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Direito punitivo estatal: as sanções aplicáveis pela administração pública no âmbito dos contratos administrativos

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16/12/2017 às 21:25
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3.DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS NA LEI N° 8.666/93 E A DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES.

Críticas são lançadas, não sem razão, à Lei n° 8.666/93 em virtude da falta de tipificação das infrações administrativas. Em verdade, a questão se coloca especificamente no caso do art. 87 da Lei quando estabelece que “a inexecução total ou parcial do contrato” poderá ensejar a aplicação de uma das sanções elencadas no referido dispositivo.

É inegável que aqueles que firmam contratos com a Administração Pública têm direito de saber quais as específicas consequências dos seus atos. Obviamente que a falta de previsão legal quanto à tipicidade de infrações e a correspondente sanção acaba por possibilitar decisões diferenciadas em situações similares.

A lei poderia ter sido mais minudente, definindo o que efetivamente constitui “inexecução total ou parcial do contrato” no mencionado art. 87. Deveria ter indicado a sanção cabível a cada infração determinada, embora isso não inviabilize a aplicação de sanções no âmbito dos contratos administrativos.

O alcance dos conceitos de inexecução total ou parcial percebe-se através da interpretação sistemática da lei, sendo que os incisos I a VIII, do art. 78 abordam os casos de rescisão unilateral do contrato por falta contratual cometida pelo contratado. Ora, ocorrendo uma das situações previstas em tais dispositivos, estar-se-á diante da hipótese de inexecução do contrato, podendo levar a aplicação de uma das sanções previstas no art. 87, da Lei de Licitações.

O saudoso Oswaldo Aranha Bandeira de Mello bem compartilha desse entendimento, obtemperando que “o direito disciplinar não exige a definição específica, taxativa, da falta administrativa, o enfoque da sua tipicidade: basta a previsão genérica”[13]. Nesta linha de entendimento também se manifesta Fábio Medina Osório, ao afirmar que o tipo sancionador deve possuir um grau mínimo de certeza e previsibilidade[14].

Para uma maior garantia do Princípio da Segurança Jurídica poderá a Administração Pública, através de ato regulamentar ou mesmo no edital de licitação, delimitar de forma mais precisa os pressupostos do sancionamento, evitando-se a prática de arbitrariedades, sendo certo que o administrador deve levar em consideração aquilo que melhor preserva o interesse público.

No que concerne à discricionariedade conferida à Administração Pública na escolha da sanção a ser imposta ao contratado inadimplente, importante, de plano, trazer à colação entendimento de notável jurista Eros Roberto Grau[15], segundo o qual não constitui um poder titulado pela Administração, mas sim um modo de atuar ao dar cumprimento ao dever-poder de gerir a res publica. Ela decorre da própria lei. Desta forma, não se pode confundir discricionariedade com arbitrariedade. Em verdade são conceitos antagônicos, sendo este último vedado ao administrador.

Ora, quando a Lei n° 8.666/93 transferiu à Administração Pública a possibilidade de escolher a sanção a ser aplicada no caso de inexecução total ou parcial do contrato, o fez na certeza de que a situação fática deveria ser considerada nessa escolha. Por outro lado, tal escolha deverá atender, além do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público, ao Princípio da Proporcionalidade.

De acordo com Juarez Freitas, o Princípio da Proporcionalidade significa “que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos” [16]. Sobre o tema, também leciona Marçal Justen Filho[17]:

(...) é pacífico que o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e reprobabilidade da infração. São inconstitucionais os preceitos normativos que imponham sanções excessivamente graves, tal como é dever do aplicador dimensionar a extensão e a intensidade da sanção aos pressupostos de antijuridicidade apurados. O tema traz a lume o princípio da proporcionalidade.

Desta forma, a sanção a ser aplicada, em virtude da falta contratual cometida pelo contratado não deverá ser a mais severa, caso a infração seja de menor gravidade, tampouco muito branda, caso a falta cometida traga graves consequências ao ente administrativo contratante. O Princípio da Proporcionalidade exige maior motivação racional nas decisões considerando a relação meio-fim. A análise da proporção entre meios e fins é, sem dúvida alguma, instrumento de realização das funções administrativas e da Justiça.

Aliás, a incidência do Princípio da Proporcionalidade no âmbito do processo administrativo federal foi objeto de explícita consagração por parte do art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei n.º 9.784/99, que exigiu “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

Ainda, não se pode olvidar, como asseverado anteriormente, que as sanções administrativas previstas na Lei n.º 8.666/93 somente podem ser aplicadas mediante instauração de procedimento administrativo autônomo, em que devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa. Assim sendo, é recomendável que o edital da licitação preveja e descreva as hipóteses de sancionamento em razão do inadimplemento contratual, colaborando com a lei na determinação dos pressupostos de aplicação das sanções. Mesmo que não o faça, porém, e se a conduta do licitante puder ser aplicada de acordo com a hipótese legal, este deverá ser punido. Por essa vereda, Jessé Torres Pereira Júnior, em trecho de seu livro:

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É da natureza das penalidades administrativas o abrandamento do rigor na tipificação da conduta que gera o juízo de reprovação. Assim ocorre nas sanções disciplinares e nas atinentes à inexecução dos contratos públicos. Não se encontrarão na Lei definições de tipos aos quais deva corresponder tal ou qual sanção. Abre-se para a Administração espaço discricionário para dosar a penalidade apropriada, desde que, em qualquer caso, se cumpra o devido processo legal, nele incluído o direito à defesa[18].

