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Direito à nomeação dos aprovados em concursos públicos

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2. NOMEAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO

2.1. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O controle de mérito consiste no “[...] exame dos critérios de oportunidade e conveniência estabelecidos pelo administrador nos atos discricionários [...]” (SILVA, 2014, p. 330).

Nos atos vinculados, aqueles em que “[...] a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma [...]” (DI PIETRO, 2014, p. 221), só cabe o controle de legalidade, pois o agir da Administração possui todos seus elementos e aspectos determinados em lei.

Por sua vez, nos atos discricionários, que consistem nas hipóteses em que

[...] o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito (DI PIETRO, 2014, p. 221).

Ou seja, “alguns elementos são tratados por inteiro em lei, enquanto a apreciação de outros o legislador deixou à alçada do administrador, de acordo com seus próprios critérios de oportunidade e conveniência” (SILVA, 2014, p. 331), portanto, é possível perceber a possibilidade de “exame tanto de legalidade quanto ao mérito, este a subordinação dos critérios de oportunidade e conveniência ao interesse mor da coletividade” (SILVA, 2014, p. 331). Entretanto, sempre deve-se ter em mente o princípio da legalidade na administração pública, segundo o qual o Estado somente pode agir conforme o que está prescrito em lei, fato contrário ao que ocorre com os particulares, que estão vedados de agir conforme o que nela consta.

O controle de mérito, por conseguinte, existe somente na área dos atos discricionários, e consiste numa análise permanente que é realizada pela administração, a fim de verificar se a decisão se encontra a par do interesse público (SILVA, 2014), que é dinâmico, mutável, sendo assim, o que hoje entende-se como coadunado ao interesse público, pode, em razão de novas circunstâncias, tornar-se não mais adequado (SILVA, 2014).

O exame de legalidade pode ser realizado pela própria administração, tendo esta o dever de zelar pela legalidade de seus próprios atos, e pelo Poder Judiciário, entretanto, o controle do mérito pode somente ser exercido pela Administração, e restringido a esta (SILVA, 2014), e caso o faça, resultando em violação dos termos do artigo 2o da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, artigo este que consagra a separação dos Poderes. Tal afirmação é recebida pela jurisprudência na seguinte forma: “[...] Não pode o Poder Judiciário interferir, exceto quando o ato discricionário, desvirtuado, mostre-se eivado de abusividade e ilegalidade [...]” (BRASIL, TJDF, 2011).

Quando visto diante de um ato discricionário, o Poder Judiciário somente deve analisar se houve, por parte da Administração, a observância da escolha dentro do espaço que lhe foi conferido pela lei, também existindo a possibilidade de apontar quaisquer irregularidades que possam existir com relação aos elementos forma, competência e finalidade. Desta forma, não há invasão do Judiciário na escolha feita pela Administração, dentre as opções reservadas por lei, para a edição do ato (MORAES, 2002).

Com relação aos Concursos Públicos, firma-se que “[...] a Administração goza de discricionariedade para escolher o momento mais oportuno e conveniente para a nomeação dos candidatos aprovados, desde que o faça dentro do prazo de validade do certame” (BRASIL, TJMG, 2009).

Desta feita, percebe-se que o entendimento atual é de que o ato da Administração de nomeação do aprovado em concurso público, durante o prazo de validade do concurso, consiste em ato discricionário, ou seja, pode ser realizado conforme a sua oportunidade e conveniência, tornando-se vinculado apenas após o vencimento do certame.

2.2. DESENVOLVIMENTO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Partindo-se do entendimento inicial da jurisprudência brasileira da década de 1960 de que a aprovação em concurso público, dentro do número de vagas, titularizava mera expectativa de direito, é possível observar notável evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que transmuta este entendimento, deferindo ao candidato legítimo direito subjetivo à nomeação.

Tanto assim, que a Constituição Federal de 1988, prevê em seu artigo 37, incisos II e III, a obrigatoriedade de aprovação em concurso público e o prazo de validade deste, temas já tratados acima, e, em seu inciso IV, a prioridade de nomeação daqueles aprovados em concursos anteriores, da seguinte forma:

IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira; (BRASIL, 1988).

