INTRODUÇÃO
O Condomínio em edifício de apartamentos, descrito na Lei nº 4591/64, é especial em relação ao condomínio descrito no Código Civil Brasileiro, pois o regime jurídico da propriedade horizontal é, em diversos aspectos, diferente do regime estabelecido no Código de Beviláqua.
O direito anterior ao Decreto nº 5.481/28, inclusive na vigência do Código Civil, não contemplava a divisão de prédios em planos horizontais. Disciplinava, apenas, a divisão em planos verticais, que gerava as chamadas "casas geminadas", onde eram observadas as regras relativas ao direito de vizinhança.
A explosão demográfica ocasionada pelos movimentos migratórios, a questão da segurança pública e diversos outros fatores determinaram o surgimento da propriedade horizontal.
No regime especial da Lei nº 4.591/64, a idéia básica, que estabelece a diferença entre a propriedade horizontal e o condomínio comum, é a justaposição de dois tipos de propriedades, são elas: a propriedade exclusiva da unidade autônoma e a propriedade coletiva das áreas comuns. Ao contrário do condomínio do Código Civil, a comunhão horizontal é forçada e indivisa em relação às áreas comuns. Ressaltando-se que a unidade autônoma não sofre qualquer limitação aos poderes de usar, fruir e dispor do seu titular.
Várias teorias tentam explicar a natureza jurídica de condomínio em estudo, dentre elas:
a) a acéfala, que nega a existência de verdadeira propriedade nessa forma de condomínio; b) a da propriedade horizontal como servidão, adotada pelo direito francês; c) a da propriedade horizontal como direito de superfície, adotada pelo direito alemão. Para outros, há uma pessoa jurídica, oriunda da reunião de várias pessoas físicas (proprietários). A corrente mais aceita, entretanto, descreve o presente condomínio como um ente despersonalizado, que, apesar de não está classificado como pessoa jurídica, tem direitos que podem ser exercidos e deveres que devem ser observados. Ressalte-se de o condomínio pode celebrar contratos, o que ilustra a existência de vontade única, ainda que fictícia, emanada de um ente despersonalizado.
A Lei nº 4.591/64, no seu capítulo III, utiliza a expressão "das despesas do condomínio", mas não apresenta um conceito formal, ou seja, a citada lei não conceitua o instituto estudado. Portanto o conceito de despesas do condomínio é um conceito analítico, estabelecido pela doutrina.
As despesas do condomínio, segundo Roberto Barcellos de Magalhães, são os gastos feitos com a conservação, manutenção e administração das partes comuns e dos serviços gerais do prédio.
Os gastos feitos com a conservação e manutenção são os relativos aos danos provocados pelos agentes externos, pelo tempo e pela utilização da coisa comum, pois os condôminos visam a perpetuação das condições originais do imóvel. Os gastos feitos com a administração da coisa são os concernentes à comissão do síndico, ao salário de empregados, etc.
A NATUREZA JURÍDICA DAS DESPESAS
A taxa de condomínio é, basicamente, uma taxa de âmbito privado, vez que, em regra, corresponde a uma contraprestação pecuniária dos serviços prestados ou postos à disposição do condômino, criados em proveito do uso e da fruição dos bens, serviços e coisas comuns.
As despesas do condomínio representam obrigações acessórias mistas, pois se vinculam ao direito real, objetivando uma prestação devida pelo seu titular. O seu caráter é híbrido, vez que tem como objeto uma prestação específica, mas está incorporada a um direito real, do qual se origina. Assim, representam obrigações propter rem.
Alguns autores, dentre eles Sílvio Rodrigues, afirmam que a obrigação propter rem encontra-se no terreno limitrofe entre os direitos reais e os pessoais. Apesar de ser uma decorrência daqueles direitos, pois segue o titular, não obstante tem características de um direito de crédito, vez que há um liame que vincula duas pessoas(1), isto é, um sujeito ativo e um sujeito passivo, ainda que apenas por um determinado tempo, tendo por objeto uma prestação positiva ou negativa.
