RESUMO
A manutenção dos adolescentes internados sob o cumprimento de medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional, constitui obrigação do Estado, regida por um conjunto de normas legais que visa garantir os direitos destes adolescentes. Na prática, o Estado omite-se quanto à observância de muitas das determinações no tocante padrão de serviço estabelecido em lei, deixando de cumprir regras por ele mesmo instituídas. Visando compreender sobre os direitos destes adolescentes que encontram-se em regime de privação de liberdade em instituições, faremos uma analogia quanto ao direito adquirido dos presos à indenização por parte do Estado pela inadequação dos presídios e quanto a igualdade deste direito perante aos adolescentes pela inadequação dos estabelecimentos educacionais, trabalho este feito através do método descritivo-analítico. Tanto o agir quanto o não agir do Poder Público são capazes de gerar danos ao particular, o prejuízo resulta de um evento alheio ao Estado, porém ocorre em razão de sua omissão que criou o ambiente decisivo para a concretização do dano. Por não agir, omitindo-se no cumprimento de seus deveres tornando-se responsável ao evento danoso. A Corte do STF entendeu que a superlotação e o encarceramento desumano geram responsabilidade do estado em reparar danos sofridos no caso dos encarcerados, reconhecendo, portanto, sob à luz das atuais diretrizes da responsabilidade civil do Estado e dos direitos fundamentais e o direito à dignidade humana fonte de todos os demais direitos da personalidade, o poder público deve ser condenado à indenizar os prejuízos comprovadamente sofridos pelos presos, nesta esteira, o presente trabalho visa começar uma investigação semelhante com relação aos adolescentes em decorrência da precariedade das instituições em que são submetidos à cumprimento de medidas sócio educativas em regime de privação de liberdade.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Inadequação dos estabelecimentos educacionais. Dever de indenizar.
ABSTRACT
The maintenance of the adolescents hospitalized under compliance with socio-educational measure of hospitalization in an educational establishment, is an obligation of the State. Provision is governed by a set of legal norms, guaranteeing the rights of these adolescents. In practice, the State does not follow many of the determinations of the standard of service established by law, omitting itself in the fulfillment of rules established by it. In order to understand the rights of these adolescents who are deprived of their liberty in institutions, we will make an analogy regarding the acquired right of the prisoners to the indemnification by the State for the inadequacy of the prisons and the equality of this right before the adolescents by the inadequacy Of educational establishments, this work is done through the descriptive-analytical method. Both the act and the non-action of the Public Power are capable of generating damages to the individual, the damage results from an event alien to the state, but occurs as a result of its omission that created the decisive environment for the accomplishment of the damage. By not acting, omitting himself in the fulfillment of his duties becoming responsible to the damaging event. The Supreme Court held that overcrowding and incarceration create the State's responsibility to repair damages suffered in the case of those incarcerated. Therefore, under the current guidelines of civil liability of the State and fundamental rights and the right to human dignity source of all other rights of the personality, the public power must be condemned to indemnify the damages suffered by adolescents as a result of the precariousness Of the institutions in which they are subject to compliance with socio-educational measures under deprivation of liberty.
Keyword: State Liability. Inadequacy of educational establishments. Duty to indemnify.
*Discente do curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha. [email protected]
**Doutorando em Ciências da Linguagem pela Universidade do Vale do Sapucaí; Mestre em Adolescente em Conflito com lei pela Universidade Bandeirantes de São Paulo/SP (2013); Especialista (Pós graduação “Latu senso”) em Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Cenecista de Varginha (2011); Graduado em Direito pela Faculdade Cenecista de Varginha (2009); Advogado militante e sócio do escritório COSTA & PENA Advogados; Professor titular da graduação em Direito da rede CNEC – Varginha (FACECA); Professor da Pós-Graduação em Direito Militar do Grupo educacional UNIS. E-mail: [email protected].
1 INTRODUÇÃO
Os direitos e os interesses de crianças e adolescentes sempre existiram, mas nem sempre tiveram espaço suficiente de serem reconhecidos e assim serem vistos como sujeitos de direitos.
