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As despesas do condomínio especial em apartamentos (Lei 4591/64)

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01/10/2000 às 00:00
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A MORA

Mora é o retardamento na execução da obrigação, que pode ser imputável ao devedor ou ao credor. O parágrafo 3º, artigo 12, Lei nº 4.591/64, estabelece a sanção para o condômino que não pagar a sua contribuição no prazo estipulado na convenção.

O citado parágrafo determina que sobre o atraso deve incidir juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 20% sobre o débito, que será atualizado, se estipular a convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso de mora por período superior a seis meses.

A multa descrita no citado dispositivo legal pode ser estipulada pela convenção ou na assembléia, observe-se que o percentual pode variar até 20%, ou seja, os condôminos podem estipular um percentual menor.

Alguns autores afirmam que o parágrafo 1º, o artigo 52, Lei nº 8078/90, Código de Defesa do Consumidor, revogou a disposição referente à multa descrita no parágrafo 3º, artigo 12, Lei nº 4591/64, vez que o parágrafo do Código consumerista determina a impossibilidade da aplicação de multas superiores a 2% do valor do débito. Tais autores defendem a aplicação indiscriminada das disposições legais mais benéficas, ainda que a relação material fática seja diversa da relação listada pela proposição jurídica.

Apesar da defesa brilhante de alguns autores, as disposições legais do CDC não podem ser aplicadas às relações originais entre o condomínio e o condômino, pois não há relação de consumo entre os citados atores. O conceito de relação de consumo é extraído dos conceitos de fornecedor e de consumidor estabelecidos nos artigos 2º e 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor. A utilização da subsunção de Kant mostra que os conceitos de condomínio e condômino não podem se subsumir aos conceitos elencados nos artigos citados.

O condomínio, ao contrário do fornecedor, não desenvolve atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. A atividade daquele ente despersonalizado é a manutenção, a administração e a conservação da coisa comum, que pertence aos seus integrantes, portanto, até pela confusão entre o conjunto absoluto dos condôminos com o condomínio, a relação de consumo jamais poderia ser justificada.

O condômino, ao contrário do consumidor, não adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, vez que o objetivo essencial da sua relação como o condomínio, do qual o condômino é parte integrante, é a conservação do que é seu.


O PRÊMIO DO SEGURO

Apesar de ter sido tratado em um capítulo diverso do que regula as despesas do condomínio, o prêmio do seguro representa uma despesa ordinária que deve ser dividida entre os condôminos, na forma do disposto no art. 12, Lei nº 4.591/64.

O citado prêmio deve ser calculado numa base de ano, para que as assembléias possam incluir essa despesa no orçamento do condomínio, desde que aprovada. Observe-se que a aprovação se refere ao valor, visto que o seguro da edificação ou do conjunto de edificações é obrigatório.

O objeto do seguro condominal é o risco de incêndio ou outro sinistro que cause destruição no todo ou em parte do prédio.


A COBRANÇA EXTRAJUDICIAL

O condomínio pode exigir extrajudicialmente o débito do condomínio em mora, sendo que essa restará configurada quando estiverem presentes os seguintes elementos:

a) existência de dívida líquida e certa;

b) vencimento da dívida;

c) não pagamento no prazo estipulado;

d) interpelação judicial ou extrajudicial do devedor, se a dívida não tiver termo.

No caso do condomínio, o item "d" deve ser desconsiderado, vez que as assembléias anuais estabelecem o termo para o pagamento das taxas condominais.

A cobrança extrajudicial das despesas do condomínio representa um meio para a obtenção do crédito, portanto não pode ter como fim o constrangimento desnecessário do devedor. Tanto a honra objetiva, referente ao conceito que os outros têm sobre a pessoa, quando a honra subjetiva, referente à esfera interna da pessoa, devem ser respeitadas. Apesar do respeito à honra do devedor, os demais condomínios devem ter acesso à lista dos devedores, vez que aqueles terminam pagando pelos faltosos.

Observe-se que, nos casos de inadimplemento, o condomínio não pode impedir a utilização das áreas comuns, pois a qualquer constrição somente é possível através da tutela judicial.


