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Os modernos princípios contratuais e o Código Civil de 2002.

A boa-fé objetiva e a função social dos contratos

Resumo:

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  • Os princípios contratuais como a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos são essenciais para garantir a liberdade e a segurança jurídica nas relações contratuais, respeitando-se as normas de ordem pública e os bons costumes.

  • A boa-fé objetiva e a função social do contrato são princípios modernos incorporados ao Código Civil que orientam as partes a agir com lealdade e considerar os impactos sociais de suas ações, promovendo um equilíbrio entre interesses individuais e coletivos.

  • O princípio da função social do contrato reflete a visão contemporânea de que os contratos devem atender não apenas aos interesses particulares das partes envolvidas, mas também contribuir para o bem-estar social, impondo limites à liberdade contratual em favor de uma justiça mais ampla.


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Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I – PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Alguns princípios contratuais embora derrocados da importância que possuíam em outros tempos, são fundamentais para se estabelecer um equilíbrio sólido e justo na elaboração do contrato. Vamos analisar os principais preceitos contratuais com especial ênfase à boa-fé objetiva e a função social do contrato, incorporados ao nosso atual Código Civil.

O mais conhecido é o princípio da autonomia da vontade. Pode-se conceituá-lo como a liberdade das partes de estipular conforme sua vontade o conteúdo contratual, criando para si direitos e obrigações segundo seu consenso e interesse, sendo seus efeitos tutelados pelo ordenamento jurídico.

Essa liberdade conferida à parte é ampla, não se referindo apenas à construção da avença, mas também concernente à liberdade de contratar ou não, de querer fazer parte do negócio jurídico, de fixar o seu conteúdo elaborando cláusulas, estipulando direitos e conferindo obrigações, etc.

Nesse âmbito específico dá-se a supremacia da autonomia individual, onde as normas civis são aplicadas de forma supletiva ou dispositiva. Exceções são os casos das normas de ordem pública e os bons costumes, já que nessas hipóteses o querer dos contratantes sujeita-se sempre aos seus imperativos.

Ensina Humberto Theodoro Júnior:

Por meio das leis de ordem pública, o legislador desvia o contrato de seu leito natural dentro das normas comuns dispositivas, para conduzi-lo ao comando daquilo que a moderna doutrina chama de ‘dirigismo contratual’, onde as imposições e vedações são categóricas, não admitindo possam as partes revogá-las ou modificá-las. (1)

O alcance da autonomia da vontade está atenuado pelos mandamentos sociais, como os de boa-fé e da função social do contrato. O dirigismo estatal, que hoje abrange quase a totalidade do campo contratual, derroga em grande parte a vontade individual, movida pelo sentimento egoístico necessário às relações humanas, e o interesse meta-individual – a atual visão do indivíduo inserido num todo, que é a sociedade.

O Estado, através dos legisladores e magistrados, intervém na relação contratual quando nela houver evidente desrespeito à comutatividade, fator este que pode levar uma das partes à ruína. Isso porque o mero entrelace das vontades dos contratantes não é sinônimo de igualdade e paridade, como propagava a doutrina dominante do século XIX.

Dirigir é ministrar, zelar pelos interesses comuns, coletivos, sendo esta função intrínseca do Estado. O dirigismo estatal como limitador da autonomia da vontade tem, por finalidade, a existência da igualdade ou sua manutenção nas avenças, e o seu desrespeito pode levar à revisão ou resolução deste contrato, conforme artigos 478, 479 e 480 do Código Civil de 2002.

Outro princípio é o da força obrigatória dos contratos conhecida pela máxima romana pacta sunt servanda. Essa norma foi empregada expressamente por alguns importantes Códigos Civis do mundo Ocidental, como o Francês de 1804 em seu artigo 1.934 e o Italiano em seu artigo 1.372.

Deste aforismo decorre a obrigatoriedade no cumprimento do que foi livremente acordado. É, portanto, regra endógena que garante a segurança jurídica, pois já que o acordo foi elaborado de forma livre e consensual – livre de qualquer vício – nada mais lógico do que seu normal adimplemento.