Apesar da existência de traços relativos aos direitos reais e aos direitos pessoais, pode-se notar a ausência de alguns traços ontológicos dos direitos citados, dentre outros, o objeto da obrigação propter rem não é o imóvel, mas a prestação pecuniária, além disto, pode haver cessão de débito sem a eminência do credor.
Alguns estudiosos afirmam que a obrigação propter rem deve ser classificada como um direito pessoal, vez que a maioria dos elementos encontrados naquela obrigação está relacionada ao direito pessoal. Outros autores, como Maria Helena Diniz e Sílvio Rodrigues, afirmam que as obrigações em tela devem ser colocadas em uma categoria jurídica autônoma, que não se enquadra no âmbito dos direitos reais, nem se adequa aos direitos obrigacionais, pois participa de ambos.
A primeira corrente parece mais acertada, vez que, apesar da formação híbrida, nas obrigações propter rem, as características de direito obrigacional se sobrepõe às características de direito real, tanto em relação ao aspecto quantitativo, quando em relação ao aspecto ontológico.
Os conceitos de direitos reais e de direitos pessoais ilustram bem a tese da sobreposição, pois os direitos reais indicam o exercício direto de um poder sobre a coisa, sem intermediação, interferência ou qualquer relação com outra pessoa ou ente; já os direitos pessoais exigem interferência, intermediação ou relação jurídica entre um sujeito e a pessoa ou ente, para que lhe seja acessível o bem querido.
No presente caso, sempre haverá uma pessoa ou ente entre o credor e o bem desejado, ou seja, ainda que o sujeito passivo (intermediador) possa parecer inconstante.
Observe-se que o intermediador não pode ser confundido com o sujeito passivo universal, que segundo a escola clássica é o sujeito passivo do direito real (obrigação passiva universal), vez que o intermediador da obrigação propter rem poderá sempre ser individualizado e identificado, ainda que não se configure qualquer lesão a direitos. Ao contrário do que acontece em relação ao direito real, a determinação do sujeito passivo, nas obrigações em tela, será sempre possível, mesmo que sejam realizadas alterações na titularidade do direito real.
A existência do devedor e do credor revela, também, a preponderância dos elementos de direito obrigacional, quando se trata de obrigações propter rem, pois a figura do sujeito passivo não está relacionada a qualquer lesão do direito.
O DEVEDOR E O CREDOR
As despesas do condomínio têm, como já foi dito, natureza de obrigação propter rem, portanto, em virtude da sua natureza, existem duas partes determinadas ou determináveis(2): um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor).
O credor pode ser definido como o ente que tem a expectativa de obter do devedor o cumprimento da obrigação, ou seja, o fornecimento da prestação, enquanto o devedor é aquele que tem o dever legal, contratual ou decorrente de ato ilícito, de satisfazer a obrigação, através de prestação estabelecida.
No presente caso, o credor é o condomínio, ente que não pode ser subsumido(3) ao regime legal das pessoas do Código Civil, embora possa agir ativa e passivamente. Os entes despersonalizados constituem, segundo Maria Helena Diniz, um conjunto de direitos e obrigações, de pessoas e/ou bens sem personalidade jurídica, mas com capacidade processual.
Assim, o condomínio pode exigir a prestação que foi estabelecida no capítulo III, Lei nº 4591/64, inclusive judicialmente.
O devedor é o titular de um direito real sobre a unidade autônoma, ou seja, um direito que, em virtude da sua irrestrita publicidade, possa ser notado por todos, especialmente pelo condomínio (credor).
Assim, as relações obrigacionais travadas entre o titular do direito real sobre a unidade autônoma e terceiros não surtem qualquer efeito em relação ao condomínio. O sujeito passivo das despesas perante o condomínio continua sendo o titular do direito real.
Outro aspecto real pode ser notado quando o adquirente de qualquer unidade autônoma é responsabilizado pelos débitos do alienante, inclusive multas, em relação ao condomínio, pois a obrigação propter rem é caracterizada pela sequela, de modo que o adquirente se sub-roga ex vi legis nas obrigações do alienante, obviamente, sem prejuízo do direito de regresso.
