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Regime patrimonial dos terrenos de marinha

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05/11/2004 às 00:00
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4.0 REGIME PATRIMONIAL

Os bens públicos são doutrinariamente classificados em bens de uso comum, tais como as ruas e praças; bens de uso especial, tais como os prédios públicos; e os bens dominicais (ou dominiais), que são propriedades da União sem destinação específica. Apenas quando dominicais, ou seja, não afetados a qualquer serviço ou utilidade pública, são passíveis de alienação. Está implícito que sobre todo o território nacional o Estado exerce o domínio eminente, decorrente da soberania. Esta condição lhe permite desapropriar sempre que houver necessidade pública, submetendo-se às leis estabelecidas, como soe acontecer em um estado de direito.

Os terrenos de marinha, como bens públicos, podem estar em qualquer uma dessas classificações. O que os distingue dos demais bens imóveis da União quanto ao regime patrimonial aplicado é que, quando situados na orla, na faixa de segurança, não são suscetíveis de alienação total, em qualquer de suas formas, quais sejam, venda, permuta ou doação, ainda que não estejam afetados ao serviço público, nem constituam bem de uso comum. E quando for conveniente que deles terceiros façam uso, existe a obrigatoriedade de fazê-lo sob o regime de aforamento. Esta peculiaridade foi introduzida pela CF/88, no Ato das disposições Constitucionais Transitórias, art. 49, parágrafo § 3º que determinou: "A Enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima." Anteriormente, como os demais bens da União submetiam-se a quaisquer dos regimes previstos no Dec-lei 9.760/46 art. 64 ("Os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos."). Agora é possível apenas a transferência para terceiros da fração "domínio útil" também denominada "direito real de uso", por meio da enfiteuse, pela qual permanece com a União o "domínio direto", ou seja, fica a União na condição de ‘nu proprietário’. Os demais bens imóveis da União, mesmo situados nas faixas de segurança, e os terrenos de marinha não situados na faixa de segurança da orla, quando não subsistam motivos para aplicação do regime enfitêutico, sendo oportuno e conveniente, poderão ser alienados plenamente, pois para estes não há impedimento constitucional, como ocorre em relação aos terrenos de marinha. É o que está disposto na legislação:

Decreto-lei 9.760/46, com alteração introduzida pela Lei 9.636/98:

Art. 103 - O aforamento se extinguirá por inadimplemento de cláusula contratual, por acordo entre as partes, ou, a critério do Presidente da República, por proposta do Ministério da Fazenda, pela remição do foro nas zonas onde não mais subsistam os motivos determinantes da aplicação do regime enfitêutico. [24]

Lei 9.636/98:

Art. 23 - A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e conveniência.

§ 1º - A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade.

A regra, portanto, é que, havendo interesse público sobre o terreno de marinha, mantém-se o domínio pleno com a União. Não havendo tal interesse, aliena-se o domínio útil, pelo aforamento, mantendo-se, com a União, o domínio direto; sendo o terreno de marinha situado fora da faixa de segurança, procede-se a alienação plena, como de resto ocorre com os demais bens dominicais.

As razões que levaram o legislador constitucional a estabelecer tal distinção ora estão questionadas em proposta de emenda constitucional que veremos.

Note-se que as outras faixas de segurança, quais sejam, 1.320 m ao redor de fortificações, ou a faixa 150 km ao longo de fronteiras, mesmo alcançando as marinha, não são motivos impeditivos da sua alienação plena.

O impedimento de alienar totalmente, como dissemos, recai apenas sobre as marinhas situadas na faixa de segurança (100 m) a partir da orla, e, como vimos, as marinhas situam-se também em outras regiões. Deste modo algumas marinhas podem ser alienadas plenamente outras não. Isto tem causado alguma polêmica:

[25]

"O resgate dos terrenos da União, dados em aforamento segundo o regime prescrito pelo Decreto-Lei n. 9.760/46, ao contrário de ser defeso, é permitido expressamente nos arts. 103 e 122,..... Se assim é, cabe saber se ao regime do resgate previsto nessas duas regras do citado diploma legal também se subsumem os terrenos de marinha. Alguns autores, a exemplo de Clenício da Silva Duarte (Estudos, cit.) e Oswaldo A. Bandeira de Mello (Enfiteuse, RF, 204:52), entendem que não. Outros, capitaneados por Celso Antônio Bandeira de Mello (Os terrenos de marinha, cit., RT, 396:29), em posição frontalmente oposta, acham perfeitamente possível operar-se o resgate. Sigamos o seu raciocínio, que nos parece o mais acertado. O resgate, sob a forma de remição, foi acolhido pelo citado decreto-lei, sem qualquer restrição, nos arts. 103 e 122. E o título outorgado pela União ao foreiro, que, encontrando-se nas situações previstas, consolida a seu favor o domínio pleno da propriedade emprazada. Ademais, o art. 198 desse mesmo estatuto, ao acolher as pretensões sobre o domínio pleno dos terrenos de marinha, fundadas em títulos outorgados na forma desse mesmo estatuto, admitiu o resgate, por ser esse um dos referidos títulos de aquisição da propriedade. Por fim, arremata Celso Antônio Bandeira de Mello, nessa passagem do citado trabalho, que a transferência dos terrenos de marinha para particulares, Estado ou Município não repugna, "porquanto desde a constituição da enfiteuse já não dispõe mais a União de domínio útil e não pode, pois, sob o título de proprietário, com simples domínio direto, utilizá-los na defesa da costa, e se as aforou foi por entender que ditas áreas não eram requeridas para a defesa da terra". Processa-se o resgate quando a União entender que não persistem mais as razões que orientaram o emprazamento e facultar ao foreiro a remição."..........