Com o desenvolvimento das civilizações, houve o aprimoramento das leis, onde foram criadas regras específicas defendendo assim os direitos das crianças e dos adolescentes. Segundo Ishida, o Estatuto da Criança e do Adolescente com base no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes, adota a “doutrina da proteção integral” instaurando assim a chamada prioridade absoluta.
Dentre as regras de direito da infância e da juventude se tem como base a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse, princípio este que preza e considera primordial o interesse da criança.
Em 1990, houve a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente com a Lei 8.069/90 (ECA), nascendo este da indignação de toda uma sociedade, pois, achavam que o antigo “Código de Menores” possuía um excesso de poder por parte do magistrado, para eles o ECA representava o estabelecimento de garantias. (ISHIDA, 2013, p. 6). O ECA foi consolidado como uma proposta socioeducativa, considerando a natureza de desenvolvimento dos jovens e se pondo à concepção assistencialista composta na lei anterior.
A doutrina da proteção integral disposta na Constituição Federal de 1988 e na Lei 8.069/90, trata crianças e adolescentes como sujeito de direitos e os reconhece como pessoas em desenvolvimento, conferindo à família, ao Estado e à sociedade o dever de assegurar seus direitos fundamentais e de proteção com prioridade absoluta conforme exposto no artigo 227 da CF/88.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), objetivando a responsabilização e a promoção individual e social do adolescente em conflito com a lei, garante a este segmento direitos individuais, além de garantias processuais. Para isto institui medidas sócio educativas que são aplicadas respeitando a condição de desenvolvimento da fase da adolescência, visando uma ação educativa.
Mediante aos direitos garantidos aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação, o objetivo deste trabalho é fazer uma analogia quanto ao direito reconhecido de indenização aos presos por inadequação dos estabelecimentos prisionais e a possibilidade deste mesmo reconhecimento quanto aos adolescentes que encontram-se em cumprimento de medida em instituições.
Este trabalho foi desenvolvido através do método de pesquisa comparativo sendo que ocupa-se da explicação dos fenômenos e permite o lado concreto, deduzindo desse os elementos constantes, abstratos e gerais. O método comparativo precede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre eles. Sua ampla utilização nas ciências sociais deve-se ao fato de possibilitar o estudo comparativo de grandes grupamentos sociais, separados pelo espaço e pelo tempo.
2 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
As medidas socioeducativas possuem finalidades pedagógicas, sendo assim, verificada a pratica do ato infracional, o Juiz da Infância e da Juventude, poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – Advertência; II – Obrigação de reparar o dano; III – Prestação de Serviço à Comunidade; IV – Liberdade Assistida; V Inserção em regime de Semiliberdade; VI – Internação em estabelecimento educacional (Art. 112 do ECA), considerando a vulnerabilidade do público a que se destina. Apesar de configurar resposta à prática de uma conduta análoga a um delito, apresentam um caráter predominantemente educativo e não punitivo ao contrário do que muitos pensam.
Conceito de medida socioeducativa. É a providência originada da sentença do juiz da infância e da juventude através do devido processo legal de natureza educativa, mas modernamente também com natureza sancionatória como resposta ao ato infracional cometido por adolescente. Também em alguns casos possui natureza administrativa, resultante de homologação judicial de remissão cumulada com alguma medida permitida por lei. Portanto, as medidas possuem característica pedagógica, mas também o escopo sancionador, como instrumento de defesa social. (ROSSATO, 2009 apud ISHIDA, 2013, p. 270).
De acordo com o ECA, a medida socioeducativa é aplicável ao adolescente autor de ato infracional, enquanto a pena somente poderá ser aplicada ao maior de 18 anos sendo esta regulada pelo Código Penal.
A pena possui finalidade retributiva, preventiva e recuperativa e a medida socioeducativa tem como finalidade a reeducação social do adolescente em conflito com a lei, de modo que desejar a aplicação de pena ao adolescente ou querer caráter de pena à uma medida socioeducativa, seria uma violação aos direitos e garantias dos adolescentes.
