4 Sentença
4.1 Denegação da falência
Basicamente, são dois os motivos que podem levar a denegação da falência: a improcedência do pedido ou a realização do depósito elisivo.
Na hipótese de denegação por improcedência do pedido, é o autor deste que arca com os ônus da sucumbência (custas e honorários advocatícios). Além disso, o autor ainda pode ser condenado a pagar indenização ao devedor, caso o juiz entenda que a ação falimentar foi requerida por aquele com a intenção de causar constrangimento ao réu. Nesse caso, dispõe o art. 101 da Lei 11.101/2005 que “quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença que julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de sentença”.
Essa regra tem o objetivo de evitar a litigância de má-fé, visando tão somente prejudicar o devedor. Acrescenta o § 1º que “havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente responsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo”. Por fim, diz ainda o § 2º que “por ação própria, o terceiro prejudicado também pode reclamar indenização dos responsáveis”. O requerimento de terceiro deve ser feito em ação própria porque, não sendo o terceiro parte no processo, o juiz não pode condenar o autor na própria sentença que denega a falência.
Já no caso da realização de depósito elisivo, o pedido do autor foi julgado procedente, e, por isso, é o devedor quem deve arcar com o ônus da sucumbência e levantar a quantia depositada, de acordo com o determinado pelo juiz na sentença. Contudo, não obstante a procedência do pedido, a falência será denegada. Feito o depósito, o devedor ainda tem a possibilidade de contestar. Se o juiz acolher seus argumentos, ele terá sua falência denegada não em razão do depósito elisivo, mas sim da improcedência do pedido do autor.
4.2 Sentença declaratória da falência
Caso o pedido de falência seja julgado procedente e não tinha sido realizado o depósito elisivo, o juiz proferirá sentença que decreta a falência o devedor, instaurando, com isso, o processo de execução concursal do falido.
De acordo com o art. 203, § 1º, do Código de Processo Civil, “sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Diante disso, há discussões na doutrina acerca de se a decisão que decreta a falência de fato se encaixa na categoria de “sentença”, uma vez que ela não põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, nem extingue a execução. Ela, na verdade, dá início ao processo falimentar. Embora possamos considerar que a decisão que decreta a falência não seja, tecnicamente, uma sentença, ela possui a forma de sentença, com relatório, fundamentação e dispositivo (art. 489, CPC)[7].
É possível também questionar sua natureza jurídica. Não obstante boa parte da doutrina comercial refira-se a ela como sentença declaratória, a consideração majoritária é de que, tecnicamente, sua natureza é constitutiva. Isso porque as sentenças declaratórias apenas declaram a existência de determinada relação jurídica, com efeitos retroativos. As sentenças constitutivas, por outro lado, criam, modificam ou extinguem certa relação jurídica – justamente o que ocorre na decretação da falência, que constitui o devedor em estado falimentar e instaura o regime de execução concursal de seu patrimônio.
O conteúdo específico da decisão que decreta a falência está disposto no art. 99 da Lei 11.101/2005:
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem a esse tempo seus administradores;
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1.º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;
III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência.
IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1.º do art. 7º desta Lei;
V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1.º e 2.º do art. 6º desta Lei;
VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo;
VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei;
VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência no registro do devedor, para que consta a expressão “Falido”, a data da decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;
IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II do caput do art. 35 desta Lei;
X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;
XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei;
XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembleia geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da falência;
XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.
Acerca dos efeitos da decretação da falência, afirma André Luiz Santa Cruz Ramos (2016, p. 728) que, sendo decretada a falência, “instaura-se um novo regime jurídico aplicável ao devedor, que repercutirá em toda a sua esfera jurídica e patrimonial. A falência produz efeitos, pois, quanto à pessoa do falido, quanto aos seus bens, quanto aos seus contratos, quanto aos seus credores etc”.
4.3 Recurso contra a sentença que julga o pedido de falência
Nos recursos estabelecidos na legislação falimentar, o procedimento é o do Processo Civil, conforme dispõe o art. 189 da referida lei:
Art. 189. Aplica-se a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973[8] – Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei.
A previsão expressa da Lei 11.101/2005, em seu artigo 100, é de que “da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação”. O agravo aqui referido é o agravo de instrumento.
Considera-se ainda que tanto contra a sentença que decreta quanto a que denega a falência são oponíveis embargos de declaração, ainda que a Lei 11.101/2005 não traga expressamente essa previsão, pois este recurso é cabível contra qualquer decisão eu contenha omissão, obscuridade ou contração, conforme dispõe o caput do art. 1.022 do Código de Processo Civil.
5 Conclusão
Essencialmente, levando em conta seus objetivos e fundamentos, a falência não deve ser vista como um mal. Há certos casos em que o encerramento das atividades de uma empresa é, de fato, a melhor alternativa para a economia como um todo, tendo em vista o seu baixo grau de rendimento e produtividade. Procedendo desse modo, os recursos empregados em tal atividade podem ser realocados, de modo a otimizar a capacidade de produção de riqueza.
No entanto, como anteriormente asseverado, a falência somente deve ser aplicada aos casos em que não se enxerga perspectivas na viabilidade de recuperação da empresa em crise, pois, se de modo contrário se verificar, deve-se priorizar a recuperação, em atendimento aos princípios da função social e da preservação da empresa, os quais se mostram como princípios basilares na nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005).
Nesse contexto, do exposto no presente trabalho, podemos concluir que a delimitação de pressupostos necessários à caracterização do estado de falência é fundamental para que se evite o recurso excessivo, indiscriminado e desnecessário a esse instrumento. Além disso, podemos perceber que as informações trazidas a cabo no momento pré-falimentar de verificação dos pressupostos mostram-se essenciais para o bom andamento do processo de falência que pode vir a se seguir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa: de acordo com a Lei n. 11.101/2005. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL, Lei nº 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005. Lei de Recuperação e Falências. Diário Oficial da União. Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 06 de maio de 2017.
_____. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 06 de maio de 2017.
_____. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 06 de maio de 2017.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2006.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação de Empresas e Falência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Grupo Editora Nacional, 2016.
Notas
[1] Art. 982. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.
[2] Art. 966, parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
[3] Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário do Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
[4] Art. 23. Os termos dos protestos lavrados, inclusive para fins especiais, por falta de pagamento, de aceite ou de devolução serão registrados em um único livro e conterão as anotações do tipo e do motivo do protesto, além dos requisitos previstos no artigo anterior.
[5] Art. 5º. Não são exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência: I – as obrigações a título gratuito;
[6] Art. 94, § 2º. Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.
[7] Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
[8] A Lei n. 5.869, de 11-1-1973, foi revogada pela Lei n. 13.105, de 16-3-2015.