Assim, quando a administração realiza concurso público para o provimento de cargos, cabe ao ente que proferiu o edital estabelecer o prazo de validade e realizar as nomeações seguindo rigorosamente a ordem de classificação. Entretanto, nada é disposto na Constituição Federal sobre o prazo para a nomeação dos aprovados, enquanto válido o certame.

O entendimento pacífico de meados da década de 1960, foi o de que a aprovação em concurso público, mesmo que com número definido de vagas constantes no instrumento editalício, somente gerava mera expectativa de direito, conforme a seguinte jurisprudência:

ESGOTADO O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO, O CANDIDATO APROVADO NÃO PODE RECLAMAR A NOMEAÇÃO. A ADMINISTRAÇÃO PODE PREENCHER AS VAGAS RESTANTES MEDIANTE NOVO CONCURSO. 1. A Simples existência de vagas, que alcançariam a colocação do recorrente, não basta para lhe justificar a pretensão, porque essas vagas não foram preenchidas em detrimento do recorrente. [...] (BRASIL, TJSP, 1964).

Somente ocorria incidência do direito nos casos em que existia a nomeação de candidatos sem o estrito seguimento da ordem de classificação, momento em que o candidato passaria a possuir direito subjetivo, pois outro candidato foi preterido em seu lugar.

Este entendimento é sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, na seguinte forma: “Súmula n° 15: dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Por meio desta surge o direito àquele que “[...] apesar de ter obtido uma classificação melhor, foi preterido por um outro indivíduo no instante de se proceder à investidura no cargo ou emprego público” (SILVA, 2014, p. 139).

Nas últimas duas décadas, entretanto, começaram a surgir, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, alguns julgados que passaram a reconhecer os candidatos aprovados como titulares de direito subjetivo à nomeação, pela sua classificação dentro do número de vagas previstas em edital (ALEXANDRINO; PAULO, 2015). Mudanças estas que foram motivadas pelo reconhecimento da vincularidade do edital proferido pela administração, e que ao estipular um determinado número de vagas, encontra-se obrigado o preenchimento destas, de modo que seja sanada a necessidade antes vista pela administração, que motivou o proferimento do edital do certame, combinada com o interesse do candidato aprovado em sua nomeação, desde que ainda válido o certame.

Tais decisões normalmente traziam casos em que eram presentes peculiaridades, frequentemente traduzidas como alguma conduta inadequada realizada pela administração, muitas destas na deliberada tentativa de frustrar os candidatos aprovados (ALEXANDRINO; PAULO, 2015).

Tendo em vista as peculiaridades de tais acórdãos, não se podia afirmar com segurança uma consolidação de virada jurisprudencial, situação que perdurou até 10 de agosto de 2011, com a sedimentação da questão por meio da seguinte jurisprudência:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO ENTRE AS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO. 1. A aprovação do candidato no limite do número de vagas definido no Edital do concurso gera em seu favor o direito subjetivo à nomeação para o cargo. 2. As disposições contidas no Edital vinculam as atividades da Administração, que está obrigada a prover os cargos com os candidatos aprovados no limite das vagas previstas. A discricionariedade na nomeação de candidatos só incide em relação aos classificados nas vagas remanescentes.

3. Não é lícito à Administração, no prazo de validade do concurso público, simplesmente omitir-se na prática dos atos de nomeação dos aprovados no limite das vagas ofertadas, em respeito aos investimentos realizados pelos concursantes, em termos financeiros, de tempo e emocionais, vem com às suas legítimas expectativas quanto à assunção do cargo público. 4. Precedentes desta Corte Superior: RMS 15.034/RS e RMS 10.817/MG. 5. Recurso Ordinário provido (BRASIL, STJ, 2011).

Assim, pode-se perceber que quando a Administração fixa em edital um certo número de vagas, surge a obrigação de seu preenchimento, consecutivamente à nomeação dos candidatos aprovados, obedecendo-se estritamente à lista de classificação, até o preenchimento de todas as vagas previstas, sendo ainda passível de controle judicial nos casos de não cumprimento.

Entretanto, o provimento não deve, necessariamente, ser imediato, nem de uma só vez. “O momento da nomeação é discrição administrativa que por isso mesmo pode fazê-la até a data final de validade do concurso. Neste interregno, não tem o candidato aprovado qualquer direito de ser nomeado” (BARROS, 2007, p. 64).