A COBRANÇA JUDICIAL DAS DESPESAS DO CONDOMÍNIO

E A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

A Lei nº 8.009/90 estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar em relação às dívidas contraídas pelos cônjuges, pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo em algumas hipóteses abarcadas pela citada lei.

No Direito brasileiro, a penhorabilidade dos bens do devedor é a regra, mas a Lei nº 8.009/90 estabelece disposições legais de exceção baseadas na impenhorabilidade dos bens imóveis descritos nos artigos 1º e 2º. Logo está claro que a citada lei representa um subsistema de exceção, mas mesmo dentro dos subsistemas podem ser encontradas proposições jurídicas excepcionais.

O ilustre professor Carlos Maximiliano afirma que em um subsistema orgânico de exceção há regras e exceções, o que pode ser provado pelas relações travadas entre o sistema geral e a Lei nº 8.009/90; entre essa lei e as exceções estabelecidas no seu corpo.

A principal questão que surge é a seguinte: o bem de família descrito na lei nº 8.009/90 poderá ser penhorado em função de uma dívida oriunda do dever estabelecido no artigo 12 da Lei nº 4.591/64?

Há duas correntes sobre o tema, uma afirma que as taxas condominais estão incluídas nas exceções à impenhorabilidade do bem descrito no inciso IV, do artigo 3º da Lei 8009/90.

O citado artigo afirma que:

"A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...).

IV - para a cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar".

Os autores que defendem a penhorabilidade interpretam de forma extensiva a norma citada, pois entendem que a palavra contribuições engloba as de natureza tributária e as de natureza condominal, o que representa atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Os adeptos dessa corrente afirmam que a interpretação restritiva levaria a um enriquecimento sem causa do condômino inadimplente proprietário de apenas um imóvel. Alegam também que não pode haver inamdiplemento eterno e premiado, vez que, normalmente, o credor tem a faculdade de conceder ou não crédito ao inamdimplemente, mas, no caso do condomínio, o credor seria obrigado, em virtude da sua natureza, a premiar o inadimplemente com os serviços que não podem ser cortados.

A segunda corrente opta pela impenhorabilidade baseada nos seguintes motivos:

1) o inciso IV, do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90 é uma norma de exceção dentro de um sistema de exceção, que prejudica o proprietário do único bem de família, portanto deve ser interpretado de forma restritiva;

2) a questão é de política legislativa, vez que o legislador, agente político competente, não desejou englobar as contribuições condominais no texto da citada lei, portanto com base na constituição federal de 1988, o magistrado não poderia invadir a competência de Poder Legislativo, para criar uma figura não descrita pela lei;

Carlos Maximiliano afirma, em Hermenêutica e Aplicação de Direito, que sofrem exegese estrita as disposições que impõe limites ao exercício normal dos direitos sobre as coisas. Incluem-se, portanto, no preceito as normas que autorizam qualquer tipo de expropriação.

Assim, além do preceito geral de que as exceções são sempre interpretadas restritivamente, ainda que venham a beneficiar o sujeito, Maximiliano elege a construção restritiva das normas para os casos que prejudicam o indivíduo.

Em relação à questão constitucional, os defensores dessa corrente afirmam que o estudioso e o aplicador do direito devem estabelecer a diferença entre hermenêutica jurídica e política legislativa, para que não haja invasão das competências atribuídas aos poderes constituídos pela Constituição Federal de 1988.

O Poder Judiciário tem como função básica aplicar a lei ao caso concreto, substituindo a vontade das partes demandantes, o magistrado não pode inovar em relação ao que foi determinado pelo legislador. Logo somente o legislador pode positivar as determinações que, dentro da sua constante faculdade discricionária, considera justas, ficando vedado ao juiz desconsiderar a política legislativa adotada pelo Poder Legislativo.

