É muito comum, na prática empresarial, que um empresário venda a outro uma universalidade de bens pertencentes à pessoa jurídica da qual era titular ou sócio, ficando o adquirente responsável, a partir de então, pela condução do negócio, mas sem qualquer vinculação com a pessoa jurídica anterior.
Essa operação é conhecida como trespasse e tem como objeto a transferência do conjunto de bens organizados pelo alienante ao adquirente, para que este último prossiga com a exploração da atividade empresarial e assuma os clientes e os contratos celebrados anteriormente pelo alienante.
O trespasse é um contrato oneroso de alienação ou transferência do estabelecimento empresarial para o adquirente, sendo que, para que possa ter eficácia perante terceiros, é necessário efetuar o devido registro na Junta Comercial com a sua posterior publicação.
Nesse tipo de contrato, não existe venda isolada de bens específicos de propriedade do alienante, mas, sim, a totalidade dos bens materiais ou imateriais pertencentes ao estabelecimento comercial, incluindo o aviamento ou capacidade de gerar lucros, baseado na expectativa de retorno financeiro fundada em diversas características do empreendimento. Apesar de o conceito da totalidade de bens, é possível a exclusão de alguns bens no contrato de trespasse desde que isso não impossibilite a permanência do negócio.
Por isso, é peculiar a esse tipo de contrato a formalização de um inventário com a descrição de todos os bens negociados, cuja transferência, no caso de bens móveis, será feita pela tradição; no caso de imóveis, mediante a averbação no competente registro; e, em caso de propriedade industrial, é necessária a transferência de titularidade perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
A fim de evitar eventual prejuízo a terceiros ou credores, o Código Civil estabelece, no artigo 1.145, que, se ao alienante não restarem bens suficientes para solver seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.
Portanto, havendo credores, deve o alienante dar ciência aos mesmos acerca do negócio, para que se manifestem nos trinta dias subsequentes à notificação. Por outro lado, em se tratando de empresário solvente, que dispõe de outros bens para arcar com seu passivo, mesmo em caso de existência de credores, nenhuma nulidade poderá ser arguida no contrato de trespasse.
O art. 1.146 do Código Civil ainda prevê que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, através dos livros contábeis do estabelecimento ou outro meio capaz de demonstrar inequivocamente quais seus os ativos e passivos, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
Outra disposição comum aos contratos de trespasse é a cláusula de não concorrência, pela qual o alienante não poderá atuar no mesmo nicho de mercado em que atuará o adquirente ou captar a clientela do mesmo, pelo prazo estipulado entre as partes. No entanto, em caso de omissão, estabelece o artigo 1147 o período de cinco anos, sendo que, no caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição persistirá durante o prazo do contrato.
Por fim, salvo acordo em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, ressalvado o direito de terceiros de rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, podendo o alienante ser responsabilizado, como dispõe o artigo 1.148.
Já em relação aos créditos do estabelecimento transferido, poderá ocorrer a cessão dos direitos, que produzirá efeito em relação aos devedores desde a publicação da transferência, ficando o devedor exonerado se pagar ao cedente.