As nomeações podem ser realizadas de forma fracionada, dentro do prazo de validade do certame, conforme, discricionariamente, o administrador entender necessário e conveniente, sendo somente certa a necessidade de nomeação até o fim do prazo de validade do concurso, este podendo ser prorrogado uma vez por igual período (ALEXANDRINO; PAULO, 2015).

Ademais, segundo o julgado acima citado,

Não obstante, quando se diz que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, uma vez já preenchidas as condições acima delineadas, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público. Pressupõe-se com isso que, ao tempo da publicação do edital, a Administração Pública conhece suficientemente a realidade fática e jurídica que lhe permite oferecer publicamente as vagas para preenchimento via concurso. b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital. Situações corriqueiras ou mudanças normais das circunstâncias sociais, econômicas e políticas não podem servir de justificativa para que a Administração Pública descumpra o dever de nomeação dos aprovados no concurso público conforme as regras do edital. c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital. Crises econômicas de grandes proporções, guerras, fenômenos naturais que causem calamidade pública ou comoção interna podem justificar a atuação excepcional por parte da Administração Pública. d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária. Isso quer dizer que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para a (sic) lidar com a situação excepcional e imprevisível. Em outros termos, pode-se dizer que essa medida deve ser sempre a ultima ratio da Administração Pública (BRASIL, STJ, 2011, grifo nosso).

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Ou seja, o direito à nomeação do candidato é subjetivo, porém existem situações, aqui chamadas de “situações excepcionalíssimas”, causadas por circunstâncias supervenientes à publicação do edital, em que é aceitável o não provimento dos cargos aos aprovados, desde que de forma minuciosamente justificada pela administração, decisão esta que estará sujeita à controle judicial.

Posteriormente ao reconhecimento do direito dos aprovados dentro do número de vagas, o Supremo Tribunal Federal estendeu o reconhecimento do direito aos candidatos classificados além do número de vagas previstas no instrumento editalício, mas que em razão da desistência dos candidatos classificados dentro do número de vagas, passam a ser colocados como dentro do número de vagas, conforme o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. RAZÕES DO AGRAVO REGIMENTAL DISSOCIADAS DO QUE DELIBERADO NA DECISÃO MONOCRÁTICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO STF. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. FISIOTERAPEUTA. CLASSIFICAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. I – Deficiente a fundamentação do agravo regimental cujas razões estão dissociadas do que decidido na decisão monocrática. Incide, na hipótese, a Súmula 284 desta Corte. II – O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 598.099/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, firmou jurisprudência no sentido do direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital de concurso público. Tal direito também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior. III – Agravo Regimental improvido. (BRASIL, STJ, 2013).

Assim, é vista a necessidade de tal mudança de entendimento para o direito subjetivo em certas situações, tendo em vista os argumentos postos pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, no seguinte acórdão:

[...] II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. (BRASIL, STF, 2011, grifos do autor).

Ou seja, as regras postas em edital, assim como o preenchimento das vagas ofertadas, devem ser estritamente respeitadas pela administração, pelo dever de boa-fé e pela proteção à confiança. Não deve o Estado ser leviano com esta questão (BRASIL, STF, 2009, p. 1119-1141), sendo visível a necessidade de conceder-se segurança jurídica aos aprovados, este um dos princípios do Estado de Direito. Ao publicar o edital, a administração gera expectativas quanto ao seu comportamento, que deverá ser pautado pelas regras do edital, e todos aqueles que se inscrevem no concurso, depositam a confiança no Estado, devendo este atuar de forma respeitável perante os seus tutelados, sempre pautado pela moral e pela boa-fé.

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Sobre o autor
Eduardo José Ramalho Stroparo

Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade Guarapuava, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, Pós-graduando em Licitações e Contratos Administrativos na PUC/PR. Servidor da Defensoria Pública do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STROPARO, Eduardo José Ramalho. Direito à nomeação dos aprovados em concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5147, 4 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59145. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito pela Faculdade Guarapuava, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Ms. Daniel Tille Gaertner, Prof. Ms. Manoel Carlos Ferreira da Silva, Prof. Ms. Rodrigo Borges de Lis, em 07 de julho de 2016.

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