Gasparini (op.cit, p. 545 - grifo nosso):

Entretanto, penso, tal dúvida não pode prosperar. Veja-se inicialmente os pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional:

1.387/96: "O art. 49 do ADCT confere ao legislador ordinário a competência de editar lei que disponha sobre a enfiteuse de imóveis urbanos, facultando até mesmo a sua extinção, exceto no caso dos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Incumbe à lei definir o conceito de faixa de segurança previsto no art. 49 do ADCT.

784/97: "Não se inclui entre as matérias facultadas à disposição da lei de que trata o art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias alterar a noção jurídica de terrenos de marinha".

Finalmente, corroborando o entendimento da vedação constitucional da alienação plena das marinhas, a Lei 9.636/98, que veio para implementar a alienação dos imóveis da União não afetados ao serviço público, faz reservas quanto aos bens sujeitos ao regime enfitêutico, implícito aí as marinhas, enquanto únicos bens da União, ora obrigatoriamente sujeitos a tal regime, determinando tão somente a alienação do domínio útil, mantendo-se com a União o domínio direto, procedimento que vem sendo adotado pelo Órgão responsável (SPU), pelo que nos parece não restar qualquer dúvida sobre o dispositivo constitucional. Veja-se o texto legal:

Lei 9.636/98

Art. 12 - Observadas as condições previstas no § 1º do art. 23 e resguardadas as situações previstas no inciso I do art. 5º do Decreto-Lei nº 2.398, de 1987, os imóveis dominiais da União, situados em zonas sujeitas ao regime enfitêutico, poderão ser aforados, mediante leilão ou concorrência pública, respeitado, como preço mínimo, o valor de mercado do respectivo domínio útil, estabelecido em avaliação de precisão, realizada, especificamente para esse fim, pela SPU ou, sempre que necessário, pela Caixa Econômica Federal, com validade de seis meses a contar da data de sua publicação.

§ 3º - Não serão objeto de aforamento os imóveis que, por sua natureza e em razão de norma especial, são ou venham a ser considerados indisponíveis e inalienáveis.

Cabe observar ainda que as demais marinhas, ou seja, as fluviais, lacustres ou insulares, quando situadas fora da faixa de segurança costeira, se submetem ao regime patrimonial comum às terras públicas em geral. Vale dizer, quanto à possibilidade de alienação, que, enquanto constituam bens dominicais, não afetados, portanto, ao serviço público, não sendo bem de uso comum, e ainda, havendo oportunidade e conveniência administrativa, não há impedimento para sua alienação plena.

Tem-se a impressão de que o legislador desejou dar um tratamento especial àquelas marinhas situadas próximo ao mar ou, o que não é impossível, não atentou ao alcance da definição geográfica do instituto.

Intrigante é que, se o legislador constitucional desejou reservar para a União a propriedade das marinhas situadas na orla, faixa de segurança, pela importância que lhes tenha atribuído, devia autorizar apenas sua a cessão para uso em forma precária, tipo locação ou permissão de uso, o que manteria consigo a propriedade plena do imóvel, mas a contrário senso, determina a obrigatoriedade do aforamento, o que lhe retira considerável parcela da propriedade, constituindo direito real de terceiros sobre o bem. Lamentavelmente não consegui acessar os anais dos debates da constituinte, se é que existe algo sobre este tema, de forma a permitir a interpretação histórica e teleológica do preceito constitucional.

Finalmente diga-se que é possível que as marinhas sejam usadas por terceiros através de outros instrumentos que não a enfiteuse, em casos excepcionais, por instrumentos administrativo de direito obrigacional, como veremos mais adiante.

4.1 ENFITEUSE

Consiste em direito real sobre coisa alheia, transmissível por herança, sendo reconhecido pela doutrina como o mais amplo direito sobre propriedade alheia. O Código Civil de 2002 vedou a criação de novas enfiteuses e subenfiteuses, sendo mantidas as existentes até sua extinção. Em seu lugar instituiu o direito de superfície, sem a perpetuidade, vedado o prazo indeterminado, mas transferível a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros. Neste não poderá ser estipulado pelo concedente qualquer pagamento de transferência, a exemplo dos laudêmios enfitêuticos. É previsível que a extinção da enfiteuse venha ocorrer efetivamente, pois um outro dispositivo introduzido pelo estatuto civil de 2002 vedou a cobrança de laudêmios sobre as benfeitorias, tornando, a longo prazo, desinteressante para o senhorio a manutenção do emprazamento, à medida que reduziu significativamente suas receitas. Acredito que, por segurança jurídica, a vedação atinja apenas as novas benfeitorias.