AS DESPESAS ORDINÁRIAS E AS DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS
As despesas do condomínio podem ser classificadas em despesas ordinárias e extraordinárias. As ordinárias visam o custeio normal das áreas e serviços comuns, ou seja, destinam-se de maneira geral a cobrir gastos com o funcionamento dos serviços e com pequenas despesas de conservação das áreas comuns. As extraordinárias estão ligadas aos gastos vultosos normalmente gerados em ocasiões esporádicas.
Roberto Barcellos de Magalhães afirma que:
"Classificam-se em ordinárias e extraordinárias, conforme se refiram a necessidades de rotina ou a situações financeiras, criadas por necessidades urgentes ou imprevistas".
Em relação à classificação das despesas do condomínio horizontal, um aspecto interessante deve ser esclarecido: as despesas ordinárias e extraordinárias não são descritas pela Lei nº 4.591/64, sim pela lei 8.245/91 (Lei de Inquilinato). Os artigos 22 e 23 dessa lei determinam:
"Art. 22. O locador é obrigado a:
(...)
X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenos, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitalidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela despesa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;
e) instalação de equipamentos de segurança e de incêndio, de telefone, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva.
Art. 23. O locatário é obrigado a:
(...)
XII - pagar as despesas ordinárias de condomínio.
§ 1º - Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva, especialmente;
a)salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;
b)consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum;
c)limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;
d)manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum;
e)manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e de lazer;
f)manutenção e conservação dos elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;
g)pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum;
h)rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;
i)reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação".
O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
A Lei nº 4.591/64 estabeleceu uma clara diferença entre o condomínio horizontal e o condomínio descrito no Código Civil, no que se refere à tributação. No Condomínio geral, o tributo incide sobre a totalidade da coisa comum, ensejando uma distribuição pro rata entre os consortes. Em relação ao edifício de apartamento, o fisco adota o critério da pluralidade de devedores, ressalte-se que tal critério define a responsabilidade dos consortes. No condomínio em apartamentos cada unidade autônoma se vincula a uma quota tributante, portanto cada condômino é obrigado a contribuir com o que lhe cabe, como se cada apartamento fosse um prédio isolado.
O artigo 11 da Lei nº 4.591/64 tem como escopo evitar a repercussão dos débitos tributários de um consorte nos demais condôminos. Não poderia ser diverso o tratamento dado às unidades, a sua autonomia tributária está veiculada ao caráter exclusivo da sua titularidade.
A NÃO UTILIZAÇÃO DE CERTOS BENS POR ALGUNS CONDÔMINOS
A análise do princípio da utilização individual, onde cada um responde de acordo com a efetiva utilização dos bens e serviços, não pode ser feita sem a investigação da natureza jurídica da relação entre o consorte e a coisa comum.
Roberto Barcellos de Magalhães afirma, de forma brilhante, que o consorte está ligado à coisa através de um direito de propriedade, que, segundo o § 5º da art. 12 da Lei nº 4.591/64, não pode ser renunciado, para exonerar o consorte dos seus encargos legais.
Alguns autores fundamentam o princípio da utilidade individual com base em um suposto direito de uso do condômino, mas a legislação deixa claro que a cada unidade autônoma caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e das coisas comuns, que será expressa sob forma decimal ou ordinária.
Além das questões referentes à propriedade da coisa comum e à irrenunciabilidade escusatória de direitos, a questão da utilização indireta tem fundamental importância, quando surgem os problemas concernentes à utilização da coisa comum. O princípio da utilização individual perde totalmente a consistência, quando não há utilização de certos bens comuns, mas esses valorizam de alguma forma a unidade do consorte inerte.
