Há discussão no Superior Tribunal Eleitoral com relação à possibilidade de inclusão das delações premiadas no julgamento de representação que envolve Ação de Impugnação de Mandato Eletivo e Ação de Investigação, envolvendo a chapa vencedora nas eleições presidenciais de 2014, Dilma e Temer.
Sabe-se que foi ajuizada uma ação de investigação judicial eleitoral da campanha à reeleição de Dilma em 2014. A ação foi protocolada no TSE em dezembro de 2014, a pedido da coligação pela qual o senador Aécio Neves disputou as eleições presidenciais, liderada pelo PSDB, e pede apuração de "abuso do poder econômico e político" e "obtenção de recursos de forma ilícita" da campanha petista.
A ação foi ajuizada pela Coligação Muda Brasil(PSDB, DEM, SDD, PTB, PTdoB, PMN, PEN, PTC e PTN) e os representados são a Presidente eleita e o Vice-Presidente da República e o Partido dos Trabalhadores(PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB).
A ação de investigação judicial eleitoral tem seus efeitos previstos no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar 64/90 e são eles: decretar a inelegibilidade, para essa eleição, do representado e tantos quantos tenham contribuído para a prática do ato; cominação de sanção de inelegibilidade; cassação de registro de candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e de desvio ou abuso de poder de autoridade.
Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato.
Por outro lado, abuso de poder político pode ser visto como atuação ímproba do administrador, com a finalidade de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando a disputa. Adriano Soares da Costa(Instituições de direito eleitoral, 5ª edição, pág. 530) já entendeu que “ a AIJE apenas pode ser proposta após o pedido de registro de candidatura e antes da diplomação dos eleitos”.
A ação(AIJE) pode ser exercitada depois do dia da eleição.
Deverá o juiz ficar adstrito ao pedido da parte e da causa petendi, seja ela próxima ou remota, que vier a ser apresentada para julgamento.
Segundo a redação que foi proposta ao artigo 23 da Lei Complementar 64/90, o juízo competente para julgá-la deverá formar a sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para as circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse publico da lisura eleitoral.
O que está em discussão envolve a chamada causa de pedir. No processo, ela poderá ser objeto de alteração, antes da citação, ou após ela, desde antes do saneamento e o réu consinta. De toda sorte, fala-se numa causa petendi próxima e causa petendi remota. Essa seria correspondente ao fato jurídico; a outra, sendo o fundamento jurídico do pedido.
Modificação na causa de pedir não poderia existir, para o caso, pois os prazos, em matéria eleitoral, são preclusivos, fatais, porque não dizer peremptórios.
Dir-se-ia que haveria discussão fora do pedido envolvendo fato que estaria fora da causa petendi apresentada na inicial.
Entre outras razões, lembrou o ministro-relator Herman Benjamin, que a representação do PSDB de 18 de dezembro de 2014 foi expressa sobre “recursos ilícitos” disfarçados de doações recebidas por Dilma-PT (R$ 60,2 milhões) e TemerPMDB (R$ 60,4 milhões) de 11 empresas “investigadas na Operação Lava-Jato”, entre elas a empreiteira Odebrecht.
Conforme expôs o ministro Benjamin, relator, menções à Odebrecht já constavam do pedido inicial apresentado pelo PSDB há mais de dois anos. Decisões anteriores do próprio TSE, sem contar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, autorizam a inclusão de fatos novos num processo eleitoral, desde que guardem nexo com a suspeita originária. É O CASO DOS AUTOS. Aliás, o que não está nos autos, em matéria forense, não está na vida.
Discute-se se uma eventual condenação seria extra petita. Na lição de Arruda Alvim (Manual de direito processual civil, volume II, 7ª edição, pág. 658) a decisão extra petita poderá consistir num pronunciamento excedente sobre o tipo da ação(pedido imediato) propriamente dito, como, ainda, será também extra petita se, conquanto atendido o pedido tal ocorre por outra causa petendi. A causa de pedir denomina-se do conjunto de fatos ao qual o requerente atribui o efeito jurídico que deseja, sendo um dos elementos da demanda.
Considero razoável a argumentação apresentada pelo Vice-procurador-geral eleitoral com relação ao caso.
Foi destacado por Nicolao Dino que as provas se inserem na causa de pedir que consta da petição inicial. Segundo ele, “a própria petição inicial deixa bem claro trechos referentes a financiamento de empresas investigadas na Lava Jato”.
