Filosofia libertária na questão sobre obrigação dos filhos cuidarem dos pais idosos e vice-versa

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Autopossessão, até que momento, dentro do Estado Democrático de Direito, pode-se invocar a filosofia libertária? O artigo faz refletir sobre essa filosofia que aumenta desde o neoliberalismo.

A filosofia libertária tem variantes. Alguns dizem que ajudar os menos favorecidos poderia, quando há extrema necessidade, como no caso de pessoas que, por exemplo, sofreram prejuízos exorbitantes em decorrência de eventos climáticos. Outros libertários, alguns chamam estes de 'radicais', pregam que, pela autopossessão, ninguém tem a obrigação de ajudar ninguém. A menos que queira, por livre e espontânea vontade.

Na CRFB de 1988, a norma contida no art. 229 prescreve:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (grifos)

Depreende-se pela norma que há dever (obrigação) de os filhos ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Não há margem de escolha, pela autopossessão, para qualquer cidadão, nato ou naturalizado, não acatar a norma constitucional.

No Estatuto do Idoso, a norma:

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (grifo)

Deduz, da norma acima, que não há autopossessão — deliberar ao contrário da norma — para negar solidariedade, consequentemente, e assistência ao idoso.

Porém, fundamento deste artigo, é quanto à filosofia libertária, dos libertários radicais, da autopossessão. Se Existe o Estado mínimo, apenas para segurança pública, defesa dos contratos, somente o pacta sunt servanda, e propriedade privada, as normas acima não devem existir. Logicamente, pela autopossessão, os filhos não têm qualquer obrigação de cuidar dos pais, quando estes idosos e necessitando de solidariedade, muito menos os pais, ainda que idosos e com ótima condição patrimonial e econômica, aos filhos. Por exemplo, algum filho (a) ficou doente e não tem condições de arcar com os gastos médicos — admitindo que não existe Sistema de Saúde Pública, somente Sistema de Saúde Particular.

Ora, pela filosofia libertária, dos libertários radicais — no sentido de autopossessão aplicada em sua plenitude — não há Sistema de Saúde Pública, somente Sistema de Saúde Particular. Quanto ao último Sistema, nenhum profissional da área de saúde, e muito menos qualquer plano de saúde, têm a obrigação de providenciar os primeiros socorros, ou até tratamentos contra doenças crônicas, como AIDS, câncer, distrofia neuromuscular, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), atresia biliar, cirrose, síndrome clínica de insuficiência cardíaca, cardiopatias congênitas cianóticas etc., sem que, na sociedade de mercado, tenha garantias, patrimonial ou financeira, de qualquer paciente.

Dirão, esses libertários radicais, que para ser médico não é necessário ter diploma, ou sejam, aprendeu na prática, tem alguma noção, já pode exercer, profissionalmente, medicina. E se o paciente, desesperado, deseja, por exemplo, ser operado por alguém, não médico (nunca frequentou instituição acadêmica)? Não há qualquer objeção, já que, pela autopossessão do doente, este pode contratar com quem quiser. A única exigência é que o pseudomédico diga que jamais ingressou numa instituição Universitária.

Esses libertários argumentarão que existem instituições filantrópicas para ajudar, médicos solidários. Porém, no contexto pós-metade do século XX, a começar pela filosofia do Livre Mercado, e consequentemente a ideologia sociedade de mercado, as desigualdades sociais aumentaram, muito mais quando comparado com a Revolução Industrial, do século XVIII. Se por uma lado os profissionais da área de saúde reclamam das péssimas condições de trabalho (local físico, aparelhagem) e o baixo salário (planos de saúde pagam quanto querem, já possuem força de decisão no Mercado; exemplo a pejotização para os para os profissionais de saúde trabalharem nas empresas de prestação de saúde humana), por outro lado há os profissionais que acreditam no devido valor que merecem, pelos anos de estudos e a posição socioeconômica merecida. Resulta desse último pensamento uma medicina de sociedade de mercado: saúde para quem pode pagar muito bem.

Se os libertários radicais estão corretos ou não, mas aplicando sua ideologia ou modelo mental, podemos supor que os pais querem ter filhos, mas, após alguma crise econômica, como a de 1920 e 2008, desejam não mais cuidarem de sua prole (uma criança ou adolescente), não há obrigação moral e, principalmente, coercitiva do Estado para que os pais prestem os devidos cuidados. Da mesma forma que os genitores biológicos quiseram ter filhos, ou pais adotivos, nada, pela autopossessão, impede-lhes de negar assistência a qualquer momento. Ou seja, como diriam os antigos Ra, ré, ri, ró, rua / Você vai embora que esta casa não é tua.

Nesse diapasão, se os pais moram com algum dos filhos (as), sejam estes adotados ou não, caso o filho (a) desejar, porque trabalhou e conseguiu sua propriedades pela meritocracia, pela autopossessão, expulsar os pais — Ra, ré, ri, ró, rua / Você vai embora que esta casa não é tua —, ninguém pode dizer que o (a) filho (a) é uma pessoa desumana. Pela autopossessão, pela meritocracia, do (da) filho (a), dizer Ra, ré, ri, ró, rua / Você vai embora que esta casa não é tua aos pais é exercer a liberdade individual (autopossessão).

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E se, mesmo numa democracia, a maioria quiser que os idosos tenham direitos humanos, como direito à moradia, à assistência de saúde? E se a maioria, mesmo diante de uma democracia, quiser que os filhos sejam obrigados a agirem como filhos maravilhosos — por estes receberem carinho, proteção, estudos, proporcionados pelos esforços dos pais — e proporcionarem, dentro de suas condições patrimoniais, econômicas e financeiras, os direitos humanos aos próprios genitores ou pais adotivos? Nada disso. Estado de bem-estar social é uma coação aos filhos, assim como dos pais aos filhos.

Dizer que o abandono afetivo é crime, como justificativa de o Estado intervir, na autoposessão do filhos ou dos pais, é imperdoável. Exigir que o Estado (Social) deve coagir os cidadãos — retirar à autoposessão de todos os administrados— para pagarem tributos e, assim, para que o próprio Estado garanta um mínimo existencial aos pais ou filhos abandonados é 'escravizar' cada cidadão.

Seria 'escravidão' o empregador pagar quanto bem quisesse ao empregado? Ou seja, o empregador tem o poder econômico em suas mãos, o empregado não. Admitindo que há Cartel, pois foi formado por comum acordo (consentimento) dos empresários envolvidos, e não é crime, pois o Estado não pode impedir autopossessão e consentimentos, o empregado aceita ou não trabalhar pelo salário ofertado pelo empregador, ou corporação. Dirão, a maioria, os libertários que não há coação ao empregado, portanto aceita ou não trabalhar pelas condições preestabelecidas pelo empregador, ou corporação. Não há relação de exploração de força de trabalho do empregado, mas 'procura e demanda'. E se o salário não dá para o mínimo existencial do empregado? Isso não vem ao caso.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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