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Os princípios constitucionais do Direito do Trabalho e os direitos trabalhistas constitucionais:

uma breve reflexão crítica

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09/11/2004 às 00:00
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I.Introdução

Iniciamos o presente trabalho afirmando que o Direito é constituído de princípios e normas jurídicas. Tal constatação, aparentemente óbvia, é, no dia-a-dia profissional dos operadores do Direito, muitas vezes desconsiderada.

De fato, na esteira do magistério do emérito jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, os princípios jurídicos do Direito do trabalho é um tema pouco estudado, apesar de que o Direito do Trabalho, como os demais ramos do Direito, não pode prescindir dos princípios jurídicos que os informam e delimitam, quer no plano axiológico stricto sensu, quer a nível da operacionalização dos próprios institutos jurídicos integrante desta disciplina jurídica.

Destarte, julgo que é sumamente importante para o Direito do Trabalho, enquanto disciplina jurídica eminentemente vinculada a um fenômeno sócio-econômico de grande importância nas sociedades modernas - a relação de trabalho -, conhecer de maneira sistemática e racional os princípios jurídicos que o delimitam, a começar pelos princípios jurídicos constitucionais, bem como uma análise das garantias e dos direitos constitucionais trabalhistas.

O império do Positivismo Jurídico ao longo de boa parte dos séculos XIX e XX da Era Cristã fez com que a análise dos princípios jurídicos - aí incluindo os princípios constitucionais - fosse relegada a um segundo plano. Somente com a gradual extirpação da "camisa-de-força" do Positivismo Jurídico do mundo do Direito, ocorrida após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), é que o estudo dos princípios jurídicos adquiriram uma nova importância e amplitude.

De um ponto de vista geral, uma investigação cuidadosa acerca do Direito Constitucional Trabalhista é imprescindível se quisermos compreender as categorias analíticas dogmáticas do Direito do Trabalho no seu espectro mais amplo, bem como estabelecer, de maneira consistente, os próprios fundamentos jurídicos e meta-jurídicos desta disciplina jurídica. Assim procedendo, acabaremos por alçar o Direito do Trabalho a um patamar axiológico mais elevado, bem como a um nível científico mais apurado.

Na verdade, uma melhor compreensão dos princípios constitucionais trabalhistas certamente contribui para um maior discernimento acerca das estruturas jurídico-teleológica e jurídico-formal do Direito do Trabalho.


II.Delimitação do Assunto e Hipótese de Trabalho

II.1-Delimitação do Assunto

II.1.1-Considerações prévias gerais

É nossa intenção procurar discutir os princípios constitucionais vigentes que regem o Direito do Trabalho a partir de uma análise abrangente dos dispositivos da Constituição da República de 1988 que informam e conformam os princípios jurídicos objeto deste trabalho.

Neste diapasão, pretendemos focalizar nossa atenção, na medida do possível, nos dispositivos constitucionais pertinentes ao Direito do Trabalho, em especial os artigos 5º. e 7º. da atual Carta Política.

Por outro lado, se faz necessário ao bom andamento do presente trabalho a fixação, desde já, de determinados conceitos e a delimitação de algumas categorias analíticas. É o que passaremos a fazer neste item e no item III infra.

O Direito é uma Ciência Social de cunho normativo cujas regras de conduta são coercitivamente impostas à coletividade social com vistas a estabilidade política e a segurança social da Sociedade. Tal fato não implica, em termos históricos e sociológicos, na identificação mecânica do Direito com o monopólio estatal da solução jurídica dos litígios havidos no seio da Sociedade.

Sem embargo, a História do Direito e a Sociologia Jurídica demonstram a exaustão que a equação Direito = Estado, nem sempre foi, no passado, ou ainda é, nos dias de hoje, acurada em termos históricos e sócio-culturais.