Os direitos reais inerentes à propriedade podem ser desmembrados, de forma que é possível a alienação de suas frações. Pelo instituto da enfiteuse, o direito de propriedade é dividido em domínio útil e domínio direto. O domínio útil permite a seu titular o uso do imóvel como se proprietário fosse, restando ao titular apenas o direito ao recebimento do foro anual, laudêmios e preferência em eventual alienação do domínio útil.

Em termos de segurança patrimonial, sob o ângulo do foreiro, o aforamento é juridicamente inferior à propriedade plena, não tanto pelos laudêmios e foros devidos, mas porque é sujeito à caducidade, ou seja, a consolidação do domínio pleno em favor do senhorio, pelo inadimplemento das pensões anuais, se ocorrida por três anos consecutivos ou quatro intercalados. Em outros casos, sujeitam-se os foreiros às mesmas vulnerabilidades do proprietário pleno. Por exemplo, a mesma necessidade pública que possa atingir o direito do foreiro, expropriando-o do domínio útil, poderá expropriar o titular do domínio pleno. O mesmo se diga quanto às obrigações proper rem (v.g. impostos), e a submissão ao poder de polícia.

4.2 A ENFITEUSE ESPECIAL

É a principal forma regular de uso dos terrenos de marinha. As modificações trazidas pelo novo código não afetaram a enfiteuse administrativa, regida pelo Decreto-lei 9.760/46 e leis modificadoras, que é aplicada aos bens imóveis da União. A enfiteuse administrativa diferencia-se da enfiteuse civilou comum conforme quadro a seguir:

QUADRO COMPARATIVO

AFORAMENTO ESPECIAL (Dec-lei 9.760/46, 2.396/87 e Lei 9.636/98)

AFORAMENTO CIVIL (CC 1916)

Objeto

Pode ser qualquer bem imóvel da União.

Terras não cultivadas, ou terrenos destinados à edificação.

Foro

Valor de 0,6% sobre o valor do domínio pleno do terreno, atualizado anualmente.

É estabelecido pelas partes.

Laudêmio

5% sobre o valor do terreno e benfeitorias.

2,5% ou outro percentual estipulado no contrato sobre o valor do terreno (a incidência sobre benfeitorias foi vedada no CC 2002).

Remição

Em se tratando de marinhas situadas na faixa de segurança da orla o resgate, é vedado constitucionalmente. Nos demais casos far-se-á mediante pagamento de 17% do valor do domínio pleno do terreno. A União pode indeferir o pedido.

O resgate é direito do foreiro, após 10 anos de constituído, mediante pagamento de 10 pensões anuais e um laudêmio.

Transferência

Necessita de anuência da União, através da SPU.

É transferível a terceiros mediante simples aviso ao senhorio para que exerça sua preferência.

Execução de dívida

Os débitos relativos a foros e laudêmios constituem dívida ativa da União, com as prerrogativas inerentes.

A cobrança de débitos segue o procedimento judicial comum.

Caducidade

Ocorre pelo não pagamento do foro 3 anos consecutivos ou 4 intercalados

Ocorre pelo não pagamento do foro por 3 anos consecutivos

Revigoramento

É direito do foreiro obter a revigoração solicitada no prazo de 90 dias depois de notificado da caducidade da enfiteuse, pagando os foros em atraso.

O comisso extingue o aforamento sem direito a prazo para purgação da mora.

Parâmetro

O domínio útil representa 83% do domínio pleno, e domínio direto, 17%.

Estabelecido pelas partes.

4.3 CRITÉRIOS PARA AFORAMENTO

Os critérios para alienação dos imóveis da União estão contidos na Lei 9.636/98 [26] e no seu regulamento, Decreto 3.725 de 10-01-2001. São normas situadas no contexto político tendente à desestatização, com propósito de gerar rendas para a União e ao mesmo tempo extinguir a ocupação ilegal. No caso especifico dos terrenos de marinha, a forma de alienar é o aforamento, por imperativo constitucional, como vimos. A mencionada lei inovou a administração de imóveis públicos com procedimentos tais como, a delegação à iniciativa privada de atividades de "fiscalização" e "planejamento" de áreas (art 4º) e participação da iniciativa privada na arrecadação de receitas ou no produto da venda de terras públicas (§ 2º, do art. 4º).

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Diversas são as situações jurídicas dos ocupantes dos terrenos de marinha, as quais resumi no quadro a seguir. As situações descritas são as que conferem preferência ao aforamento. Em qualquer caso são devidos o foro (pensão anual) equivalente a 0,6% sobre o valor do terreno (atualizado) mais o laudêmio de 5% sobre o valor do terreno e benfeitorias existentes, inclusive as realizadas pelo foreiro, nas transmissões entre vivos.

CONSTITUIÇÃO DO AFORAMENTO [27]

Situação

Fundamento legal

Valor

Obs.

Os que tiverem título de propriedade devidamente transcrito no Registro de Imóveis

Art 105, I, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

Presunção de boa-fé [28].

A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os que estejam na posse dos terrenos, com fundamento em título outorgado pelos Estados ou Municípios

Art 105, ll, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

Presunção de boa-fé [29].

A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os que, necessariamente, utilizam os terrenos para acesso às suas propriedades.

Art 105, llI, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os ocupantes inscritos até o ano de 1940.

