III – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO AÇODADO DENUNCIANTE
Como bem averba Betina Rizzato Lara, "o tema da responsabilidade civil tem hoje lugar privilegiado em todos os ramos do direito, não podendo deixar de ter destaque, igualmente, no direito processual civil". (34)
Por esta razão, o § 6º, do art. 37, da CF, estipula que as pessoas jurídicas de direito público responderão objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
O direito do ente público de utilização da faculdade de acionar por ato de improbidade não deve ser irresponsável. Ou, como deixamos grafado anteriormente em nosso "Limite da Improbidade Administrativa – O direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92":
"A denúncia irresponsável motivada por ingredientes políticos ou causas que não são jurídicas é abominada pelo direito, por invadir a privacidade do acusado sem elementos para tal.
Assim, uma lei tão severa, possuindo penas graves, como a de improbidade, não pode ser direcionada de forma irresponsável, pois ela foi criada para aniquilar o agente público mau-caráter, que rompe a probidade para atingir fins ilícitos." (35)
E, coube ao art. 19, parágrafo único, da Lei de Improbidade Administrativa, punir o açodado denunciante (autor da ação) no pagamento pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado ao agente público injustamente.
Sucede que tal cânone legal fica restrito ao caput do art. 19 da citada lei, que somente pune os denunciantes pelo crime de denunciação caluniosa, devendo o ofendido provar que o autor da ação sabia que ele era inocente.
Esta é a uma prova quase que impossível, pois a demonstração de um elemento tão subjetivo, que está guarnecido na vontade do interlocutor que subscreve a exordial de improbidade, é muito difícil.
Vou mais além, pois a matriz da responsabilidade civil é constitucional (art. 37, § 6º, da CF), sendo defeso a sua aplicação somente aos casos de denunciação caluniosa, por parte do ente de direito público. Basta haver o constrangimento, com a indevida exposição no pólo passivo da ação de improbidade administrativa, que o agente público honesto já se condenou por estar alçado a condição de Réu. Pouco importa para ele, homem de bem, que, a posteriori a decisão judicial lhe seja favorável, tendo em vista que ele já se auto-mutilou psiquicamente, enquanto durou a natimorta ação judicial.
Este grave e irresponsável dano moral merece severa reprimenda, pois a responsabilidade do poder público é objetiva.
Adilson Abreu Dallari, sensibilizado com esse constrangimento do agente público que não deu causa às suspeitas infundadas do comentimento de um ato de improbidade administrativa, anota:
"É um constrangimento, de qualquer maneira, para qualquer pessoa, ser processado. Uma autoridade pública, quando é processada, tem um desgaste muito maior que qualquer cidadão, porque o simples fato de ser processado tem grande repercussão política, afeta seriamente a vida pública da pessoa. Esse risco, bastante concreto, desestimula gente decente, honesta, correta, a ousar trabalhar na Administração Pública. É oportuno lembrar que qualquer agente público, e especialmente que recebeu da ordem jurídica, da coletividade, em eleições livres, a confiança para tomar decisões em nome da coletividade, merece o mínimo de respeito, merece ter respeitado o ‘mais mínimo’, o mais elementar dos direitos, que é o de ser ouvido." (36)
A responsabilidade civil pela indevida propositura de ação de improbidade é objetiva, não ficando limitada somente aos casos em que o autor da ação sabe que os Réus são inocentes (art. 19, da Lei de Improbidade Administrativa). Basta o nexo causal entre a indevida ação de improbidade e o dano moral causado ao agente público ou ao terceiro, que ostentem a incômoda posição no pólo passivo da lide, para fazer nascer a responsabilidade civil. Ou seja, após o decurso do tempo, onde o agente público ou o terceiro foram acusados de grave ato de improbidade, com a indevida exposição pública, com constrição de bens ou não, faz nascer a lesão de ordem moral e material, tendo em vista que a futura absolvição demonstra que o manejo da ação foi temerário.