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já consignou a possibilidade de aplicação das sanções previstas em edital à licitante em mora, conforme se depreende do seguinte julgado:

Mandado de Segurança. Recurso. Edital de licitação. Proposta vencedora. Sanções aplicadas pela administração, em decorrência do descumprimento do contrato. Violação a direito liquido e certo indemonstrada. Descumpridas as normas do edital, a aplicação das penalidades previstas no próprio edital e na legislação pertinente, não fere direito, muito menos liquido e certo.

(Processo: RMS 4261 SP 1994/0009018-8. Relator(a): Ministro Hélio Mosimann. Julgamento: 09/08/1994. Segunda Turma. Publicação: DJ 29.08.1994 p. 22183.).

Portanto, não entende o STJ que haja violação ao princípio da legalidade quando a sanção é aplicada em conformidade ao que dispõem a lei e o ato convocatório. Isso impõe, por consequência, importância ao papel do edital e do contrato na definição dos pressupostos de aplicação das sanções.


4.PARÂMETROS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE MULTA.

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCE/SP, exercendo suas atribuições legais e regimentais e tendo como fundamento a regra do artigo 115 da Lei nº 8.666/93, especificamente com relação à aplicação de multa, considerando a faculdade de se expedir normas para a realização de seus procedimentos licitatórios; considerando que a Lei nº 8.666/93 ao se referir à multa o fez genericamente; e considerando a necessidade de se estabelecerem parâmetros para a aplicação da sanção decorrentes de procedimentos licitatórios, baixou a paradigmática Resolução 5/93 TC-A 6.529/026/93, que regulamentou a questão da multa sancionatória no âmbito daquela Corte de Contas, nos seguintes termos:

Artigo 1º – A aplicação de multa na infringência ao disposto nos artigos 81, 86 e 87 da Lei nº 8.666/93, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, obedecerá o disposto nesta Resolução.

Artigo 2º – A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela administração do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às seguintes penalidades:

I – multa de 30% (trinta por cento) sobre o valor da obrigação não cumprida; ou

II – pagamento correspondente à diferença de preço decorrente de nova licitação para o mesmo fim.

Artigo 3º – O atraso injustificado na execução do serviço, compra ou obra, sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º do artigo 86 da Lei nº 8.666/93, sujeitará o contratado à multa de mora, calculada por dia de atraso da obrigação não cumprida na seguinte proporção:

I – atraso de até 30 (trinta) dias, multa de 1% (um por cento) ao dia; e

II – atraso superior a 30 (trinta) dias, multa de 2% (dois por cento) ao dia.

Artigo 4º – Pela inexecução total ou parcial do serviço, compra ou obra, poderão ser aplicadas ao contratado as seguintes penalidades:

I – multa de 30% (trinta por cento) sobre o valor total ou parcial da obrigação não cumprida; ou

II – multa correspondente à diferença de preço decorrente de nova licitação para o mesmo fim.

Artigo 5º – O material não aceito deverá ser substituído dentro do prazo fixado pela administração do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que não excederá a 15 (quinze) dias, contados do recebimento da intimação.

Parágrafo único – A não ocorrência de substituição dentro do prazo estipulado ensejará a aplicação da multa prevista no Artigo 4º desta Resolução, considerando-se a mora, nesta hipótese, a partir do primeiro dia útil seguinte ao término do prazo estabelecido no “caput” deste artigo.

Artigo 6º – O pedido de prorrogação de prazo final da obra e/ou serviços ou entrega de material somente será apreciado se efetuado dentro dos prazos fixados no contrato ou instrumento equivalente.

Artigo 7º – As multas referidas nesta Resolução não impedem a aplicação de outras sanções previstas na Lei nº 8.666/93.

Artigo 8º – As normas estabelecidas nesta Resolução deverão constar em todos os procedimentos licitatórios e de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Artigo 9º – A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Assim sendo, a aplicação de multa, na infringência ao disposto nos artigos 81, 86 e 87 da Lei nº 8.666/93, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, obedecerá o disposto na Resolução acima mencionada. Essa iniciativa, que não é recente, deveria servir de exemplo, e amiúde de parâmetro, para que todos os entes da Federação, de quaisquer esferas, sobremaneira os Municípios, prontifiquem-se a melhor explorar e regulamentar, observadas suas peculiares realidades, as sanções derivadas de licitações e contratos administrativos, fazendo-o em atenção às balizas legais gerais. O regular manuseio do instituto das sanções administrativas é ferramenta hábil ao exercício da função fiscalizatória que compete à Administração Pública na realização de seus objetivos, bem como se mostra medida eficaz de preservação e recomposição da res publica.

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Sobre o autor
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Alexandre Massarana. Direito punitivo estatal: as sanções aplicáveis pela administração pública no âmbito dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5281, 16 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59179. Acesso em: 17 abr. 2024.

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