Art 105, IV, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os concessionários de terrenos de marinha, quanto aos seus acrescidos, desde que estes não possam constituir unidades autônomas.

Art 105, VI, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os que no terreno possuam benfeitorias, anteriores ao ano de 1940, de valor apreciável em relação ao daquele.

Art 105, VlI, Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

Considera-se valor apreciável o que corresponder a pelo menos metade do valor do domínio útil do terreno (Dec-lei nº 1.561/77 art º p. 1º). A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Os que tiveram direitos revigorados. [30]

Art 215 Dec-lei 9.760/46 c/c art 5º Dec-lei 2.398/87 e art 12 Lei 9.636/98

Isento

Anteriormente peremptos por força do disposto nos artigos 20, 28 e 35 do Decreto-lei nº 3.438, de 17-07-1941, e 7º do Decreto-lei nº 5.666, de 15-07-1943. A isenção foi concedida pelo Dec-lei 2.398/87.

Ocupações efetuadas antes da CF/88

ADCT, art. 49, parágrafo 2ª e art 17 caput da Lei 9.636/98

Poderá não exercer a opção de aforamento e continuar ocupando o imóvel mediante cessão onerosa de uso. Se a União, por interesse de serviço público, cancelar a permissão, o ocupante não terá direito a indenização sobre as benfeitorias.

Ocupações efetuadas após CF/88

ADCT, art. 49, parágrafo 2ª e Lei 9.636/98, art 17 caput e art 2º

Ocupação irregular, sujeita a multa de 10% sobre o valor do terreno por ano ou fração. Somente poderá utilizar o terreno sob regime de aforamento.

Ocupante que em 15/02/97 [31], tinha mais de um ano de posse (mas posterior à CF/88)

Art 13 da Lei 9.636/98

83 % do valor do terreno

Tem direito de preferência ao aforamento pelo preço mínimo de avaliação administrativa para leilão, facilidades de financiamento e indenização pelas benfeitorias.

Ocupante que em 15/02/97 tinha até um ano de posse [32]

Artigo 15, caput, parágrafos 2º e 4º da Lei nº 9.636/98.

83 % do valor do terreno

Tem direito de preferência ao aforamento pelo mesmo valor obtido em licitação e indenização pelas benfeitorias.

Impressionante notar a semelhança entre o Decreto-lei 3.438/41 e a Lei 9.636/98. Em ambos diplomas sente-se o ânimo do legislador em pôr fim ao tumulto legal e administrativo que às suas épocas pairavam sobre o assunto. Demonstram impulsos que se diluem no tempo, devido às dificuldades de gerenciamento do instituto.

O aforamento de regra é concedido mediante pagamento do valor correspondente ao domínio útil, que equivale a 83% [33] do valor do imóvel. São abstraídas deste valor as benfeitorias realizadas pelo ocupante. As condições para o aforamento, na forma financiada, estão previstas na Lei 9.636/98, art 14:

II - a prazo, mediante pagamento, no ato da assinatura do contrato de aforamento, de entrada mínima de 10% (dez por cento) do preço, a título de sinal e princípio de pagamento, e do saldo em até cento e vinte prestações mensais e consecutivas, devidamente atualizadas, observando-se, neste caso, que o término do parcelamento não poderá ultrapassar a data em que o adquirente completar oitenta anos de idade.

A lei estabeleceu regras diferenciadas para famílias de baixa renda e carentes. A família de baixa renda é definida no regulamento da lei como aquela cuja renda familiar for igual ou inferior ao valor correspondente a oito salários mínimos, acrescido de um quinto do salário mínimo por dependente que com ela comprovadamente resida, até o máximo de cinco dependentes. A família carente é aquela com renda familiar igual ou inferior ao valor correspondente a três salários mínimos, acrescido do equivalente a um quinto do salário mínimo por dependente que com ela resida, até o máximo de cinco dependentes.

Para famílias de baixa renda o pagamento será efetivado mediante um sinal de, no mínimo, cinco por cento do valor da avaliação, permitido o parcelamento deste sinal em até duas vezes e do saldo em até trezentas prestações mensais e consecutivas, observando-se, como mínimo, a quantia correspondente a trinta por cento do valor do salário mínimo vigente. Quando o aforamento se destinar a famílias carentes, será dispensado sinal, e o valor da prestação não poderá ser superior a trinta por cento da renda familiar do beneficiário, observando-se, como valor mínimo, aquele correspondente ao custo do processamento da respectiva cobrança.

Os possuidores do terreno desde 15/02/1996, com registro junto à SPU, têm preferência e facilidade de financiamento para o aforamento. Mas não têm o direito de permanecer no imóvel caso não adiram ao aforamento, quando for promovido ex officio pela União (SPU). Nessa situação será oferecido a terceiros, mediante licitação. Terão, entretanto, duas oportunidades para manifestarem sua adesão ao aforamento. Inicialmente, quando notificado para tanto, antes do edital de licitação, definida a avaliação em laudo da SPU. Posteriormente, em até 48 horas após a divulgação do resultado do julgamento da licitação; agora, não mais pelo valor da avaliação inicial, mas ao preço ofertado pelo vencedor do certame. Caso seja o imóvel alienado a terceiros o valor das benfeitorias existentes no terreno será repassado ao antigo ocupante na mesma medida em que o vencedor da licitação for realizando os pagamentos. Já aos ocupantes posteriores a 15/02/96, resta-lhes apenas a preferência no aforamento e a indenização por benfeitorias. Quando a máquina administrativa, ex officio, independente de declaração de utilidade pública, achar que é a vez de regularizar a ocupação pelo aforamento, não lhes restará outra alternativa senão exercer sua preferência, arrematando o domínio útil pelo preço obtido pela Administração no processo licitatório.