O contrato quando concretizado surge para o mundo jurídico e dele retira sua proteção, podendo, em caso de inadimplemento, ter início sua execução judicial nos moldes do ordenamento vigente.

A regra é a imutabilidade dos contratos, sem a qual não se poderia exigir o seu cumprimento que é a sua finalidade precípua: o contrato nasce para um dia se extinguir. Mas não se deve entender a sua imutabilidade de forma absoluta e sim de maneira relativa, v. g., a vontade de ambas as partes no intuito de desfazer o negócio seja por caso fortuito ou força maior.

Abrandou-se, com isso, o rigor deste princípio até então interpretado e aplicado de forma implacável e com inúmeros efeitos maléficos sobre os negócios jurídicos até fins do século XIX.

Ensina Maria Helena Diniz:

A força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração do conteúdo da avenca, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contraentes. [2]

O princípio da relatividade dos contratos funda-se na máxima romana res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest. Ou seja, o contrato só obriga aqueles que tomaram parte em sua formação não prejudicando e nem aproveitando a terceiros, já que ninguém pode tornar-se devedor ou credor sem sua plena aquiescência.

O teor deste princípio está conectado ao objeto do contrato, pois contrato sobre bem não pertencente às partes contratuais não afeta interesse de terceiros. Essa a norma geral, podendo haver casos específicos onde reflexos da criação de um contrato, como bem tangível, possam afetar indiretamente interesses de terceiros que originalmente não integraram o liame contratual.

O princípio do equilíbrio contratual tem por fundamento vedar possíveis desequilíbrios entre as vantagens obtidas pelos contratantes e está de acordo com o preceito estatuído pelo artigo 3º, inciso III de nossa Carta Política, que é o princípio da igualdade substancial.

Segundo esta máxima o contrato não pode servir como um manto protetor de injustiças, onde as prestações de um contratante acarretem em locupletamento em favor do outro contratante. É um mecanismo de proteção à parte hiposuficiente em razão da disparidade do poder negocial dos contratantes, possibilitando haver eqüitativas prestações e permitindo se estabelecer verdadeira justiça contratual.

Por fim, o princípio do consensualismo entende que o simples acordo tem força suficiente para fazer surgir o contrato, não se exigindo forma especial para a sua constituição. Nossa legislação observa ressalvas apenas a alguns tipos específicos de contrato onde algumas formalidades devem ser atendidas, por motivos de interesse social propiciando maior proteção legal.


II – BOA FÉ OBJETIVA

O princípio da boa fé objetiva possui tamanha amplitude que parte da doutrina considera-o gênero, onde são espécies outros princípios como, por exemplo, o do equilíbrio contratual e da função social do contrato. Não podendo obliterar seu valor hoje preponderante em nosso ordenamento jurídico, vamos analisá-lo separadamente. Em seu cerne estão valores éticos como a lealdade, correção e veracidade.

Leciona Miguel Reale:

Já a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. (3)

É um valor pertencente à solidariedade que deve existir entre os cidadãos, ao respeito mútuo e cooperação. Deve ser observado desde a origem do contrato, durante a sua execução e, inclusive, após seu término como limitação de direitos. Difere da boa fé subjetiva, pois está é o estado da consciência do agente, a sua intenção interna, que, desta maneira, está eivada de subjetivismo.

Não apenas em nosso Código Civil, mas inclusive em outros corpos legislativos a boa fé objetiva também foi absorvido, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, ex vi artigo 51, inciso IV. Serve também como meio de interpretação dos negócios jurídicos, v. g. artigo 113 do Código Civil de 2002, que não possui correspondente no de 1916, no exercício de direitos e como norma de conduta para os contratantes.

Estatui o artigo 422 do Código Civil, como uma cláusula geral:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.

