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A evolução do princípio do contraditório no processo civil

24/11/2017 às 15:00

Resumo:


  • O Código de Processo Civil de 1973 fortaleceu a técnica processual e a separação entre direito material e processual.

  • A Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 13.105/2015 trouxeram mudanças significativas no modelo processual, adotando o formalismo valorativo.

  • O princípio do contraditório, agora visto como base do processo, é fundamental para garantir um processo justo e efetivo, conforme a legislação vigente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O contraditório como princípio fundamental e como princípio da colaboração processual.

1. Introdução

Em 1973, a Lei n. 5.869 instituiu o então novo Código de Processo Civil. Fortaleceu-se a valorização da técnica processualística, da separação estanque entre direito material e direito processual. A Ciência Processual, como alguns autores a chamam, evoluiu, mas o processo parece ter seguido sem rumo.

Um longo processo de mudanças de posicionamentos na doutrina e de dispositivos legais, como a promulgação da Constituição Federal de 1988, fez com que tal modelo fosse revisto. O movimento culminou com a elaboração e posterior vigência da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. O agora novo Código segue uma nova lógica processual, um novo modelo, o do formalismo valorativo.

Assim, impera compreender a evolução do contraditório mediante as transformações do processo, bem como seu valor fundamental no Direito Processual Civil atual. Afinal, o atual princípio do contraditório incide sobre partes e juízes, bem como obriga-os, em tese, a cooperarem entre si. Tal novidade do novo Código talvez fosse impensável sobre a lógica anterior, mas agora a técnica ajusta-se mediante a necessidade de um processo justo e efetivo.


2. Breve Histórico

A construção de um histórico em termos de direito, especialmente em termos de direito processual, sempre deve ser feita com cautela. Ainda que possamos traçar diferentes formas e aspectos do princípio do contraditório ao longo da história, passando por Roma, pela Idade Média, pela modernidade e chegando aos dias atuais, toda comparação deve ser feita tendo em mente que conceitos jurídicos dos mais variados não são os mesmos em períodos históricos diferentes, ainda que a eles sejam atribuídos os mesmos termos.

Feita tal observação, o ponto de partida mais evidente seria a já citada Roma Antiga. O processo, consistente em um embate dialético entre as partes mediante um terceiro imparcial, é uma efetiva referência à eficácia do contraditório. Segundo Sândalo Viana, que escreve sobre o contraditório como uma recente evolução do Processo Civil, o embrião de tal princípio se deu nas concepções primitivas de direito de defesa e acesso à justiça (DOS SANTOS JUNIOR, 2013, p.80).

No correr da Idade Média, o princípio que viria a ser considerado o contraditório, ainda segundo Viana, segue, ao exigir igual tratamento dispensado às partes litigantes, cuja consequente “reciprocidade entre os envolvidos era tão forte na praxe processual que sequer o papa ou o príncipe podiam dela prescindir sem gerar qualquer mal estar” (DOS SANTOS JUNIOR, 2013, p.81). Vale o brocado auditator et altera pars, isto é, que a outra parte também seja ouvida.

É com o advento da modernidade que ocorre a ruptura no desenvolvimento do princípio que almejava alcançar valor fundamental no Processo Civil. A valorização da técnica processual por si mesma decorrente do positivismo em conjunto com a tomada de força do Estado sobre o processo faz com que o contraditório seja suprimido. Tal supressão é encarada por alguns autores como “plenamente aceitável e até recomendável” (DOS SANTOS JUNIOR, 2013, p.81). No nascente Estado Moderno, o juiz ganha espaço, ficando no vértice de um modelo hierárquico de procedimento processual, observando o desenvolver dos autos, preferencialmente de forma neutra.

Na sequência, surge o liberalismo. Sua influência sobre a nascente Ciência Processual, por assim dizer, evidencia ainda mais a neutralidade do juiz, favorecendo o princípio do dispositivo e a igualdade formal. Distancia-se, entretanto, da realidade. O processo transformava-se, cada vez mais, em uma “formalidade ritualística” (DOS SANTOS JUNIOR, 2013, p.82).