O "divisor de águas" marcado em 15/02/96, resulta de uma discricionariedade administrativa, que, por meio de Medida Provisória, transformada na Lei 9.636/98, inovou o ordenamento, estabelecendo tal limiar. Ocorreu que após a promulgação da vigente Carta Maior, não se poderiam mais conceder permissões de uso sobre terrenos de marinha. Tal prática, entretanto, manteve-se: cadastramentos foram-se efetivando junto ao órgão responsável, com aparência de negócio jurídico regular. Acertadamente, a citada Medida Provisória, estancou o procedimento constitucionalmente reprovado. Estabeleceu prazo aos que já estavam em posse dos terrenos a mais de ano na data da sua edição para que efetivassem o cadastramento (talvez aí o critério de posse velha e posse nova, do Código Civil). Inexplicável, entretanto, foi o tratamento dado aos titulados com autorizações, permissões, enfim, regularmente cadastrados antes da CF/88, no tocante ao direito por indenizações por benfeitorias realizadas. A esses não restou assegurado o direito a tais indenizações quando forem desapropriados. Lembremos que estas podem constituir-se no valor principal do imóvel. A CF/88 assegura, a par da obrigatoriedade da enfiteuse aos terrenos de marinha nas condições citadas, o direito à manutenção do status quo anterior, in verbis, "Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade de contrato´. Apenas a declaração de utilidade pública, pois, como de resto a qualquer outro imóvel, tem força para desalojar o possuidor, mas sempre mediante indenização. Inexplicável, portanto, a violência jurídica que quer a lei perpetrar contra os possuidores mais antigos, ressalte-se, regularizados junto à administração.

4.4 EXTINÇÃO, COMISSO E REMIÇÃO [34]

A extinção do aforamento está prevista no Dec-lei 9760/46, que enumera suas hipóteses, com as quais se consolida a propriedade com um só titular:

Art. 103. O aforamento se extinguirá por inadimplemento de cláusula contratual, por acordo entre as partes, ou, a critério do Presidente da República, por proposta do Ministério da Fazenda, pela remição do foro nas zonas onde não mais subsistam os motivos determinantes da aplicação do regime enfitêutico.

A parte inicial do artigo corresponde à pena de comisso, consistindo na perda do domínio útil por inadimplemento das obrigações. De maior interesse é a inadimplência, o que só se configura pelo não pagamento do foro por três anos consecutivos ou quatro intercalados, ainda assim sem a revigoração permitida a quem requerer no prazo legal, além do necessário reconhecimento da referida condição. Quanto a isso, assim tem entendido o Supremo, conforme verbetes de súmula 169 e 122, respectivamente: "A aplicação da pena de comisso depende de sentença"; e "O enfiteuta pode purgar a mora enquanto não decretado o comisso por sentença". Não poderia ser de outra forma, pois se tratando de direito real incidente sobre imóvel, será necessário o cancelamento do gravame junto ao registro público competente, e para tal, a comprovação judicial do fato.

A parte final do artigo corresponde à uma segunda forma de extinção do aforamento. A remição (resgate) consiste em consolidar com o titular do domínio útil o domínio pleno, mediante aquisição do domínio direto. Entretanto aos terrenos de marinha situados na faixa de segurança da costa marítima é vedada a remição. Aos demais é permitida, com o pagamento de 17% do valor do terreno, correspondente ao domínio direto.

A doutrina enumera ainda como causas de extinção do aforamento o desaparecimento do bem (possível, p. ex., quando o terreno for tomado pelo mar), pelo acordo entre as partes (13:546), e, lembro ainda, quando ocorrer a desapropriação do domínio útil pelo senhorio direto.

4.5 USO POR TERCEIROS

Os terrenos de marinha, quanto ao uso, como de regra todos os demais bens imóveis da União, apenas quando classificados como bem dominial poderão ser cedidos para uso com exclusividade por terceiros.

O uso irregular, em face da sua notória ocorrência, deve ser comentado. Trata-se da ocupação ilícita, desautorizada, também conhecida por "invasão". O ocupante comete o esbulho possessório contra a União, mercê da passividade da Administração, mas fica sujeito às penalidades. Há previsão legal, Medida Provisória 2.220 de 4/9/2001 [35], em caráter assistencial, para concessão de "direito real de uso especial para fins de moradia", com registro em Cartório de Registro de Imóveis, resolúvel quando não aplicado ao fim a que se destina, sucessível, destinado a famílias de baixa renda, com isenção de taxa de ocupação, mas somente para ocupações com mais de cinco anos em 05.06.2001. Embora sem referência aos terrenos de marinha, devemos entender que a eles é aplicável, caso não sejam situados na faixa de segurança da orla, onde o aforamento é obrigatório, à exceção das situações constituídas antes da CF/88.