2.1 Medida de internação
A medida de internação conforme entendimento de Ishida, considerada como a mais grave dentre as medidas socioeducativas elencadas no Artigo 121 do ECA, sendo esta restritiva de liberdade, pressupondo prova da autoria e da materialidade, e não se admitindo apenas a confissão do adolescente infrator.
A medida de internação restritiva de liberdade, define a internação como medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, sendo estes os três princípios e finalidades da internação. (BRASIL, 1988).
O princípio da brevidade significa que o adolescente deva cumpra a medida somente o tempo necessário para sua readaptação, estipulando assim a lei o prazo máximo de 3 (três) anos (inciso 3º) e a liberação compulsória aos 21(vinte e um) anos (inciso 5º). Quanto ao princípio da excepcionalidade no sentido de que esta deverá ser a última medida a ser aplicada pelo magistrado quando da ineficácia das demais. E o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento visa manter condições para o pleno desenvolvimento dos adolescentes como exemplo garantindo seu ensino e profissionalização.
É preciso atentar para o fato de que o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, assegurado tanto na Constituição Federal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, exige que o tratamento conferido ao adolescente seja mais do que equivalente àquele destinado ao adulto, isto é, exige que tal tratamento seja ainda mais benigno (INALUD, 2004 apud OLIVEIRA, 2013, p. 61).
Para que ocorra a internação a norma prevê que seja pelos motivos de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça, através de homicídio, roubo, latrocínio etc., Por reiteração de cometimento de infrações graves não se confundindo com reincidência do artigo 63 do Código Penal, basta que o adolescente volte a cometer outros delitos de natureza grave como o porte ilegal de armas; Por internação-sanção, quando da desobediência de outra modalidade anteriormente aplicada, considerada pelo STJ como regressão, limitando a internação por 3 (três) meses não excedente este prazo, após o cumprimento de internação, a medida antes aplicada deverá ser cumprida. E por internação provisória sendo esta decretada pelo Juiz no processo de conhecimento, sendo este com prazo máximo de 45 dias a contar da data da apreensão do adolescente.
2.2 Criação da lei do Sinase
Em Junho de 2006, foi sancionado pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do (CONANDA) o Sistema Nacional de atendimento Socioeducativo (SINASE), porém somente em 18 de Janeiro de 2012 por meio da Lei 12.594 foi instituído a referida lei. Seu objetivo foi de regulamentar a configuração de como o Poder Público juntamente com diversos órgãos iriam prestar o devido atendimento aos adolescentes que cometeram algum ato infracional. Considerado um documento que visa promover uma ação educativa no atendimento ao adolescente que cumpre medida socioeducativa, sendo esta medida em meio aberto ou restritivas de liberdade, considerado como instrumento jurídico consolidados dos direitos dos adolescentes no Brasil.
O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa tanto em meio aberto ou regime de privação de liberdade possui seus direitos garantidos em lei, direitos estes que também devem ser cumpridos.
De acordo com a lei 12.594/2012 (Lei SINASE) em seu artigo 16 também regulamenta que “a estrutura física da unidade deverá ser compatível com as normas referência do SINASE”, lei esta que deve ser cumprida, garantindo assim condições para a devida internação deste adolescente em cumprimento de medida sócio educativa com restrição de liberdade (BRASIL, 2012, p. 5).
Inúmeros fatores podem influenciar nos resultados do cumprimento de uma medida sócio educativa de privação de liberdade, dentre eles, a realização desta prática em um local que não disponha dos recursos necessários para o devido cumprimento desta medida.
A medida de internação restritiva de liberdade, foco de nossa abordagem, conforme disposto no artigo 121 da Lei do ECA, define: “A Internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento”. (BRASIL, 1990, p. 930).
