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O direito adquirido e as contribuições previdenciárias

13/11/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Em 1º de janeiro de 2004, entrou em vigor a Emenda Constitucional n.º 41/03, trazendo profundas alterações para os regimes próprios de previdência, que vão desde a concessão dos benefícios até a fixação de contribuição previdenciária para os atuais e futuros inativos e pensionistas.

A referida Emenda deu nova redação ao § 18 do artigo 40 da Carta Magna, estabelecendo que aqueles que vierem a se aposentar ou gozar do benefício de pensão, com base nas novas regras, e que ganhem acima de R$ 2.400,00 contribuirão mensalmente para os regimes previdenciários com uma quantia correspondente a 11% de seus proventos.

Na mesma linha fixou que os atuais inativos e pensionistas que recebam acima de R$ 1.200,00 contribuirão com o mesmo percentual sobre o valor dos proventos que exceder esse limite (art. 4º, da EC n.º 41/03).

Daí surge a controvérsia acerca da possibilidade da já famosa taxação dos inativos, já que os mesmos por se encontrarem aposentados ou recebendo pensões estariam amparados pelo direito adquirido ao não pagamento das contribuições previdenciárias.

Inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade já foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal, visando o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 4º, da Emenda Constitucional n.º 41/03, sob o argumento de que não pode haver proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, dentre os quais se encontra o direito adquirido.

Tendo, inclusive, alguns Tribunais pátrios se manifestado nesse sentido ao conceder liminares vedando aos Estados a exigência das contribuições para os atuais inativos e pensionistas, pois estes estariam amparados pelo direito adquirido e pelo ato jurídico perfeito.

Antes de adentrar ao mérito da questão, cumpre esclarecer que direito adquirido é aquele que já se incorporou ao patrimônio do interessado para ser exercido por ele quando lhe convier.

Para que possamos concluir se existe ou não ofensa a direito adquirido, primeiramente devemos conhecer a natureza jurídica da contribuição previdenciária.

As contribuições previdenciárias integram a contribuição para a seguridade social e por conseguinte as contribuições sociais que dividem-se em de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais ou econômicas e da seguridade social.

Daí decorre sua natureza jurídica de tributo, pois conforme leciona o professor Hugo de Brito Machado in CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, editora Malheiros:

"O art. 217 do CTN, com redação que lhe deu o Decreto-lei n. 27, de 14.11.1966, estabeleceu que as disposições do Código não excluem a incidência e exigibilidade de outras contribuições, que indica. Isto tornou evidente a existência de uma quarta espécie de tributo, integrada pelas contribuições sociais. Tal conclusão restou reforçada pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988."

Entendimento corroborado pela maioria da doutrina, acrescentando-se apenas o fato de se caracterizarem como uma espécie tributária de natureza peculiar vez que ora se assemelha aos impostos e ora às taxas.

A própria Constituição Federal reconhece a natureza tributária das contribuições para a previdência social dos Estados ao estabelecer no parágrafo único, do artigo 149 que:

"Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social."

Posteriormente, o referido parágrafo foi renumerado pela Emenda Constitucional n.º 33/01 e agora com o advento da Emenda Constitucional n.º 41/03 passou a ter a seguinte redação:

"Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União."

Sedimentada a natureza tributária da contribuição previdenciária temos que seu fato gerador, sobre o qual residem controvérsias, pode ser a prestação efetiva ou potencial ao segurado dos benefícios (1ª corrente) ou a própria percepção de rendimentos (2ª corrente).

Assim sendo, independentemente da corrente adotada com relação ao fato gerador da contribuição previdenciária, este ocorre periodicamente já que tanto a percepção de rendimentos quanto a prestação efetiva dos benefícios ocorrem todos os meses em favor dos servidores em atividade, dos inativos e também dos pensionistas, já que as remunerações e os proventos de aposentadoria e pensão são pagos em prestações continuadas e de trato sucessivo.

Portanto, não se pode confundir o direito adquirido ao benefício de pensão, que se constitui em verdadeiro fundo de direito, com a percepção dos proventos de pensão mensalmente, fato este que consubstanciado pela periodicidade com que ocorre não se insere no conceito de direito adquirido.

Além disso, diante da natureza tributária das contribuições previdenciárias não há que se falar em direito adquirido em face de tributos, pois caso contrário após a delimitação legal dos fatos geradores de determinado tributo não seria mais possível, ainda que por Lei, estabelecer a incidência de determinada espécie tributária sobre novo fato gerador, pois haveria ofensa a direito adquirido daqueles que passariam a figurar como contribuintes.

