O direito é assinalado comumente – aliás, muito mais pela crença do homem médio em sua vida comum – como um farol, uma Luz no fim do túnel: a miríade, a Iluminação que alimenta o processo civilizatório desde o Iluminismo.
Descontado o exagero da ingenuidade histórica – em regra o direito nem é uma luminária ascendente –, algumas vezes realmente podemos vivenciar uma sensação de justiça para além da mera expectativa do direito. Esta que teima em fugir como a Luz que escapa do lampião apagado por falta do legítimo combustível.
Por outro lado, na realidade societal que teima em não se modificar, o direito de Lampião – literalmente – ainda incendeia a vida nacional. Lampião, metaforicamente o coronel dos coronéis dos sertões, é mais atuante do que se imagina: milícias, todo poder ao capital ruralista que espanca o direito de populações tradicionais e de trabalhadores rurais, o “novo cangaço”, o poder do Estado Paralelo reinante no crime organizado, os três poderes mancomunados no golpe institucional, o justiciamento seletivo e os linchamentos públicos, são meros exemplos. Na modalidade moderna – e continuamente antirrepublicana – o direito de Lampião não Ilumina nenhum traço de Estado de Direito: da justiça partidária e seletiva até a decretação fática pelo fim da Lava Jato, à mingua e sem recursos, são outros exemplos. A mortandade de negros, pobres, desescolarizados, sequelados pelo capital devorador da dignidade humana, seria outro emblema renitente do direito de Lampião. A morte esperada – senão encomendada de bebês que nem nasceram, alvejados por balas “perdidas e achadas” de policiais e de traficantes – poderia ser um ícone de que o direito de Lampião não reconhece os “direitos dos nascituros”.
Os mais de 250 mil presos – os pobres e negros do minudente Estado Penal – sem julgamento, sem direito à sobrevida após o sistema retorcer o que lhes caberia de garantias do processo civilizatório, é um padrão. Porém, apesar de fático não é inovador. Não é, então, um clássico que inspire respeito nos alfarrábios do direito de Lampião.
O desmatamento da Amazônia (extração ilegal de madeira) e do Cerrado (agronegócio e agrotóxico), a desertificação dos pampas (pecuária extensiva) e da caatinga (produção ilegal de carvão vegetal na indústria da seca), o trabalho escravo de jovens, adultos e de crianças, poderiam ser clássicos modernos da contraprova de que o direito de Lampião massacra o Estado Ambiental. Porém, revendo a história do ensino médio, logo descobrimos a monocultura (da cana, no passado e no presente) e a total degradação do meio ambiente, sem nenhuma edificação ética e cultural minimamente compensatória.
Alguém poderia citar o desemprego e o agravamento da miséria humana como “novo” clássico do direito de Lampião – afinal, a miséria alimenta o novo cangaço e os justiceiros de todo tipo: armados com grosso calibre ou só com as canetas Mont Blanc enterradas em suas togas amarrotadas pelo calor do poder.
Mesmo neste caso seria ledo engano, porque são os mesmos tipos (nada) ideais que em tempos nobiliárquicos condenavam ao açoite o negro fugido da lavoura e da senzala. Sem eira, nem beira, sem adornos ou arquitetura jurídica contra as intempéries da má-sorte de ter nascido esquecido, segue o povo marchando à procura de Vidas Secas (Graciliano Ramos). Este sim um clássico, imemoriável.
Lá, a Casa Grande era o status quo de todos aqueles que fugiam do chicote e, hoje, é a sentença contra os que furtam pão, chocolate ou caixinha de leite para alimentar filhos famintos. Não deveria, mas, às vezes, o direito de Lampião ainda causa espasmos piores – para quem acompanha os famélicos que chegam ao STF.
Enfim, como vimos, o direito de Lampião é a metáfora do passado que se faz presente – e, pelo andar da carroça, será uma marca indelével do futuro. Essa é a novidade do século XXI para um povo sem nação.