O SINASE propõe em casos de medida de internação, que os Centros Socioeducativos apresentem os aspectos físicos como: Condições adequadas de higiene, limpeza, circulação, iluminação e segurança; Espaço adequado para a realização de refeições; Espaço para atendimento técnico individual e em grupo; Condições adequadas de repouso dos adolescentes; Salão para atividades coletivas e/ou espaços para estudo; Espaço para o setor administrativo e/ou técnico; Espaço e condições adequadas para visita íntima; Espaço e condições adequadas para visita familiar; Área para atendimento de saúde/ambulatórios; Espaço para atividades pedagógicas; Espaço com salas de aulas apropriadas contando com salas de professores e local para funcionamento da secretaria e direção escolar; Espaço para prática de esportes e atividades de lazer e cultura devidamente equipados e em quantidades suficiente para o atendimento de todos os adolescentes e Espaço para a profissionalização.
Segundo Oliveira (2013), o SINASE preconiza que a arquitetura socioeducativa deve ser concebida como espaço que permita a visão de um processo indicativo de liberdade, não de castigo e nem a sua naturalização.
O ECA consagra a doutrina de proteção integral sendo, a convivência familiar e comunitária um dos direitos fundamentais e imprescindíveis para o pleno desenvolvimento de toda criança e adolescente. O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação recebe como sanção a privação da liberdade do convívio com a sua família e comunidade. Entretanto, para que se assegure o seu direito de cidadania e os danos não sejam ainda maiores, a entidade e/ou programa de atendimento deve garantir que o adolescente tenha acesso aos seus demais direitos.
2.3 Vedação da maior gravosidade ao adolescente
A vedação da maior gravosidade ao adolescente esta protegida pela lei do Sinase em seu artigo 35 em seu parágrafo I da referida lei 12.594/2012, regido este pelo princípio da legalidade, que Segundo Melo (2013, p. 24) a observância do princípio da legalidade, com a ênfase na observância de não se dar ao adolescente um tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto, visa, de um lado, a reiteração da inadmissibilidade do apenamento de condutas desviantes, mas que não constituem condutas tipificadas como crimes. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes demais princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas;
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;
VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e
IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
Conforme entendimento de Carelli (2014), a primeira parte do inciso I consagra o princípio da legalidade, que também tem sede constitucional (art. 5º, II, da CRF/88). Significa uma restrição à atuação do Poder Público e representa uma expressão do Estado Democrático de Direito. A segunda parte do inciso I contém o princípio da vedação do tratamento mais gravoso ao adolescente.
O referido princípio já tinha sido contemplado pelo anexo da Resolução CONANDA n.º 119/06 e, a par das regras previstas no art. 49, “caput”, “in fine”, e § 1º, da Lei n.º 12.594/12, impõe respeito aos direitos individuais previstos nos artigos 106 ao 109 do ECA durante o procedimento de execução socioeducativa, eis que os mesmos direitos são assegurados aos adultos em cumprimento de pena (art. 5º, LIV, LXI, LXII, LXIII, LXIV e LXV, da CRF/88).
Como exemplo, caso que aconteceu na cidade de Barretos SP, na Vara da Infância e da Juventude, dois adolescentes sem antecedentes e que cumpriam medida socioeducativa de semiliberdade em razão da prática de ato infracional pela conduta do artigo 28 da Lei 11.343/06, os adolescentes portavam uma pequena quantidade de maconha para consumo pessoal. Os adolescentes residiam em uma cidade próxima a Barretos com suas famílias. Ao final do processo foram deslocados para a cidade de Barretos para cumprimento de medida socioeducativa de internação, pois inexistia unidade na cidade em que moravam.
Mediante o caso exemplificado acima e segundo entendimento da Defensora Pública Ferreira (2013), entende que é evidente que o ato infracional de portar substância entorpecente para consumo pessoal, jamais pode acarretar em medida socioeducativa restritiva de liberdade sendo que as consequências legais para aquele que pratica a conduta são:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. (artigo 28 da Lei nº 11.343/06).
Com isso, a medida tomada pela Vara da infância não condiz com a medida correta e garantida pela Lei, pois existem medidas legais antes da medida socioeducativa de internação.
Além disso, consta do artigo 48, §2º da Lei, a vedação expressa até mesmo à prisão em flagrante do usuário de entorpecentes.
No entendimento de Ferreira (2013, p.), “não existe previsão legal de privação de liberdade dentre as penas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 e, se inexiste tal cominação, é certo que ninguém – adulto ou adolescente - pode ter esse direito fundamental diminuído ou suprimido”.