Os dados históricos disponíveis apontam que em inúmeras sociedades tradicionais não-estatais, passadas e presentes, a Coletividade Social não esperou o desenvolvimento do Estado para regulamentar os conflitos existentes no seu seio. Mesmo no âmbito das Civilizações que desenvolveram o Estado ao longo de séculos, as análises sociológica e histórica apontam claramente que o Direito oriundo do Estado foi um fenômeno relativamente tardio, e que, em determinadas condições, o tecido social sofreu menos com a sua quase ausência do que com a sua presença e atuação explícita.

Em suma, se no Ocidente a Sociedade, mediante uma evolução multissecular, acabou por constituir um sistema legal coercitivo-sancionador embasado no poder do Estado, em outras Culturas, em especial aquelas existentes no Extremo Oriente, a jurisdição legal estatal coexiste com outras modalidades de composição dos litígios sociais, modalidades essas que, via de regra, são de caráter arbitral e não-coercitivo. Por via de conseqüência, nas sociedades não-ocidentais os princípios que delimitam a composição dos litígios sociais não são, via de regra, de origem estatal.

II.1.2-Conceitos iniciais

É imprescindível elaborarmos uma distinção nítida entre o que seja norma legal e o que seja princípio jurídico.

O perclaro jurista Celso Ribeiro Bastos, com a sua habitual sapiência, aponta que tal distinção não é tarefa fácil de ser levada a cabo e relaciona os três principais critérios utilizados pela Doutrina e pela Jurisprudência a fim de estabelecer as diferenças entre ambos, quais sejam:

1º.)o critério do grau de abstração, que vem a ser o critério mais utilizado no âmbito doutrinário;

2º.)o critério de aplicabilidade;

3º.)o critério da separação radical.

Ainda conforme o emérito tratadista supramencionado, os princípios jurídicos, "... juntamente com as normas, fazem parte do ordenamento jurídico. Não se contrapõem às normas, mas tão-somente aos preceitos." (1)

No Dicionário Houssais da Língua Portuguesa, o vocábulo princípio tem como acepções básicas, verbis: "1.o primeiro momento de existência (de algo) ou de uma ação ou processo; começo; início (...); 2.o que serve da base para alguma coisa; causa primeira, raiz, razão." (2)

Com fulcro na definição gramatical supracitada é cediço, no âmbito da Ciência do Direito e das diversas disciplinas que o integram, que os princípios jurídicos exercem uma dupla função distintas e autônomas, mas conexas, a saber:

1º.)a de servir como preceitos elementares que norteiam, enquanto pressupostos axiológicos fundamentais, todo ato jurídico substantivo ou adjetivo;

2º)traçar os limites jurídicos, e sobretudo os limites meta-jurídicos, de uma dada conduta legal prevista numa norma positivada.

No tocante a primeira função, os princípios jurídicos derivam diretamente dos padrões ou valores sociais, culturais, econômicos, políticos e éticos da Sociedade em um dado período de tempo.

O professor José J. Bezerra Diniz preleciona que os princípios jurídicos atuam como guias ou balizas valorativas em função dos padrões ou valores em questão, principalmente durante a fase de elaboração das normas legais pelo legislador.

Pessoalmente, entendo que, quanto maior for a identificação existente entre os princípios jurídicos e os supracitados valores da Sociedade, maior será a eficácia jurídica dos princípios jurídicos, quer sejam princípios constitucionais, quer sejam aqueles princípios próprios de uma determinada disciplina jurídica.

Nestes termos, a imperatividade dos princípios jurídicos sobre as demais normas legais vigentes em um determinado sistema jurídico se subsume aos valores sociais, políticos e culturais vigentes em determinada época se manifestando conforme o grau de observância dos valores em tela.

Tal identificação não é, e nem deve ser, determinista e finalística, mas tão-somente condicional. Quero dizer com isto que o nexo de causalidade entre os princípios jurídicos e as demais normas legais de um ordenamento jurídico opera-se de forma contingente, isto é, tal nexo se fundamento na existência de um conjunto de acontecimentos de ocorrência possível, mas não necessariamente certos, em função direta das alterações havidas nos padrões sócio-axiológicos vigentes na Sociedade.

