A postura comissiva do Supremo Tribunal Federal em questões contemporâneas de grande relevância jurídica e política

13/07/2017 às 23:33
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O artigo analisa o comportamento institucional do STF, de maneira concisa e genéria, na análise de questões políticas e sociais de grande relevância e repercussão, além dos aspectos do ativismo judicial, crescente na última década.

O Supremo Tribunal Federal, no último decênio, vem assumindo notório protagonismo não só no cenário jurídico, mas também no cenário político e social. As repercussões das decisões do pretório excelso, em matérias de reconhecida relevância, e por vezes de grande comoção nacional, são amplamente criticadas por constitucionalistas, penalistas e processualistas, tendo sido alçada a Suprema Corte do Brasil à condição de protagonista do processo político e social. Por óbvio, não são todos os mandamentos exarados pela Suprema Corte que se submetem a este pelejante flanco de críticas.

As críticas, decorrentes não só de especialistas do Direito, mas formando coro com políticos e ativistas sociais, versam primariamente acerca de claudicante excesso da Corte em seu papel no sistema institucional brasileiro.

O Poder Judiciário pátrio, contemporaneamente, vem ocupando terreno antes tipicamente manejado pelas instâncias políticas. Essa expansão não se dá exclusivamente no cenário brasileiro. Cortes superiores de países que adotam as mais variadas formas, regimes e sistemas de governo e de Estado, também se propuseram a proferir decisões com expressiva relevância. Em partes, esse movimento fora impulsionado pela crise no sistema de democracia representativa, consubstanciada pela incapacidade de partidos, órgãos e poderes políticos em refletir os interesses dos cidadãos em suas decisões e atos. Essa dificuldade, segundo explana Zygmunt Bauman, dá-se em virtude da condição humana pós-moderna, em que os indivíduos, influenciados por inúmeros elementos decorrentes da evolução tecnológica, econômica, jurídica e da própria arquitetura social, possuem maior volatilidade de vontades, interesses e valores, culminando, dessa forma, em uma maior dificuldade de assimilação e identidade entre grupos sociais e com os sujeitos da relação representante-representado.

As lacunas – principalmente normativas - que decorrem dessa hoje deficiente relação, mostra-se terreno fértil de instabilidade política e social. O Poder Judiciário, então, através de seus órgãos, pôs-se em marcha ante as inúmeras situações sociais de fato que ensejam regulação Estatal, omissa em sede legislativa, e comissiva frente a indeclinabilidade a que está condicionada a jurisdição. Essa ação positiva, corriqueiramente denominada ativismo judicial, possui vértices benéficos e maléficos para o sistema tripartido de poder. Doravante a acomodação da judicialização de questões políticas – cujo consenso encontra óbices de difícil superação em função da pulverização dos interesses sociais -, muito se discute em âmbito acadêmico, jurídico e social acerca do papel protagonista assumido pelo órgão mor do sistema jurisdicional brasileiro: o STF.

Na história republicana do Brasil, o Supremo Tribunal Federal possuía tímido papel social e político se comparado aos órgãos dos demais poderes. Após a promulgação da Constituição Republicana de 1988, ter-se-á um redesenhamento da estrutura de relações entre os poderes, tendo a Lei Fundamental atribuído significativo ofício de zelar pela integridade e inviolabilidade da Constituição.

Somado a isso, tem-se o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, de modo que as questões sociais sobressalentes ou não, em via recursal ordinárias - a depender da matéria - ou por intermédio do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, ao fim e ao cabo, deságuam na Corte Constitucional.

Consorte a esse destaque institucional, questões subjacentes começaram a emergir a partir de decisões emblemáticas submetidas à apreciação da corte. Destacam-se os pronunciamentos de jurisdição constitucional acerca de questões de notável importância para o ambiente institucional, político, científico e social, tais quais o rito do impedimento do Presidente da República Fernando Collor de Melo (1991), o reconhecimento de uniões estável a relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo (2011), a validade da Lei da Ficha Limpa (2011), a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas (2008), entre outros. Todos esses temas atraíram a atenção da opinião pública em função de sua natureza extremamente controvertida em face dos valores sociais prevalecentes. E justamente em virtude da polêmica do objeto das discussões, houve forte apelo social à corte em favor de entendimentos que se mostrassem pari passu com os anseios da sociedade.

Juristas dos mais variados gabaritos se ocuparam da análise do atrelamento dos provimentos jurisdicionais do Supremo com as aspirações coletivas em detrimento das normas vigentes no ordenamento, em temor de que se instaurassem entendimentos de conveniência ou de dicções jurídicas que se mostrassem inaplicáveis se projetadas no arcabouço social do país.