Nicolao Dino argumentou que há trechos do processo que estão grifados, e foram distribuídos pelo relator, que apontam valores recebidos por partidos de empresas investigadas na Operação Lava Jato. “Os valores estão postos nas tabelas. Nessas tabelas consta a empresa Odebrecht. Os valores aqui mencionados não são aqueles que efetivamente foram apontados na instrução probatória. Em vez de x, a doação foi de x mais y mais z”, afirmou.
O vice-PGE ainda apontou que o “caixa-dois da campanha presidencial de 2014 foi robustecido pela cifra de R$ 150 milhões dos quais R$ 50 milhões são créditos da eleição pretérita da eleição de 2010, crédito da Medida Provisória do Refis de 2009”. Para ele, antes de verificar se há expansão, deve verificar essa delimitação posta na petição inicial. “A petição inicial apontou a existência de um tumor, a ecografia apontou a existência de um câncer e a cirurgia abdominal, quadro de metástase”, concluiu.
Deve-se entender essa argumentação sob o manto do principio da verdade real que se aplica à Lei de Inelegibilidades no dispositivo apontado. É a supremacia do interesse público.
A noção da supremacia do interesse público está sendo desmontada pela doutrina atual, do que se lê em Humberto Bergmann(Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, in O Direito Público em tempos de crise – Estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel, 1999, pág. 99/127)para quem tal princípio não encontra respaldo normativo por 3(três) razões: a uma, por não decorrer da análise sistemática do ordenamento jurídico; a duas, por não admitir a dissociação do interesse privado, colocando-se em cheque o conflito pressuposto pelo princípio; a três, por demonstrar-se incompatível com os princípios erigidos pela ordem constitucional.
Fala-se sobre a aplicação do sistema acusatório pela Lei de Inelegibilidades.
O sistema acusatório tem suas raízes na Grécia e, em Roma, instalado com fundamento na acusação oficial embora fosse permitida, de forma excepcional, a iniciativa da vítima, de parentes próximos e até de qualquer do povo.
Aqui há nítida separação de funções, uma vez que o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação, formulando a imputação penal e o pedido, assumindo o ônus da acusação, devendo o réu defender-se, utilizando-se os meios e recursos que são inerentes à sua defesa. Temos assim as seguintes características: a) Há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três personagens distintos: autor, juiz e réu; b) O processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, admitindo-se o sigilo, como exceção, do que se lê do artigo 93, IX, da Constituição Federal; c) Os princípios do contraditório e da ampla defesa informam o processo; d) O sistema adotado de provas é do livre convencimento, sendo a sentença motivada; e) A imparcialidade do órgão julgador.
Sendo assim, o contraditório, a plena igualdade entre as partes, a publicidade do processo, a condição de pessoas distintas para acusar, defender e julgar e a iniciativa do processo à parte acusadora, são os marcos e balizas desse sistema que foi adotado na Inglaterra, França, após a Revolução, e pela maioria dos países na Europa e na América.
Da leitura do artigo 129, I, da Constituição Federal considera-se que vige o sistema acusatório em nosso ordenamento, uma vez que a acusação foi entregue a um órgão estatal, o Ministério Público, que tem a obrigação, principio da obrigatoriedade, de ajuizar ação penal em defesa dos interesses da sociedade e da ordem jurídica.
Temos, então, na correta lição de Hélio Tornaghi(Instituições, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, volume II, pág. 1-2), as seguintes diferenças entre a forma acusatória e 3 inquisitória: na primeira, as três funções de acusar, defender e julgar estão atribuídas a três órgãos diferentes: acusador, defensor e juiz; na segunda, as três funções estão confiadas ao mesmo órgão. O inquisidor deve proceder espontaneamente e suprir as necessidades da defesa. O réu é tratado como objeto do processo e não como sujeito, isto é como pessoa titular de direito de defesa.
Mesmo que o acusador peça absolvição, o juiz, em sua independência, poderá condenar o réu, entendendo existir prova da autoria e da materialidade dos fatos.
Tal como no processo penal, o direito de punir, no processo eleitoral, não é regido pela conveniência, pela oportunidade. Estamos longe dos patamares do processo civil. Havendo provas para condenar, deve o juiz assim agir, mesmo diante de pedido em contrário da acusação.
Se isso não bastasse, os citados delatores nada mais foram no processo em discussão que testemunhas que, sob as penas da lei, falaram do que sabiam dos fatos que foram narrados na inicial.
Acrescento que as únicas provas que não devem ser consideradas no processo são aquelas que, porventura, sejam consideradas ilícitas.
Desta forma, com o devido respeito, entende-se que as delações da Odebrecht devem ser levadas em conta, como meio de prova, para que se discuta o mérito(pedido, lide, pretensão) que foi apresentada na representação reportada.