Quanto a segunda função, os princípios jurídicos atuam como elementos de integração das lacunas existentes nos diversos subsistemas normativos legais de um dado ordenamento jurídico no sentido de servirem como guias normativos postos à disposição dos aplicadores do Direito a fim de suprir as eventuais omissões legais frente ao caso concreto. (3)

Com base no que foi discorrido até agora, e em síntese, podemos conceituar princípio jurídico como toda regra jurídica de aplicação geral dotada de elementos de cunho ético-normativo que servem de fundamento axiológico para as demais normas legais (quer sejam normas de eficácia imediata, quer sejam normas de eficácia contida), sejam elas normas positivadas ou não-positivadas, e que tiram dos princípios jurídicos as suas validade e eficácia jurídicas.

Em outras palavras, os princípios jurídicos são proposições abstratas meta-jurídicas estruturadas racionalmente, proposições essas que servem não só de fundamentos axiológicos das normas legais stricto sensu, sejam elas regras legais positivadas ou não-positivadas em códigos ou em legislação esparsa, como também atuam enquanto elementos de integração do próprio ordenamento jurídico mediante a harmonização dos vários institutos jurídicos que compõem o ordenamento jurídico em tela, evitando, tanto quanto possível, o surgimento, de lacunas ou contradições intrínsecas. Nesta acepção, aos princípios jurídicos constitucionais se incorporam determinados valores extra-jurídicos que o legislador constitucional opta agregar à norma positivada constitucional com o escopo de servir como parâmetro fundante de interpretação da norma legal positivada. Evidentemente que tais valores extra-jurídicos trazem em si uma inegável carga ideológica subjetiva que se encontra subjacente, via de regra, não somente às funções institucionais stricto sensu do Estado previstas no próprio ordenamento jurídico, como também está vinculada ao próprio ethos político da Sociedade Civil.

Em suma, os princípios jurídicos estão aquém e além da lei enquanto norma positivada ou consuetudinária, eis que se reportam diretamente à realidade social. Neste sentido, são preceitos axiológicos que promanam da Sociedade e, enquanto tal, desempenham a função de conformar a ordem jurídica como um todo, seja como um elemento integrador do Direito na hipótese de omissão de norma legal específica, seja como fonte formal do Direito no caso de ausência de normas legais aptas a incidir sobre o fato concreto.

Na esteira do magistério do professor Marcello Ciotola, não existem diferenças ontológicas substanciais entre os princípios constitucionais e os princípios gerais de direito. A razão principal para tal é que os princípios constitucionais, tal como os princípios gerais de direito, exprimem um conjunto axiológico de preferências comportamentais da coletividade, conjunto axiológico esse de caráter obrigatório e detentor de uma identidade social e cultural específica.

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Os princípios jurídicos não podem ser confundidos com os costumes, na medida em que a validade e eficácia legal formal dos princípios jurídicos se submete à axiologia jurídica stricto sensu, apesar de eventualmente os mesmos se vincularem às práticas sociais existentes, enquanto a normatividade dos costumes prescinde de tal submissão à axiologia jurídica para ter validade e eficácia.

Isto posto, podemos conceituar os princípios jurídicos constitucionais como "... ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são ... ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais." (4)

No que tange à natureza jurídica dos princípios jurídicos constitucionais, é importante lembrar que, quando se indaga acerca da natureza jurídica de um instituto jurídico, de uma determinada norma legal ou mesmo acerca de princípios jurídicos que norteiam as normas infraconstitucionais, se está perquirindo, na verdade, sobre a essência daquilo que se está analisando, tanto à nível técnico-jurídico stricto sensu, quanto à nível meta-jurídico. Com efeito, não basta obtermos a verdadeira definição de algo para sabermos aquilo que efetivamente é acerca do nosso objeto de estudo, posto que devemos ir muito além das meras definições formais caso tenhamos a intenção de alcançar o real significado do objeto de estudo em foco.