O exemplo mais conhecido é o da não utilização do elevador pelos moradores do andar térreo. De fato, a utilização direta se mostra pouco provável, mas a existência do citado bem comum agrega valor às unidades autônomas. Além da valorização no momento da venda, vários benefícios foram listados pelo Dr. Osny Duarte Pereira(4), juiz titular da 18ª Vara Cível do Rio de Janeiro:
"Os condôminos do andar térreo estão legal e justamente sujeitos a todos os encargos que pesem sobre os andares superiores. Isto é da essência do condomínio. Enquanto não houver divisão e desmembramento, o edifício é considerado como um todo econômico, em que cada comparte responde pelos encargos da administração do conjunto. Nem se diga que os elevadores não servem ao andar térreo. Graças a eles, a circulação é rápida, os empregados dispõem de mais tempo e energia, para realizar a limpeza da entrada, das escadas, soma de trabalhos que valorizam todo o edifício e, consequentemente, o andar térreo.
Se o andar térreo é uma loja, ainda maior é a vantagem para o proprietário, porque o edifício bem limpo, bem administrado, torna-se caro e assim os moradores serão todos pessoas de maior poder aquisitivo, o que influenciará nas rendas do ocupante, aumentando o volume de negócios. Sem elevadores, sem limpeza, sem iluminação, as pessoas de maiores haveres, abandonariam o prédio e ele transformar-se-ia num cortiço que só os operários humildes iriam habitar (in, Diário de justiça, de 27 de setembro de 1955, pág. 12322)".
O Supremo Tribunal Federal decidiu, através da sua 2ª Turma, da seguinte forma, em 13 de agosto de 1957:
"A administração do edifício pode exigir que o proprietário de apartamento no pavimento térreo pague sua cota na despesa com o serviço do elevador (in Diário da Justiça, de novembro de 1960, pág. 1.013)."
No caso das garagens, o art. 2º da Lei nº 4.591/64 esclarece o problema, em harmonia com o preceito de que as despesas com a coisa comum, ainda que não utilizada, se fundamentam no próprio direito de propriedade e não numa faculdade de uso, da seguinte forma:
"§ 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjunto de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno". (grifo nosso)
O ilustre Roberto Barcellos de Magalhães afirma, em relação ao problema elencado, que os espaços destinados à guarda de carros constituem, segundo a própria disposição legal, um acessório da propriedade exclusiva sobre a unidade autônoma, acrescendo à respectiva fração. Se um consorte, por qualquer coisa, não dispõe desse acessório de seu direito de propriedade, deverá ficar isento de contribuir para a sua manutenção, já que somente tem direito em relação às coisas comuns. Não sendo comum a garage, nem as vagas, somente os que fizerem uso privativo de ambos deverão arcar com as suas despesas.
O TRATAMENTO DO ANTEPROJETO Nº 634/75
O anteprojeto, no seu art. 1.340, disciplina a questão da utilização individual da seguinte forma:
"As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve".
O artigo transcrito mostra a intenção do legislador de mudar as disposições sobre a questão da utilização das coisas comuns. Ao contrário da disposição vigente, o código futuro passa a tratar, no seu texto, do condomínio horizontal, buscando a alteração da disposição vigente, para eleger, de forma irrestrita, princípio da utilização individual.
Ressalte-se que a aplicação do citado princípio ensejará uma total discricionariedade na análise da utilidade do bem ou serviço comum, mas apesar dessa liberdade, o anteprojeto não lista o método que irá definir os critérios de uso exclusivo de um ou de alguns condôminos, nem estabelecem critérios para a aferição do uso exclusivo.
A FIXAÇÃO DAS QUOTAS
Anualmente, os condôminos devem votar, por maioria, a verba referente às despesas, cumprindo a cada consorte concorrer com a quota que lhe seja imputada no rateio, que será feito na proporção da fração ideal do terreno de cada unidade, salvo disposição em contrário na convenção do condomínio.
Os consortes somente serão obrigados, originalmente, a adimplir as despesas do condomínio que sejam aprovadas em assembléia geral, na proporção da sua parte estabelecida pela convenção ou, na ausência dessa, pela lei.