O ritual que antecede a ação de improbidade (sindicância, inquérito civil público, processo administrativo disciplinar ou outro meio legal de investigação) deve demonstrar, de forma inequívoca, elementos de base sólida de acusação, como dito alhures.
A prudência e a cautela são elementos essenciais na atuação pública, quando determinados atos podem causar danos às pessoas e a seus familiares, tendo em vista que quando se combate ou investiga atos de improbidade administrativa, somente poderá ser acionado aquele que cometeu ato ilícito previsto pela aludida lei, não existindo discricionarismo do órgão acusador, porque a lei fixa critérios objetivos para o respectivo enquadramento.
A indenização a que o denunciante irresponsável está compelido, por dano material ou moral, possui o efeito pedagógico punitivo para frear a onda de "denuncismo" infundado, e compensatório para a vítima, que terá no dinheiro a diminuição do ferimento da sua honra objetiva e subjetiva.
Portanto, o dano moral nasce quando alguém lesiona o direito da personalidade, que é a intimidade, imagem, bom nome, privacidade, integridade, reputação, etc.
Assim, havendo dano material, moral ou à imagem da vítima, o agente público agressor será compelido a pagar pelo seu ilícito.
O dano material não é presumível, terá que ser provado pelo agente público atingido. Já o dano moral é implícito, tendo o seu nascimento na própria ofensa.
Fica invencivelmente demonstrado o dano moral pela humilhação e tristeza com que foi acometido o agente público, indevidamente alçado à condição de acusado, com reflexo no âmbito das relações familiares, sociais e profissionais, respingando na reputação, no bom nome, e na imagem da vítima perante terceiros.
Quem exerce uma jurisdição temerária causa prejuízo à estrutura do Judiciário e à parte que é inocentada de uma injusta imputação.
Nas hipóteses em que o autor da ação de improbidade administrativa liminarmente indisponibiliza os bens dos acusados ou consegue o afastamento provisório do agente público, em havendo reversibilidade da medida, com o julgamento improcedente da ação, nasce também o direito de indenizar.
Essa é a dicção do art. 811 do CPC:
"Art. 811 – Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a execução da medida:
I – se a sentença no processo principal lhe for desfavorável;
II – se obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro de 5 (cinco) dias;
III – se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808 deste Código;
IV – se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou prescrição do direito do autor (art. 810)."
Mesmo que não exista a má-fé na conduta do autor da ação de improbidade administrativa, ele deverá responder pelo fato objetivo do dano causado ao réu.
Dessa maneira, o exercício da ação temerária, que abriga a dor e o dano para o acusado, dá azo à indenização, como defendido brilhantemente por Lúcio Palma da Fonseca:
"Basta o exercício da ação e os risco a ela inerentes, para surgir a obrigação de indenizar, ou pela execução da medida, ou pela ocorrência de uma das hipóteses previstas em seu artigo." (37)
Para Humberto Theodoro Junior, "dano que se há de indenizar é o resultante da execução da medida cautelar, isto é, aqueles prejuízos diretamente produzidos pelo cumprimento do mandato." (38)
Compartilhando do mesmo horizonte jurídico, José Carlos Barbosa Moreira, aduna: "a responsabilidade do requerente tem como pressuposto a efetivação da providência cautelar." (39)
Pela sentença improcedente, "do processo principal desfavorável ao requerente da cautela, e que engendra o dever de reparar, tanto pode ser de mérito (definitiva) como de preliminar (terminativa)." (40)
IV – CONCLUSÃO
Pelo exposto, concluímos que a utilização irresponsável da ação de improbidade administrativa, traz o dever do Poder Público, e do subscritor da natimorta ação, de indenizar o agente público e/ou ao terceiro, prejudicados pelo abuso do direito de acionar.
A utilização da faculdade de acionar pessoas não é ilimitado, decorrendo de uma criação intelectual do autor da lide. Havendo a turbação indevida do réu da ação de improbidade administrativa, julgada improcedente a posteriori, nasce o dever de indenizar.