Conforme exposto no artigo 122, III, ECA, não é possível a aplicação de medida de semiliberdade ao adolescente, muito menos medida de internação por tempo indeterminado pela prática do ato infracional previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06.
Pela visão de Ferreira (2013), a conclusão é simples e prescinde de grandes esforços: se um adulto não pode ter a liberdade restringida, em nenhuma hipótese, pela prática da conduta prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, é inadmissível que um adolescente, nas mesmas circunstâncias fáticas, cumpra medida socioeducativa de semiliberdade.
Portanto, a própria lei protege quanto à proibição de tratamento mais gravoso ao adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação, principalmente por ser pessoa em desenvolvimento, sendo inadmissível aplicação de tal prática ao adolescente em questão.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL
Podemos dizer que a Responsabilidade Civil não é apenas reparar o dano revertendo à situação do lesado, deverá haver ética e uma relação jurídica equilibrada é imposta ás pessoas que possuem um comportamento contrário ao direito, possuindo uma conduta antijurídica.
Conforme artigo 927 do Código Civil:
“Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Podemos definir ato ilícito como “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, conforme redação do artigo 186 do C.C (BRASIL, 2002).
A responsabilidade civil caracteriza-se da violação de uma norma já existente, que quando não cumprida, gera uma obrigação de quem causou o dano indenizar ao lesionado. São elementos necessários da responsabilidade civil: conduta humana, nexo de causalidade, dano ou prejuízo.
A Conduta humana, é todo ou qualquer comportamento praticado por uma pessoa, sendo este comportamento positivo ou negativo, consciente e voluntário e causador de dano ou prejuízo. O nexo de causalidade é o vínculo existente entre o agente e o resultado danoso. O dano é a violação de interesse jurídico tutelado, podendo ser material ou moral. Para que haja dano indenizável necessário se faz que haja violação a interesse juridicamente tutelado e que o dano seja certo para que haja sua devida reparação.
Responsabilidade Civil independe do elemento subjetivo CULPA, podendo ser:
Resp. Civil Subjetiva – Com Culpa
Resp. Civil Objetiva – Sem necessidade apuração / averiguação da culpa
3.1 Responsabilização do Estado pela prática do ilícito
Para entrarmos neste mérito, iniciaremos citando o artigo 37 da Constituição Federal e conseguinte seu parágrafo 6º:
Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
Parágrafo 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988, p. ).
A obrigação de reparar o dano, é imposta as pessoas que possuem um comportamento contrário ao direito, possuindo uma conduta antijurídica. Antes, a obrigação de reparar alcançava somente as pessoas naturais, porém com o passar dos tempos, com a evolução dos estudos, passaram também a atribuir responsabilidade às pessoas jurídicas de direito privado, embora desprovidas de individualidade fisiopsíquica, agem por meio das pessoas naturais como exemplo seus administradores. (DIAS, 2004).
De forma semelhante do que ocorre com a pessoa jurídica de direito privado, a pessoa jurídica de direito público como o Estado, pode causar danos ás pessoas naturais ou jurídicas no exercício de suas múltiplas funções, por meio de seus órgãos, servidores e agentes.
O Estado, forma de organização jurídica do Poder, exerce poder político sobre as pessoas, por meio de suas funções administrativas, legislativas e jurisdicionais, que ao exercê-las por meio de seus servidores causarem danos à terceiros, quando procederem de modo contrário à lei, impõem ao Estado a obrigação de indenizá-los.
3.2 Ilícitos do Estado frente à lei de Execução Penal
Conforme exposto na Constituição Federal em seu artigo 5º XLIX, constitui como uma das obrigações do Estado Brasileiro, por meio do Poder Executivo, a manutenção do serviço penitenciário quanto á execução das penas. As prestações destes serviços são regidas por um conjunto de normas legais e infralegais que tem como objetivo alcançar a finalidade da pena sem suprimir os direitos não atingidos pela privação de liberdade, direitos estes também elencados no artigo 38 do Código Penal e artigo 3º da Lei 7.210/84 (LEP).