À guisa de conclusão deste tópico, e em função de tudo o que foi discutido até aqui, importa destacar que os princípios jurídicos constitucionais não podem ir de encontro à realidade social; ao contrário, devem estar sempre em perfeita sintonia com ela, sob pena de se tornarem, necessariamente, letra morta. Caso os princípios jurídicos venham a se opor à realidade social que os delimita e informa, eles - princípios jurídicos - tendem a se tornar meras proposições jurídicas carentes de legitimidade e eficácia social.

II.2-Hipótese de Trabalho

A hipótese de trabalho que norteia este trabalho é que a atual Lex Fundamentalis, a par de ampliar as garantias e os direitos trabalhistas stricto sensu (quer individuais, quer coletivos), redesenhou os princípios jurídicos fundantes do Direito do Trabalho, na medida em que lhes deu uma nova roupagem teleológica, a saber: além de conferir proteção ao hipossuficiente no tocante a um quantum mínimo de direitos e garantias legais, a atual Constituição da República procurou redefinir a própria natureza e finalidade do trabalho humano e da relação de emprego a fim de compatibilizar a ordem social com os legítimos anseios e direitos da Sociedade, direitos e anseios esses dirigidos no sentido da realização individual e da criação de uma Sociedade mais justa em termos econômicos, sociais e políticos.

Tal reengenharia jurídica encontra-se expressa no art. 1º., inciso IV, c/c o caput do artigo 170, ambos da atual Carta Política.

Neste sentido, me parece claro que o legislador constituinte de 1988 procurou conferir aos princípios constitucionais trabalhistas um status maior que aquele existente nas nossas Constituições da República anteriores. Na verdade, entendo que os princípios constitucionais trabalhistas vigentes são verdadeiras cláusulas pétreas que não podem ser modificados ou extintos sob nenhum pretexto, sob pena de violar os fundamentos do Estado Democrático de Direito.


III.Considerações Históricas

Iniciamos o presente tópico lembrando que os princípios jurídicos que nortearam e ainda guiam o Direito do Trabalho nos dia atuais, como qualquer outro ramo da Ciência do Direito, encontram-se expressos em alguns brocardos jurídicos, v.g., in dubio pro misero. Tais brocardos expressam a natureza nitidamente protecionista desta disciplina jurídica.

Tendo em vista a sua natureza protecionista, já destacada acima, não é de se surpreender que, historicamente, o Direito Laboral seja classificado como um subsistema jurídico - isto é, um dos ramos da Ciência do Direito - que enfatize a ordem negocial sobre a ordem imposta e a informalidade processual sobre a formalidade processual. Justamente em decorrência disto, os princípios jurídicos constitucionais do Direito do Trabalho são preceitos jurídicos que, apesar de serem os fundamentos das regras legais que regulam as relações jurídicas eminentemente privadas, contém uma carga volitiva sócio-política de cunho impositivo que se impõe ao próprio Estado.

Por outro lado, nunca se deve esquecer que, em termos históricos, o Direito do Trabalho é uma das disciplinas jurídicas mais dinâmica, na medida em que se encontra sob a constante influência das transformações havidas no campo social, político, cultural e econômico.

Nascido tendo como referencial básico o emprego típico (alicerçado no trabalho subordinado, oneroso, contrato de trabalho por tempo indeterminado, etc.), o Direito do Trabalho evoluiu mediante a criação e incorporação de novas e diversas garantias e direitos individuais, ao ponto de transmudar-se, nos dias de hoje, para uma disciplina jurídica que concede um lugar de destaque à tutela das garantias e dos direitos difusos e trans-individuais laborais.

Tal fenômeno deriva, em parte ao menos, do progressivo aumento da complexidade da tecitura social moderna mediante o desenvolvimento de uma profusão de grupos e subgrupos sociais resultou num acréscimo proporcional nas relações econômicas e sociais intergrupais e, por via de conseqüência, na alteração do formato ou do desenho dos padrões de vínculo entre os indivíduos e entre estes e a Sociedade e/ou o próprio Estado.