3. Concretização na legislação vigente

A partir, principalmente, da segunda metade do século XX, a ótica sobre o processo como um todo é alterada. O questionamento é até quando deve-se confiar na técnica processual em detrimento do objetivo. Alcançar-se-á um ponto em que o juiz estará obrigado a discutir efetivamente com as partes os méritos processuais, e não apenas formalmente. As próprias partes, a princípio, relacionar-se-iam de forma diferente, seguindo um modelo teórico de cooperação, o que certamente influencia na caracterização do princípio do contraditório.

Tal novo modelo, que ao final será chamado por alguns autores de formalismo valorativo, é entendido como adequado ao Estado Democrático Constitucional. O Novo Código de Processo Civil, de 2015, traz, em seu art. 7º, que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. É uma ampliação do conceito já trazido pela Constituição da República, de 1988, ao estipular, no art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Também os artigos 9º, 10 e 11 do Código de Processo Civil de 2015 tratam especificamente do contraditório em suas características básicas.

Vale também citar o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre os Direitos Humanos), aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n° 27, de 26/5/1992. Seu art. 8º, que trata das garantias judiciais, determina que

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Com tal base legal, o processo volta-se então para uma nova função, a de prestar uma tutela adequada, efetiva e tempestiva dos direitos materiais. É como ensina Marinoni, amparando-se também no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. O Autor entende que “o procedimento deve ser concebido tendo em vista os vários interesses que convergem na solução da controvérsia e na prestação de uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva”. (ARENHART, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p.40).

Assim, o contraditório toma o valor de fundamento do novo modelo de processo. Ao relacionar-se com outros princípios, constrói uma base de valores que permeiam um processo que busca ser justo, não meramente técnico. Nas palavras de Freddie Didier, para formar o devido processo legal, somar-se-ão os direitos “ao contraditório, ao juiz natural, a um processo com duração razoável etc. Trata-se da dimensão mais conhecida do devido processo legal.” (DIDIER JR., 2015, p.67).

É a este ponto que a Ciência Processual eleva o contraditório, ao binômio de dever de debate, que abrange juiz e partes, e do direito destas de influenciar na decisão do juiz. Encerra-se o modelo hierárquico de processo, o qual transforma-se numa relação angular. 


4. Conceito segundo o novo modelo de processo

As teorias do formalismo valorativo, no entanto, já vinham sendo desenvolvidas no decorrer do início do século XXI, sendo consagradas, em termos de legislação nacional, no Novo Código de Processo Civil. Aprovada a nova lei e, passado um ano, entrando esta em vigor, autores da seara processual civil como um todo têm se manifestado a respeito dos rumos da Ciência Processual. Ainda que não haja consenso na doutrina, o código claramente adota as teorias mais avançadas quanto a importância do afastamento da mera técnica para que sejam construídas as garantias de um processo efetivo e justo.

Nessa esteira, por exemplo, os autores Dierle Nunes, Clenderson Rodrigues da Cruz e Lucas Dias Costa Drummond determinam que “o (novo) Código de Processo Civil nos moldes acima expostos, precisa ser interpretado em consonância com um formalismo constitucionalizado, especialmente por declaradamente estar embasado em premissas comparticipativas/cooperativas e no contraditório como influencia e não surpresa”. (DIDIER JR., NUNES, FREIRE, 2016, p.120). Passa-se a expressamente adotar e discutir conceitos antes vistos como idealizados e até mesmo exagerados. Toda uma nova geração de processualistas passa a se formar já estudando um novo código, e mesmo os que estudaram o antigo já vinham lendo autores que apontavam para o que viria.

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Isso de forma alguma vai eliminar da discussão o positivismo e a primazia da técnica processual. Ainda que não mais caracterizem valores fundamentais, mesmo assim, emergem da discussão defendidos por muitos autores, seja em livros ou nas salas de aulas. Os ensinamentos passados nas universidades, no decorrer da vigência do antigo código, que foi a expressão máxima da técnica processual como um fim em si mesma, ainda vivem em muitos processualistas. O debate científico é mais produtivo quando há posicionamentos contrapostos.