O poder público é civilmente responsável pelos prejuízos que vierem a causar no exercício de atividades públicas tanto por ações ou por omissões, respondendo assim pelos danos individuais causados aos apenados pela precariedade do sistema penitenciário.
Como exemplo de Responsabilidade do Estado, citado por Santos (2016, p. 8):
No que se refere aos direitos do preso, este passou a ser alcançado com o surgimento da Lei de Execução Penal, bem como os itens elencados na Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o encarcerado passou a ser considerado sujeito de direito e a ter condições de uma vida digna e por outro lado, o Estado (autoridades do País), passou a ser o responsável por garantir essa dignidade ao recluso.
Dentre os maiores problemas que afetam o sistema prisional estão entre eles a superlotação e a situação degradante em que se encontram estes encarcerados. Apesar da lei prever que, o apenado seja alojado em uma cela individual, a maioria dos estabelecimentos prisionais possuem uma quantidade bem superior do que a própria estrutura física consegue alojar.
De acordo com o Recurso extraordinário de nº 580.252 ajuizada pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul conforme ementa: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS CAUSADOS AO PRESO POR SUPERLOTAÇÃO E CONDIÇÕES DEGRADANTES DE ENCARCERAMENTO”. (2017, p. 1, grifo do autor)
Existe a responsabilidade civil do Estado pelos danos morais comprovadamente causados aos presos em decorrência de violações à sua dignidade, provocadas pela superlotação prisional e pelo encarceramento em circunstâncias desumanas ou degradantes. (RE nº 580.252 /MS). (MATO GROSSO DO SUL, 2017, p. 1)
Segundo o entendimento do Ministro Teori Zavascki no Recurso acima mencionado diz que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”.
A Defensoria Pública alega violação aos artigos 5º, incisos III, X e XLIX, e 37, § 6º, da Constituição Federal, de forma mais específica a Defensoria sustenta que:
Há responsabilidade objetiva do Estado pela submissão do recorrente a tratamento desumano e degradante, e não há que se falar na aplicação da cláusula da reserva do possível, por ser obrigação do Estado a garantia de condições de dignidade aos internos. (MATO GROSSO DO SUL, 2017, p. 5).
Com todas as alegações e indagações cabíveis quanto ao Recurso, foi dado provimento, reconhecendo o direito do recorrente a ser indenizado pelos danos morais sofridos, em decorrência da superlotação e das condições desumanas e degradantes, por meio da remição de parte do tempo de execução da pena, que “...em razão da natureza estrutural e sistêmica verificadas no sistema prisional, a reparação dos danos morais deve ser efetivada preferencialmente tanto por meio pecuniário ou na remição de 1 dia de pena por cada 3 dias de pena cumprida em condições atentatórias à dignidade humana, a ser postulada perante o Juízo da Execução Penal.
Porém, existe a questão sobre esta Responsabilidade ser objetiva ou subjetiva por parte do Estado. Conforme entendimento de Sérgio Cavalieri Filho em seu artigo Responsabilidade Civil do Estado (2011, p. 19):
[...] quando não se pode exigir do Estado uma atuação específica, tendo este, entretanto, um dever genérico de agir, e o serviço não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente, haverá omissão genérica, pela qual responde a Administração subjetivamente com base na culpa anônima; quando o Estado tem dever específico de agir e a sua omissão cria a situação propícia para a ocorrência do evento danoso, em situação que tinha o dever de agir para impedi-lo, haverá omissão específica e o Estado responde objetivamente.
3.3 Direito de indenização do preso por violação da LEP
Pelo exemplo acima citado, quanto ao direito dos presos da indenização, requerido este diante das condições desumanas e degradantes, o Estado foi considerado responsável pelas forma precária de alojamento, sendo por meio pecuniário ou por remição da pena.
Segundo Aragão (2014) existe a evidência de um serviço público deficiente, e das omissões do Estado prestação deste serviço, podem decorrer danos ao administrado, tais danos, desde que demonstrados em processo judicial no qual o Estado tenha plena oportunidade de realizar contraprova, devem ser indenizados conforme regra do artigo 37 § 6º da CF/88 e pelas razões de justiça e equidade que orientam o instituto da Responsabilidade Civil.