A Cessão Onerosa de Uso, gênero do qual a Permissão de Uso é espécie, é forma residual para uso dos terrenos de marinha, situados na orla, sendo a regra o aforamento [36]. Subsiste para casos especiais, constituídos antes da CF/88, apenas desconstituíveis por necessidade pública, ou se constituídos até 15/02/97, enquanto o impulso oficial não iniciar o processo de aforamento. Não sendo situado na orla, em faixa de segurança, o aforamento não é obrigatório, seguindo o regime dos demais bens imóveis da União. Deve-se observar o quadro a seguir:

CESSÃO ONEROSA DE USO [37]

Situação

Taxa de ocupação (anual)/ Obs

Ref. legal

Ocupante inscrito até 30/09/88

2 % sobre o valor do terreno

Dec-lei n° 2.398, de 21.12.87, art 1º - I

Ocupante inscrito após 30/09/88

5 % sobre o valor do terreno

Dec-lei n° 2.398, de 21.12.87, art 1º - II

Em todas as situações, incide laudêmio de 5% sobre o valor do terreno e benfeitorias (Dec-lei n° 2.398, de 21.12.87, art 3º) nas transferências entre vivos.

Outra forma prevista é a cessão de uso (art 18, Lei 9.636/98) para projetos de interesse público ou social, a Estados, Municípios e pessoas jurídicas ou físicas, em condições especiais, inclusive gratuita, e a cessão de uso como direito real resolúvel, para os mesmos fins, parágrafo 1º mesmo artigo, fazendo remissão ao Decreto-lei 271/67 [38]. Entretanto, tal forma de cessão somente pode ser aplicada aos terrenos de marinha quando admitida anteriormente à CF/88, ou não situados na faixa de segurança da orla.

A locação (art 86 Dec-lei 9.760/46), mais freqüente para os próprios nacionais utilizados por servidores, é contrato mais apropriado à relação entre particulares. Efetivamente tem-se utilizado a forma Permissão de Uso, instrumento típico do Direito Administrativo. Aliás, o próprio Dec-lei exclui, para o caso, a aplicação das leis concernentes à locação civil, parecendo que o legislador de 46 usou terminologia não apropriada atualmente. Neste sentido é a explicação de H.L. Meirelles, citada por Gasparini (13:543).

É prevista ainda a permissão de uso (art 22, Lei 9.636/98), a título precário, para eventos de curta duração.

Mesmo quando alienadas ou cedidas, as marinhas submetem-se ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro da Lei nº 7.661/88, conforme parágrafo único do art. 2º:

"Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano".

Não custa lembrar também a sua submissão às posturas municipais.

A realização de aterros para a formação de acrescidos de marinha sem autorização importa na remoção do aterro e demolição das eventuais benfeitorias à conta de quem as houver efetuado e na aplicação de multa, de R$ 30,00 (trinta reais), por mês, (atualizada anualmente) [39], para cada metro quadrado de área aterrada.

4.6 TRANSFERÊNCIA

A transferência de direitos de uso, tanto na forma de Aforamento, quanto na forma de Cessão de uso requerem anuência prévia da União, manifestada por Certidão Autorizativa emitida pela SPU.

Exige o Dec-lei 2.398/87 art 3º, caput, o pagamento do laudêmio correspondente a 5% sobre o valor do terreno e benfeitorias. A incidência de laudêmios sobre benfeitorias foi vedada pelo Código Civil de 2002, a meu ver, uma medida de justiça, uma vez que representa um enriquecimento sem causa para o "nu proprietário", pois, se as benfeitorias foram realizadas pelo foreiro, não há justiça em fazer incidir sobre elas o laudêmio, proporcionando ganho sem mérito para o senhorio. Mas tal dispositivo não afetou a enfiteuse aplicada sobre bens públicos e por isso a União continua a fazer tal exigência.

Considerando que o laudêmio não é um tributo (este sim, cobrável na forma que a lei determinar, em razão da soberania do ente público), mas uma relação contratual, de direito obrigacional, na qual o ente público participa na condição de contratante e como tal sujeito aos princípios gerais dos contratos, penso ser tal dispositivo questionável em face do novo ordenamento trazido pelo Código de 2002.

Quando se tratar de transferência de domínio útil é necessário o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis. O adquirente deverá requerer junto a União (SPU) a transferência para seu nome das obrigações enfitêuticas, no prazo no prazo de sessenta dias sob pena de multa de 0,05%, por mês ou fração, sobre o valor do terreno e benfeitorias neles existentes (art 3º § 5º Dec-lei 2.398/87). É medida de controle administrativo imposta, embora tal obrigação pudesse recair, sem dificuldades, sobre o cartório onde se fez o registro.