5. A efetividade do princípio fundamental

O princípio do contraditório surge, então, em nova forma, figurando agora também como fonte do princípio da cooperação. De tal forma que, nas palavras de Natália Pimenta, “além de assegurar a posição ativa do Magistrado na instrução processual, (...) impõe ao juiz o dever de diálogo durante o curso do processo de forma que o julgador também é submetido ao contraditório”. (PIMENTA, 2011, p.108). É fato que o novo Código de Processo Civil explicita o princípio, em seu artigo 6º.

Também Antonio do Passo Cabral escreve sobre a relação entre contraditório e cooperação. Ainda que suas palavras datem de antes do Código de Processo Civil de 2015, o autor ressalta que

A compreensão do formalismo valorativo, que não é vazia de conteúdo, mas funcionalmente direcionada à realização dos valores do ordenamento, aliada à visão moderna do contraditório aqui defendida, pode fazer-nos traçar um panorama geral do regramento ético dos atos processuais. (CABRAL, 2010, p. 207)

Segundo Cabral, e conforme já mencionado, o contraditório num contexto contemporâneo contempla também o princípio da colaboração. Eventualmente o Código de 2015 traria, em seu art. 6º, o princípio da colaboração explícito, ao enunciar que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Mas, antes da positivação, parte da doutrina já clamava pela mudança.


6. Conclusão

Por toda evolução do princípio do contraditório, considerando seu contexto histórico, há de se destacar dois momentos. Primeiramente, o momento em que o contraditório, que vinha em ritmo de evolução, perde seu valor axiológico devido à valorização da técnica pelos positivistas. Depois, o momento em que, a partir do Estado Democrático de Direito, o contraditório ganha espaço, novamente, tomando sua forma atual após décadas de aprimoramento.

Quanto a seu valor contemporâneo, percebemos bem seus fundamentos ao analisarmos a atual legislação brasileira. De fato, o recente Código de Processo Civil, de 2015, positivou os princípios de um novo modelo de processo, qual seja, o do formalismo valorativo. O contraditório, neste ponto, desenvolve-se também no princípio da cooperação, que deve ocorrer, segundo o texto legal, mesmo entre as partes. É uma visão impensável segundo a ótica do Código de 73, mas que se tornou possível após a longa elaboração de um novo código.

Antes do código, portanto, a doutrina trabalhou intensamente tal ideia. Os autores, aqui citados, entre muitos outros, escreveram sobre esse novo modelo desde meados dos anos 2000. Muitos outros autores escreveram, também, nesse período, e vêm escrevendo até hoje. Com o tempo, o Código de 2015 não mais será chamado de novo Código, tão somente de Código de Processo Civil, mas as ideias que tomaram forma antes de sua construção e se consubstanciaram em seu texto legal vão formar a base de juristas, processualistas ou não, mais preocupados com uma tutela efetiva dos direitos, e não meramente técnica.


REFERÊNCIAS

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil – Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Revista dos Tribunais LTDA., 2015. 1101p, V. 1.

CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno – Contraditório, Proteção da Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. Ed. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 387 p.

DIDIER JR., Freddie. Curso de Direito Processual Civil. Ed. 17. Salvador: Juspodivm, 2015. 786p, V. 1.

DIDIER JR., Freddie; NUNES, Dierle; FREIRE, Alexandre. Coleção Grandes Temas do Novo CPC - Normas Fundamentais. Salvador: Juspodivm, 2016. 526p.

DOS SANTOS JUNIOR, Sândalo Vianna. A Relação entre o Contraditório e a Fundamentação das Decisões no Processo Civil do Estado Democrático de Direito. 2013. 232f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual Civil) – Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2013.

PIMENTA, Natália Martins. Coletivização das Demandas Individuais: as Técnicas Processuais de Julgamento das Demandas Individuais à Luz do Princípio do Contraditório. 2011. 183f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual Civil) – Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2011.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Willian Metzker. A evolução do princípio do contraditório no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5259, 24 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58367. Acesso em: 26 dez. 2024.

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