Duas correntes calcadas em argumentos heterogêneos se apresentaram: a de que o direito é para a vida e de que este é instrumento para que se realizem as pretensões comuns e reais, e a de que o direito deve ser visto e portar-se pela adequação da realidade ante a norma ainda que haja contrariedade do resultado da hermenêutica normativa com a ânsia social.

Dessa forma, o STF tem sido visto como herói e vilão simultaneamente. Aos que defendem um maior ativismo judicial no sentido de promover a correção de situações decorrentes da omissão e/ou ineficiência dos poderes políticos tem se apresentado o colegiado como herói. Aos que defendem a restrição do Pretório Excelso à sua condição de órgão técnico-jurídico encarregado de salvaguardar a Constituição, autolimitando-se e dialogando com os demais poderes da República quando necessário ao atendimento do interesse público, seu ativismo mostra-se nocivo à arquitetura tripartida de poderes e à estabilidade do Estado Democrático de Direito.

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A provocação exposta em aula de que “o STF tornou-se o facebook” diz respeito ao fato de haver aceitação e consideração opinativas emergentes do senso comum quanto ao julgamento de determinadas matérias, colocando o ordenamento jurídico pátrio em situação subsidiária para solução de controvérsias constitucionais ou infraconstitucionais.

De tal modo, a interpretação constitucional consubstanciada à convenção do bem comum, que por sua vez são dotadas de característica transitória, surge como agente catalisador da insegurança jurídica e como ato atentatório à dignidade da Constituição, de modo que as formulações baseadas em juízos de conveniência, ou decisões judiciais que visam viabilizar programas de políticas públicas, prestam um desserviço ao progresso da pátria. Políticas Públicas devem ser desenvolvidas e implementadas em harmonia com as normas constitucionais e infraconstitucionais, e não cabe à jurisdição o encargo de encontrar ou desenvolver técnicas hermenêuticas que propiciem o terreno normativo para sua aplicação. Grosso modo, são os anseios que se curvam às normas constitucionais e não as interpretações mirabolantes que adéquam a Constituição às circunstâncias transitórias.

As ditas intromissões do Supremo Tribunal Federal ensejaram represálias de outros poderes, principalmente do legislativo, em incontestável mal-estar institucional. Como forma de mitigar as incursões jurisdicionais, tentou-se, malfadadamente, condicionar à aprovação do Congresso Nacional as decisões do Supremo que declarassem a inconstitucionalidade de PEC's ou constitucionalidade de leis e atos normativos analisados em sede de ADIn e ADC, bem como submete ao Senado Federal vinculação das súmulas emanadas do Pretório Excelso em detrimento da vinculação automática e imediata em vigor atualmente. Segundo o autor da Proposta de Emenda à Constituição nº 33/11, Dep. Nazareno Fonteles (PT-PI), o reconhecimento jurídico da inconformidade constitucional de ato normativo proveniente do Parlamento não supre a falta de legitimidade popular da Suprema Corte.

Em outro ponto, parlamentares apostam na rotatividade de ministros, estabelecendo mandatos de 10 anos não reconduzíveis, como saída para os recorrentes episódios de crise institucional entre o Judiciário e o Legislativo.

Sendo assim, conclui-se que a preocupação do Supremo com a ratificação de seus entendimentos pela opinião pública constitui-se como agente catalisador de desestabilização institucional que, em função da envergadura das questões postas sob sua análise, tornam caudalosas as águas em que navegam os poderes da república. Em proveito da metáfora utilizada, as águas da navegação institucional que almeja a Carta Política de 88, mais se parecem com remansosa baía que segue um fluxo comum: o do progresso da pátria em respeito à ordem jurídica e à dignidade humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURG, D. A. Opinião: Relativizar o trânsito em julgado afeta todo o Direito. Consultor Jurídico, 2016. Disponivel em: <http://www.conjur.com.br/2016-mar-12/daniel-burg-relativizar-transito-julgado-afeta-todo-direito>. Acesso em: 10 Março 2016.

BURG, D. A. Opinião: Supremo vai na contramão dos direitos e garantias fundamentais. Consultor Jurídico, 2016. Disponivel em: <• http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/daniel-burg-supremo-contramao-garantias-fundamentais>. Acesso em: 10 Março 2016.

CAMPOS, Carlos Alexandre De Azevedo. Dimensões do Ativismo Judicial do STF. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

JÚNIOR, L. A. M. ATIVISMO JUDICIAL E OMISSÃO LEGISLATIVA. 1ª. ed. São Paulo: Publique-se, 2015.

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Sobre o autor
Marcel Reis Monroe

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Dedica-se aos temas primordiais do Direito Constitucional, Processual Civil, Financeiro e Tributário.

Informações sobre o texto

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