascendi servitutes - reger-se-á por normas desta.
Tinha a divisão caráter atributivo da propriedade.
Havia a actio communi dividundo, de caráter misto, tam in re quam in personam; além de real era pessoal porque regulava as relações jurídicos pessoais oriundas da comunhão. No direito justiniâneo o efeito pessoal independia do real, ou da divisão. Dizia-se que a actio communi dividundo podia ser intentada apenas para as praestationes durante a comunhão ou depois dela.
Essa noção de condomínio de origem romana, aqui lembrada, denominada de condominium iuris romani, não se confunde, como ensinou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume IV, 1974), com o chamado condomínio germânico, que existe na Alemanha com outra denominação ao lado de outro, denominado de condomínio de quotas. No segundo(condominio germânico) a coisa pertence à coletividade e não aos condôminos, que, desta sorte, têm apenas direitos de uso e gozo da coisa em razão da vinculação corporativa em que se encontram e não em consequência de serem sujeitos, individualmente, de direitos sobre a própria coisa. Entende-se que o traço diferencial do condomínio germânico está em considerar-se como propriedade coletiva ou exercida de mão comum, pertencendo a coisa ao grupo ou coletividade, sem distribuição ou participação quantitativa pelos interessados.