Os principais deveres decorrentes deste princípio são: os de cuidado, previdência e segurança; os de aviso e esclarecimento; os de informação; o de prestar contas; os de colaboração e de cooperação; os de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio; os da omissão e de segredo. Cada um se adapta e insere conforme o tipo de contrato idealizado e concretizado pelas partes.

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Essa análise nos leva à conclusão de que o contrato além de servir como meio de se atingir o interesse pessoal de determinadas pessoas – com suas prerrogativas individuais e egoísticas –, também está sujeito a uma intervenção tácita ou expressa do Estado na tentativa de procurar atender as finalidades sociais.

A não observância ou a deslealdade configura ato ilícito ou abuso de direito, de acordo com o artigo 187 do diploma civil:

Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.


III – A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Prescreve o artigo 421 do Código Civil:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Similar à boa-fé objetiva, o princípio da função social do contrato foi incluso em nossa legislação civil como uma cláusula geral. Assim compreende-se que através da função social o contrato não mais é entendido como uma relação jurídica existente apenas para satisfazer interesse relativo às partes, mas sim inserida num contexto social que influencia e mesmo altera este pacto.

O contrato é, portanto, mecanismo de consecução do bem comum, de busca do interesse social. Não há mais espaço para sua antiga concepção individualista e desumana, pois o Direito segue uma esteira da ótica de valores sociais, de um novo horizonte para a aplicação dos modernos princípios contratuais.

Os paradigmas do instituto contratual foram elevados à sua verdadeira condição no instante em que foi, tal qual a propriedade, entendido de acordo com sua função social. O individualismo foi relegado ao ostracismo, voltando o legislador seus olhos para a função meta-individual, exógena, do contrato.

Esse o caráter apregoado por Miguel Reale: o da eticidade, operabilidade e sociabilidade do direito civil. Informa que na promulgação do Código Civil de 1916, 80% da população vivia no campo; hoje ocorre o inverso: 80% da população vive nas cidades, sendo nítida a diferença entre a mentalidade daquela época e a hodierna, da evolução do individual para o social.

Há uma harmonização entre o princípio da função social com o da relatividade, segundo Teresa Negreiros:

Assim, na outras ponta do arco histórico traçado a partir do modelo de contrato fundado na vontade individual, tem-se hoje um modelo normativo no qual a força obrigatória do contrato repousa, não na vontade, mas na própria lei, submetendo-se a vontade à satisfação de finalidades que não se reduzem exclusivamente ao interesse particular de quem a emite, mas igualmente à satisfação da função social do contrato. (4)

O homem não vive isolado no mundo. Como indivíduo, trava uma gama de relações com seus contemporâneos e essa coexistência pressupõe uma troca de bens, sejam materiais ou imateriais. Sua existência é tutelada pelo Direito, mormente pelo direito civil, dito o código do homem comum.

O Direito não mais enxerga a pessoa isoladamente, mas como integrante de um todo que é a sociedade, ou seja, um agrupamento de indivíduos, cada qual manifestando sua vontade, realizando negócios, adquirindo bens, etc.

A função social exerce um sistema de proteção e garantia das partes. É norma de caráter preventivo, como demonstra Antônio Jeová Santos:

O caráter preventivo da norma é um permanente aviso às partes contratantes. É como se alertasse de que o direito não vai tolerar nenhum ato que venha a conspurcar o interesse social, que vulnere a função social, concebida, principalmente, para tutelar a parte menos favorecida. [5]


Notas

1O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aides, 2001, pág. 17.

2Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 38.

3 REALE, Miguel. A boa-fé objetiva. Estado de São Paulo, 16 de ago. 2003, Espaço Aberto, p. A2.

4Teoria do contrato – novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 224.

5Função social, lesão e onerosidade excessiva nos contratos. São Paulo: Método, 2002, pág. 105.

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Sobre o autor
Rinaldo Mendonça Biatto de Menezes

Advogado Contratualista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Rinaldo Mendonça Biatto. Os modernos princípios contratuais e o Código Civil de 2002.: A boa-fé objetiva e a função social dos contratos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 468, 18 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5844. Acesso em: 23 dez. 2024.

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