Um exame histórico, ainda que rápido, conduz a constatação de que os ordenamentos constitucionais contemporâneos tem uma origem recente, não mais de dois séculos e meio. Em especial, as constituições escritas dos estados europeus e americanos - rígidas e/ou semi-rígidas -, tem origem remota nos acontecimentos desenrolados durante as Revolução Americana e Francesa, ambas ocorridas no último quartel do século XVIII d. C. (5)

A partir de meados do século XIX d. C. as constituições escritas da maioria dos países enveredaram por direções distintas e contrastantes. Neste diapasão, o século XX d. C. presenciou a gênese e evolução de um amplo movimento que englobou vários países no tocante a disciplinar diversos direitos sociais fundamentais no texto das suas respectivas constituições. Dentre os direitos sociais se elencaram muitos direitos e garantias laborais (tanto individuais, quanto coletivos), vários dos quais já estavam incorporados à legislação infraconstitucional ou amplamente reconhecidos pela jurisprudência de cada ordenamento jurídico nacional e pelos costumes.

Tal movimento, sob o impacto direto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Bolchevique de 1917 na Rússia que levou os comunistas ao poder na Rússia, se alicerçou em dois acontecimentos distintos e autônomos, ainda que conexos:

1º.)as reivindicações sociais, políticas e econômicas das classes trabalhadoras ocorridas desde o século XIX d. C.;

2º.)a expectativa das elites dirigentes de que a regulamentação de um núcleo mínimo de direitos e garantias evitaria, ou ao menos reduzira, os perigos de um conflito social de proporções inimagináveis.

Numa perspectiva histórica mais ampla, podemos deduzir que o movimento em tela decorreu da falência política e sócio-econômica do Estado Liberal Clássico que subsistiu até meados da década de 20 e início da década de 30 do século XX d. C.

O Estado Liberal Clássico absenteísta, totalmente alheio aos anseios e necessidades das camadas mais pobres da Sociedade, acabou cedendo lugar ao Estado Intervencionista e este, por sua vez, foi substituído pelo Estado Democrático de Direito, onde os direitos sociais individuais ou coletivos de cunho difuso se constituem numa evolução dos direitos individuais tão duramente conquistados ao longo dos séculos XVIII d. C. e XIX d. C. com a derrocada do Estado Absolutista e o surgimento daqueles alicerçados na Democracia Liberal Clássica. (6)

Sem embargo, o atual Estado Democrático de Direito reconhece que a extrema complexidade das estruturas inerentes do próprio Estado Moderno requerem que, além da atuação dos órgãos funcionais clássicos do Estado previsto desde as primeiras constituições, sejam criados novos paradigmas normativos de abrangência política, social e jurídica mais amplos a fim de extinguir ou minorar as desigualdades sociais e econômicas porventura existentes no seio da Sociedade. Tal exigência corresponde ao reconhecimento ou, como querem alguns doutos, a superação do conceito de que o Estado é o único ente produtor da Lei.

O Brasil não ficou indiferente à esse movimento de constitucionalização dos direitos sociais, e mais especificamente das várias garantias e direitos trabalhistas arduamente conquistadas ao longo dos séculos XIX d. C. e XX d. C.

A partir da Constituição de 1934, (que, diga-se de passagem, rompeu com os fundamentos da tradição liberal da Constituição da República de 1891 quanto aos direitos e garantias sociais), todas as nossas Cartas Magnas trouxeram princípios jurídicos e normas legais pertinentes ao Direito do Trabalho. In casu, os princípios e normas em tela passaram a ser enunciados em um capítulo especial acerca da matéria, com um título apropriado.