3.3.1 Ilícitos frente ao Sinase
O ECA define criança e adolescente como “pessoa em desenvolvimento”, definição está elencada em seu artigo 6º:
“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. (BRASIL, 1990, p.915).
O SINASE propõe condições adequadas para a devida manutenção destes adolescentes, com espaço físico adequado, que possua condições mínimas para o seu efetivo desenvolvimento, local este que permita que o adolescente tenha uma visão de um processo indicativo de liberdade e não enxergue a medida como prisão.
Segundo Liberati (2010), existe a falta de critérios para o desenvolvimento da medida socioeducativa de internação, por consequência das rebeliões, como exemplo a da Febem em São Paulo. As internações por mais bem aplicadas que sejam pelos magistrados, são cumpridas e executadas em locais inadequados, impróprios, desenvolvendo “programas”, despreocupados com os resultados de integração do jovem na família e na sociedade.
3.3.2. Analogia – direito do adolescente interessado à indenização por violação ao Sinase
A responsabilidade Civil do estado existe, porém a questão a ser fundada remete em torno dos adolescentes em conflito com a lei, teriam estes menores direito à indenizações mediante o cumprimento de medida socioeducativa privativas de liberdade, nas condições em que vivem?
Esta é a pergunta norteadora, pois os presidiários tiveram seus direitos reconhecidos e deferidos, sendo estas indenizações tanto por meio pecuniário quanto por redução parcial da pena aplicada por tempo em que se encontram encarcerados em condições insalubres.
Este mesmo poder público também é responsável pelos adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medidas socioeducativas em sistema fechado nas instituições. Realidade bem parecida aos dos encarcerados que vivem em condições de total precariedade afrontando os direitos garantidos e elencados na Lei do SINASE (BRASIL, 2012).
4 CONCLUSÃO
Tanto o serviço penitenciário Brasileiro quanto as Instituições de internação para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, são regulamentados por leis e atos infralegais, locais estes que possuam condições adequadas de instalação, possuem o propósito de privação de liberdade preparando-os para o retorno ao convívio em sociedade, porém sem inclinações para o crime no caso dos presos e para o ato infracional quanto aos adolescentes.
Porém na pratica, o Estado não segue estas determinações, que foram por ele mesmo impostas, omitindo-se de tais regras, danos estes ligados à precariedade, insalubridade e celas superlotadas.
Podemos falar de omissão Estatal pela debilidade destes serviços.
Quanto à questão sobre a indenização dos presos, o STF chegou à conclusão de que é devidamente cabível e que as formas de restituição seriam por meio de redução da pena quando ainda em cumprimento da mesma e da forma em pecúnia quando já cumprido a sentença.
Com o presente artigo, o que se quis demonstrar, à luz das atuais diretrizes da responsabilidade civil do Estado e dos direitos fundamentais perante à dignidade humana, que o Estado deve ser condenado a também indenizar os prejuízos comprovadamente sofridos aos adolescentes em razão da precariedade das instituições em que se encontram em cumprimento de medida socioeducativa de internação, porém, apenas de forma pecuniária, pois através da redução de tempo perderia todo o sentido socioeducativo, pois, o tempo não é medido, mais sim o necessário para o bem do menor.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Patrícia Nunes. A responsabilidade estatal por omissão e os danos decorrentes da precariedade do sistema prisional Brasileiro: indenização justa ou pedágio masmorra. 59f. Campina grande. Universidade Estadual da Paraíba, 2014.
ARRUDA, Érica Maia Campelo. A política pública de atendimento socioeducativo: o caso do Distrito Federal. 2013. 226f. Dissertação (Mestrado)- Brasília: Universidade Centro Universitário de Brasília Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. RICALDE, Mario do Carmo. Vade mecum. Campo Grande: Contemplar, 2015.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adolescente. RICALDE, Mario do Carmo. Vade mecum. Campo Grande. Contemplar, 2015.
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