Norberto Bobbio fornece, citando Montesquieu, bons argumentos contra a teoria do realismo, afirmando que:

"Assim, segundo Montesquieu, a decisão do juiz deve ser uma reprodução fiel da lei: ao juiz não deve ser deixada qualquer liberdade de exercer sua fantasia, porque se ele pudesse modificar as leis com base em critérios eqüitativos ou outros, o princípio da separação dos poderes seria negado pela presença de dois legisladores: o verdadeiro e próprio e o juiz que poria sub-repticiamente suas normas, tornando assim vãs as do legislador. Prossegue, de fato, Montesquieu:

‘Se os juízos fossem o veículo das opiniões particulares dos juízes, viveríamos numa sociedade sem saber com precisão que obrigação assumir’.

A subordinação dos juízes à lei tende a garantir um valor muito importante: a segurança do direito, de modo que o cidadão saiba com certeza se o próprio comportamento é ou não conforme a lei".

Por fim, os que interpretam restritivamente a questão presente afirmam também que a teoria do realismo(5) não pode ser importada dos EUA sem a devida observância do sistema positivo brasileiro, que tem como escopo a estabilidade das relações jurídicas e a preocupação em assegurar as competências constitucionais dos poderes constituídos, com base na supremacia da Constituição de 1988(6).


CONCLUSÃO

1) O princípio da utilização individual não foi adotado pela Lei nº 4.591/64, prevalecendo a teoria da propriedade da coisa comum. Portanto o condômino que não utiliza determinado bem ou serviço posto a sua disposição deve, ainda assim, contribuir, em virtude da potencial valorização do seu imóvel.

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2) O Código de Defesa do Consumidor não pode, em relação à multa, ser utilizado nas relações originais travadas entre os condôminos e o condomínio.

3) O inciso IV, artigo 3º, Lei nº 8.009/90, deve ser interpretado restritivamente, em consonância com o princípio da tripartição dos poderes, para que não fique configurada a invasão das competências atribuídas ao Poder Legislativo.


NOTAS

1. No caso do condomínio horizontal o sujeito ativo não é uma pessoa formal.

2. O professor Sílvio Rodrigues utiliza a palavra "determináveis", endossando a afirmação de que a obrigação propter rem figura, ontologicamente, no âmbito das obrigações. Ressalte-se, porém, que, nessas obrigações, o sujeito é determinado.

3. A subsunção Kantiana citada por Karl Enghisc é basicamente a adequação típica do conceito aos conceitos descritos pela proposição jurídica ou do fato aos fatos descritos pela citada proposição.

4. Citado por Roberto Barcellos de Magalhães, p. 118.

5. Ronald Dworkin afirma que não é verdade que norte-americanos e ingleses concordaram tacitamente em delegar o poder legislativo aos juízes, mas qualifica a retórica "realista" como estimulante.

6. Os ordenamentos jurídicos da Alemanha e dos EUA estão assentados em valores que podem ser sobrepostos às suas Constituições. Tanto DICEY, quanto BACHOF admitem um direito extrapositivo, o que não ocorre no Brasil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. ed. histórica, Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 256-257.

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999, p. 40.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 13ª ed. atual, São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 188-197

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 196-197.

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 206-218.

MAGALHÃES, Roberto Barcellos de. Teoria e Prática do Condomínio: Comentários à Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Rio de Janeiro: José Konfino, 1966, p. 98-225.

MAXIMILIANO, Carlos. Condomínios: Terras, apartamentos e andares perante o Direito. 3ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1950, p. 32 -388.

MELLO NETO, João Alfredo. Manual teórico e prático do condomínio. 2ª ed., Rio de Janeiro: Aide, 1996.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 212-222.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10ª ed. atual., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 141-164.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 24ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 216-219.

SOUZA, Agnaldo Celino de. Condomínio em edifícios: Manual do Condômino. São Paulo: Atlas, 1998, p. 45-53.

TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 120-127.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, 10ª ed. rev. atual. com a colaboração do Professor Álvaro Villaça Azevedo - São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 120-127.

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Sobre o autor
Reinaldo de Souza Couto Filho

advogado da União, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia, professor de Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO FILHO, Reinaldo Souza. As despesas do condomínio especial em apartamentos (Lei 4591/64). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/587. Acesso em: 2 mai. 2024.

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