A nossa atual Lex Fundamentalis, de inegável cunho socializante à época da sua Promulgação - 05.10.1988 -, ampliou sensivelmente o campo normativo e principiológico no que tange às garantias e direitos fundamentais dos trabalhadores brasileiros, tendo como meta criar uma ordem social com base no primado do trabalho e como escopo o bem-estar e a justiça sociais (Constituição Federal de 1988, artigo 193, caput).

As principais garantias e direitos fundamentais trabalhistas encontram-se elencados em sua maioria no artigo 7º. da Constituição Federal vigente. (7)

Entendo que os direitos ali relacionados não podem ser alterados ou extintos por mero capricho das partes envolvidas na relação laboral mediante simples conveniência ou oportunidade conjuntural, eis que se constituem em cláusula pétrea.

Impõe-se, por outro lado, reconhecer que "o problema constitucional do Brasil ... passa por uma enorme contradição entre a constitucionalidade formal e a constitucionalidade material." (8)

As sábias palavras supra, proferidas pelos ilustres professores e juristas Paulo Bonavides e Paes de Andrade, sintetizam muito bem o dilema histórico dos princípios jurídicos do Direito do Trabalho e dos direitos laborais do povo brasileiro insertos nas nossas Cartas Magnas que eventualmente contiveram em seu corpus normativo tal espécie de princípios e direitos.

De fato, salta aos olhos do operador do Direito e do estudioso da História do Trabalho no Brasil a disparidade entre o que está contido na nossa atual Lex Fundamentalis no tocante aos princípios jurídicos que regem o Direito do Trabalho e a sua efetiva aplicação (ou ausência de aplicação, o que é mais usual) no dia-a-dia das relações laborais.

A incorporação de vários direitos sociais na Carta Política em vigor, com a nobre finalidade de conferir dignidade constitucional às diversas conquistas do movimento obreiro nacional, não representou, na prática, a elevação da tutela jurídica dos direitos em tela a um patamar de eficácia plena, quer no âmbito jurisdicional stricto sensu, quer à nível dos órgãos estatais administrativos incumbidos de zelar pela correta aplicação da legislação laboral vigente.

Por oportuno, ressalte-se que a institucionalização do Direito do Trabalho em nosso país - institucionalização essa cristalizada na criação da Justiça do Trabalho em meados da década de 30 e a outorga da vestuta CLT por Getúlio Dorneles Vargas no início da década de 40 do século XX d. C. - , se inseriu num momento de transição sócio-econômico importante na História brasileira, eis que o Brasil estava deixando de ser um país eminentemente rural e alicerçado numa economia agrícola-extrativista de caráter exportadora para se tornar uma nações urbana alicerçada nos setores econômicos secundário e terciário (indústria e serviços, respectivamente).

Diga-se de passagem que tanto a Justiça Laboral, quanto o Diploma Consolidado, tiveram uma gênese claramente autoritária, eis que impostas à Sociedade Brasileira sem qualquer consideração com as necessidades e interesses reais da classe obreira nacional, e muito menos com a realidade conjuntural, tanto do ordenamento jurídico quanto da estrutura do aparelho judicial da época da outorga da vestuta Consolidação das Leis Trabalhistas por Getúlio D. Vargas.

Dentro deste contexto histórico concluímos este tópico afirmando que uma parcela significativa dos princípios jurídicos que regem o Direito do Trabalho nacional ainda são preceitos normativos gerais voltados à tutela dos direitos e das garantias individuais dos trabalhadores em detrimento ao estímulo ou apoio à negociação coletiva, eis que não fazia parte, como ainda não faz parte nos dias atuais, da nossa cultura empresarial e jurídica o estímulo ou apoio à tal espécie de negociação entre patrões e empregados.

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Sobre o autor
Ricardo Luiz Alves

licenciado em História pela PUC/RJ, bacharel em Direito pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), servidor da Justiça do Trabalho em Manaus (AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ricardo Luiz. Os princípios constitucionais do Direito do Trabalho e os direitos trabalhistas constitucionais:: uma breve reflexão crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 490, 9 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5915. Acesso em: 28 mar. 2024.

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