4.7 DESAPROPRIAÇÃO POR OUTROS ENTES FEDERATIVOS

É possível que o Estado ou Município, havendo interesse público, venham a desapropriar o domínio útil de um terreno de marinha aforado pela União a terceiro, pois o desapropriado é o terceiro, não a União. É o que nos explica Gasparini:

"O domínio útil obtido perpetuamente pelo foreiro é um bem suscetível de valoração econômica. Sendo assim, pode ser desapropriado. Todos os bens podem ser expropriados. É o que estabelece o Decreto-Lei n. 3.365/41 (Lei da Desapropriação). De fato, prescreve seu art. 2.0 que, "mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios". Esse diploma legal não faz restrição à desapropriação do domínio útil ou dos direitos do foreiro, seguindo-se daí a possibilidade expropriatória por quem quer que seja que tenha interesse nesse domínio." (13:551)

Quanto à necessidade de autorização da União para que ocorra a desapropriação por outro ente federativo, o mesmo insigne mestre esclarece:

"A expropriação independe de qualquer assentimento do DPU, por não se tratar de alienação ou transferência desses direitos, por ato entre vivos. Só os atos entre vivos que transmitirem os direitos dos foreiros demandam a anuência desse órgão federal (arts. 102 e 112). Na desapropriação, o foreiro não aliena, não transmite; simplesmente perde seus direitos por ato do Poder Público". (id, ibid)

No mesmo sentido é o pensamento de Celso Bandeira de Melo que ressalva a possibilidade do Município solicitar da União seu assentimento (19:49). Penso, com a máxima vênia dos insignes mestres, que não há que se falar em autorizações ou consentimentos entre os entes federativos. Há, no caso, competências concorrentes a serem exercidas com relação a um mesmo imóvel, v.g., defesa e urbanização. Por necessidade de coordenação das atividades públicas, é mandatória a comunicação entre eles, pelos princípios gerais da administração pública. Emergindo um conflito de interesses a solução deverá surgir segundo o interesse público mais relevante a proteger, sendo competência originária do STF (art 102-f da CF) dirimir conflitos entre a União e os Estados. Sendo o conflito entre a União e Município, a competência recai sobre os juízes federais (art 109-I da CF, que atribui competência genérica para causas envolvendo interesses da União), com instância recursal nos Tribunais Regionais Federais (art 108-II da CF).

4.9 TRIBUTAÇÃO, DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO

A tributação sobre a propriedade urbana incide apenas sobre o domínio útil, ficando o Município sem tributar o domínio direto, em razão da imunidade recíproca entre os entes federativos. Observe-se que, se de um lado o foreiro paga menos IPTU, por não possuir a propriedade plena, por outro, paga o foro, pelo uso do bem da União. Igualmente nas transmissões entre vivos, o imposto municipal incidirá tão somente sobre o domínio útil transferido. O mesmo ocorre com relação ao tributo de competência do Estado, incidente sobre a transferência causa mortis e o tributo da competência da União, incidente sobre a propriedade territorial rural. A base de cálculo em todos eles será apenas sobre o valor do domínio útil, de responsabilidade do foreiro, ficando imune o domínio direto.

O foro, o laudêmio e a taxa de ocupação não são tributos, receitas derivadas, mas sim receitas originárias, às quais a União tem direito em razão do uso por terceiros de seus bens imóveis. Não estão sujeitos, portanto, às normas do Código Tributário Nacional.

São títulos executivos extrajudiciais [40]. A decadência e a prescrição do crédito de natureza patrimonial estão regulamentadas no artigo 47 da Lei 9.636/98. O prazo para constituir o crédito, mediante lançamento, é de natureza decadencial, de dez anos, retroagindo até cinco anos. Uma vez constituído, se submeterá ao prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência. A cobrança processa-se pela via administrativa, e quando não atendida dá motivo à inscrição do devedor no CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais). Vencido o trâmite administrativo, o credito patrimonial é inscrito na Dívida Ativa da União, cuja certidão constitui titulo executivo extrajudicial, documento necessário ao ajuizamento da Execução Fiscal.

4.10 REGISTRO PÚBLICO

Apenas o aforamento é registrado em Cartório de Registro de Imóveis, por ser direito real, oponível erga omnes. As cessões de uso são registradas apenas junto a SPU, e constituem instrumento de Direito Administrativo de característica contratual mantido entre o particular e a União. A existência do registro em Cartório de Imóveis confere valor econômico significativo ao direito sobre o imóvel. O registro no cartório de imóveis é o que diferencia o ocupante do foreiro. O Dec-lei 2.398/87 veio a impor maiores precauções para o registro de imóveis da União de forma a evitar que terceiros de boa-fé sejam prejudicados. Diz o art. 3° parágrafo 2°:

"Os Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade do respectivo titular, não registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União ou que contenham, ainda que parcialmente, terreno da União:

a) sem prova do pagamento do laudêmio;

b) se o imóvel estiver situado em zona que houver sido declarada de interesse do serviço público em portaria do Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio da União; "

Têm-se notícias de registros em Cartório de Imóveis de ocupações autorizadas, mas tal registro não tem respaldo no Decreto-lei 9.760/46, que só prevê esse registro em cartório de imóveis nos casos de aforamento. A lei de registros públicos (Lei 6.015/73), prevê apenas o registro da enfiteuse (art 167, I, 10), mas é omissa quanto a ocupação autorizada. Sendo numerus clausus, concluímos que procede erroneamente o Tabelião que efetua tal assentamento.