Como supedâneo de tal entendimento trago a baila a lição de Marcelo Leonardo Tavares in COMENTÁRIOS À REFORMA DA PREVIDÊNCIA, editora Impetus:

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"Não vislumbro agressão aos postulados do direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, tendo em vista que não existe direito subjetivo à não incidência futura de tributo, bem como o ato jurídico de concessão não prevê tal cláusula.

Note-se que as contribuições previdenciárias aqui admitidas pela Constituição não retroagem. Elas incidem sobre fatos geradores ocorridos após a previsão em hipótese de incidência.

Como não há direito adquirido à não-imposição tributária para o futuro, ou cláusula específica, baseada em lei, de não-incidência quando do ato de deferimento de benefício, não vislumbro como acolher a tese de agressão a esses institutos.

O ato jurídico de aposentação é perfeito, se observou a lei, e gera direito adquirido ao gozo de benefício sob as condições estipuladas.

Ocorre que não existe garantia constitucional ou legal, nesses casos, à futura não-incidência de tributo utilizando o valor dos proventos como base de cálculo. O fato de, no momento da concessão, não haver lei anterior prevendo a tributação não garante que lei futura não possa criar hipótese de incidência vinculada ao pagamento de benefício previdenciário."

Até o advento da Emenda Constitucional n.º 41/03, por força do que estabelece o § 12, do artigo 40, da Constituição Federal, in verbis:

"§ 12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social."

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade das leis que previam a contribuição dos inativos e pensionistas filiados aos Regimes Próprios de Previdência, pela inexistência de norma constitucional estabelecendo a contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas da União, dos Estados e dos Municípios, aplicando-se, então a imunidade concedida aos filiados ao Regime Geral de Previdência Social, pelo inciso II, do artigo 195, da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98).

Ausência está suprida, com a imposição de contribuição dos inativos e pensionistas para o financiamento dos regimes próprios de previdência social.

Entretanto, o impositivo constante do artigo 4º, da Emenda Constitucional n.º 41/03 consubstancia-se em norma de eficácia reduzida, estando, portanto, sujeito ao princípio da legalidade tributária previsto no inciso I, do artigo 150, da Carta Maior, pelo qual a União, os Estados e os Municípios só podem exigir ou majorar tributos mediante a edição de lei.

Observando-se para as contribuições previdenciárias o princípio da anterioridade mitigada, ou seja, somente podem ser exigidas após decorridos 90 (noventa) dias da publicação da Lei (artigo 195, § 6º, da CF).

Então, não há que se falar em existência de direito adquirido ao não pagamento de contribuição previdenciária por parte dos inativos e pensionistas que entraram em gozo do benefício antes da vigência da Emenda Constitucional n.º 41/03.


Bibliografia

CASSONE, Vittorio, Sistema Tributário Nacional na Nova Constituição, Atlas, 1989;

BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, 6º Volume, tomo I, São Paulo, Saraiva, 1990;

AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2001;

MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, 2003;

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 2002;

IBRAHIM, Fábio Zambitte, TAVARES, Marcelo Leonardo e VIEIRA Marcos André Ramos, Comentários à Reforma da Previdência, São Paulo, Impetus, 2004.


NOTA DE ATUALIZAÇÃO (do Editor)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3105, referida no presente trabalho, foi julgada improcedente em 18/08/2004, tendo sido redigida a seguinte ata:

"O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação em relação ao caput do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, vencidos a Senhora Ministra Ellen Gracie, relatora, e os Senhores Ministros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Por unanimidade, o Tribunal julgou inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", contidas, respectivamente, nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41/2003, pelo que aplica-se, então, à hipótese do artigo 4º da ec nº 41/2003 o § 18 do artigo 40 do texto permanente da Constituição, introduzido pela mesma Emenda Constitucional.

Votou o presidente, o Senhor Ministro Nelson Jobim.

Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Cezar Peluso."

Mais informações:

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Sobre o autor
Bruno Sá Freire Martins

advogado, pós-graduado em Direito Público, superintendente de Previdência da Secretaria de Administração do Estado de Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Bruno Sá Freire. O direito adquirido e as contribuições previdenciárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 500, 13 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5880. Acesso em: 2 nov. 2024.

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