A existência do registro público confere solidez ao direito sobre o domínio útil que se torna desapropriável apenas por decretação de utilidade pública tal qual ocorre com a propriedade plena. A mera cessão de uso, ocupação autorizada, é titulo precário, revogável unilateralmente pela União.

4.11 AÇÕES POSSESSÓRIAS

Nosso ordenamento considera possuidor aquele que tem de fato o exercício de alguns poderes inerentes à propriedade (jus utendi, jus fruendi, jus abutendi, jus reividicatio). A posse produz efeitos legais, dentre eles o direito à proteção jurídica, necessária à pacificação social, por meio das ações possessórias de manutenção na posse, no caso de turbação, de reintegração na posse, no caso de esbulho, dentre outras. Outro efeito jurídico da posse é a usucapião. Esse direito, entretanto, não é aplicável aos terrenos de marinha, por serem bens públicos e como tal imprescritíveis, por disposição constitucional, embora o titular de uso privativo possa propor ação possessória contra terceiros.

A competência jurisdicional para solução das lides referentes à posse em terrenos de marinha é da Justiça Federal, por envolver interesse da União. Entretanto já se decidiu que, havendo litígio entre terceiros, não se questionando o domínio da União, a competência é da Justiça Comum. É o que consta dos acórdãos do STF a seguir transcritos:

Acórdão CC 16967/AL; Conflito de Competência 1996/0024210-0 Data: 09/12/1996 Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar.

Ementa: conflito de competência. União. Ação possessória. Terreno da marinha. E da justiça estadual a competência para processar e julgar a ação possessória sobre terreno de marinha, não estando em causa o domínio da União.

Data da decisão 25/11/1996 órgão julgador s2 - segunda seção

Decisão: por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o juízo de direito da 6a. Vara de Maceio-AL, o suscitado.

Acórdão CC 8228/PB; conflito de competência 1994/0009466-3

data: 16/05/1994 Relator Min. Costa Leite.

Ementa: competência. Ação de reintegração de posse. Terreno de marinha. Tratando-se de ação de reintegração de posse, em que litigam particulares, sem a intervenção no feito de qualquer dos entes mencionados no art. 109, i, da Constituição, a circunstância de cuidar-se de terreno de marinha não serve a firmar a competência da Justiça Federal. Conflito conhecido, declarando-se a competência do juízo de direito suscitado.

Data da decisão 27/04/1994 órgão julgador: segunda seção

Decisão por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o juízo de direito de Rio Tinto- PB, o suscitado.

4.12 LOTEAMENTOS E CONDOMÍNIOS

Os loteamentos em terrenos de marinha foram autorizados pelo Decreto 7.937 de setembro de 1945:

Art 1º Fica permitida a concessão de aforamento de quaisquer áreas de terrenos de marinha, para divisão em lotes e posterior transferência a terceiros, desde que os lotes a transferir tenham sido aproveitados com construções.

Art. 2º Fica permitido, também, independente da condição estabelecida no artigo anterior, ao ocupante, posseiro ou foreiro, o loteamento dos respectivos terrenos de marinha, bem como a transferência a terceiro de seus direitos sobre os lotes resultantes, desde que cada um destes se constitua de terreno de marinha e de terreno aIodial e o loteamento conste de projeto aprovado pela Municipalidade.

.........

Os loteamentos em geral seguem as regras da Lei 6.766 de 19.12.79 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Nela há um detalhe sobre a reserva legal para área pública, que nos interessa. Consta:

Art. 4º.

Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I -

as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. (NR) (Redação dada ao inciso pela Lei 9.785, de 29.01.1999, DOU 01.02.1999).

Art. 22º. Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.

Como se vê, os loteamentos devem a reservar fração do terreno para constituição de ruas e praças, as quais passam, ao domínio do município. Tratando-se de terrenos de marinha tais áreas, diferentemente, não passam ao domínio do Município, o qual recebe do loteador apenas o domínio útil, na qualidade de foreiro, mantendo-se o domínio direto com a União. É o que nos explica Gasparini:

"Embora a Lei de Parcelamento do Uso do Solo (Lei federal n. 6.766/79) expressamente declare que, com a inscrição, as áreas das ruas, praças e outras ditas livres passam a pertencer ao Município, não cremos que isso ocorra quando o loteamento abranger terrenos de marinha. A transferência só ocorre quando alguém voluntariamente se propõe a parcelar gleba de sua propriedade. O foreiro não tem a propriedade plena das marinhas. Assim, em relação a essas áreas, há uma automática substituição do foreiro, i. e., com a inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, o foreiro passa a ser o Município, no que se refere a essas áreas. Deixa de ser foreiro o loteador, para o ser o Município." (13:550)

Quanto aos condomínios, o domínio útil é dividido em frações ideais tal qual nas propriedades plenas, sem maiores problemas Quando, em um condomínio vertical, a edificação assenta-se sobre terreno, parte alodial, parte terreno de marinha, as frações ideais conterão parte domínio útil e parte domínio pleno, na mesma proporção entre o terreno alodial e o de marinha sobre os quais está edificado. É o procedimento lógico.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Roberto Santana. Regime patrimonial dos terrenos de marinha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 486, 5 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5855. Acesso em: 25 abr. 2024.

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