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Direito punitivo estatal: as sanções aplicáveis pela administração pública no âmbito dos contratos administrativos

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16/12/2017 às 21:25
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O regular manuseio do instituto das sanções administrativas, disciplinadas pelas Leis nº 8.666/1993 e10.520/2002, é ferramenta fundamental ao exercício da função fiscalizatória que compete à Administração na realização de seus objetivos, além de ser medida eficaz de preservação e recomposição da res publica.

"Conceituamos sanção administrativa como a direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, a ser imposta no exercício da função administrativa, em virtude de um comportamento juridicamente proibido, comissivo ou omissivo. Como este conceito baseia-se nos de sanção lato sensu e de função administrativa stricto sensu, já externados, cumpre-nos apenas justificar o elemento inovador. Ao indicarmos que a consequência restritiva de direitos deverá ser imposta no exercício da função administrativa, estamos, em verdade, a explicitar que a autoridade administrativa competente prescinde de autorização judicial, ou seja, que independe de prévia autorização para tanto". (Daniel Ferreira, Sanções administrativas, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34).


1.INTRODUÇÃO.

O contrato administrativo consiste em um acordo de vontades entre a Administração Pública e um particular, regido por normas e princípios do Direito Público, objetivando, sempre, a consecução do interesse público, e balizando-se pelo respeito a limites e garantias constitucionais. Em referência às suas principais características, traz-se o ensinamento do saudoso professor Hely Lopes Meirelles, segundo o qual:

O contrato administrativo é sempre consensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo e realizado intuito personae. É consensual porque consubstancia um acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; é formal porque se expressa por escrito e com requisitos especiais; é oneroso porque remunerado na forma convencionada; é comutativo porque estabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é intuito personae porque deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste[1].

O regime de Direito Público, ao qual é submetido o contrato administrativo, impõe a supremacia e a indisponibilidade do interesse público, e independe do procedimento adotado para fins de contratação, se realizado mediante prévio procedimento licitatório ou diretamente, quando assim admitido pela lei.

O contrato administrativo difere do contrato de direito privado. Assim, nos contratos administrativos o interesse público se sobrepõe ao interesse privado, sendo certo que a Administração Pública não pode ser privada de perseguir o seu objetivo principal, o bem comum.

Nesse sentido, quando o particular contratado pratica uma infração administrativa, a Administração por meio de um procedimento específico, onde deverão ser respeitados o contraditório e a ampla defesa, apura a falta e aplica a sanção cabível e adequada ao caso concreto. A sanção deverá restar prevista no edital, no contrato e contar com preceituação legal, em especial na Lei nº 8666/93, nos seus artigos 66 a 68 e/ou 86 a 88.

Essa prerrogativa, de identificar e apurar possíveis infrações administrativas, e, consequentemente, aplicar sanções ao contratado, é umas das cláusulas exorbitantes do contrato administrativo, fazendo-se expressão do poder sancionador do Estado.

Ora, a possibilidade de punição pela Administração retrata espaço do direito administrativo sancionador, claramente aceito na atualidade com nítida distinção do direito penal, ou mais precisamente da sanção penal. A sanção administrativa, por sinal, se sujeita a regime próprio, como bem ensina Daniel Ferreira:

Considerando, então, a sanção, como marco delimitador (objeto) do regime jurídico-administrativo sancionador, não mais será possível confundi-lo, especialmente com o regime jurídico-penal, ou ainda com qualquer outro, mesmo que aliado ao exercício da função administrativa, que em sentido amplo, quer em sentido estrito[2].

As sanções administrativas, inseridas no campo do direito administrativo sancionador, sujeitam-se a um plexo de normas e princípios que as delimitam e regem a sua aplicação no exercício da função administrativa. Em regra, a aplicação das sanções administrativas tem dupla finalidade de prevenção especial ou geral, e também de repressão.

A finalidade de prevenção especial (caráter educativo e pedagógico) visa mostrar ao faltoso o cometimento do ato ilícito com a finalidade de que ele não cometa novas infrações. O caráter pedagógico geral visa demonstrar a todos os interessados da coletividade que o Poder Público é diligente na aplicação rápida das sanções e não transige quando se trata de violação de interesses públicos. O caráter repressivo visa impedir que o Estado e a sociedade sofram prejuízos pelo descumprimento das obrigações assumidas.

Não obstante, de se consignar que existe um tênue espaço entre a adequação dos meios administrativos, sobremaneira quando coativos, e a prossecução do escopo e balanceamento concreto dos direitos fundamentais em conflito, de forma que nenhuma ação administrativa sancionadora pode se desgarrar da Constituição Federal e das garantias por ela prescritas.


2.DAS SANÇÕES PREVISTAS PARA LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.

2.1.Conceito e aspectos gerais.

Inicialmente convém definir o conceito de sanção em sentido amplo para depois discorrer sobre as sanções administrativas.

Para Regis Fernandes de Oliveira, sanção em sentido amplo consiste na “consequência jurídica a ser suportada por alguém que descumpre um dever ou uma obrigação legal”[3]. Já para Fábio Medina Osório, sanção em lato sensu significa:

[...] um mal ou castigo, com alcance geral e potencialmente para o futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, agente público, indivíduo ou pessoa jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo[4].

No que tange às sanções administrativas, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, são as providências gravosas aplicadas a alguém, por praticar uma infração administrativa. Note-se:

[...] sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação da sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.[5].

Verificada, pois, a conduta em afronta à lei, com a subsunção do fato concreto à norma, nasce o dever-poder da Administração de aplicar a sanção, no exercício do poder de império de reprimir.

Na sequência, de forma mais específica, quando se trata das normas gerais de licitação e contratos estabelecidas na Lei n.º 8.666/93, observe-se a previsão de penalização das condutas do particular quando derem causa à inexecução total ou parcial do contrato. O art. 87 da Lei n.º 8.666/93 prevê as possíveis penalidades que poderão ser aplicadas pela Administração:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I — advertência;

II — multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III — suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV — declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

As sanções administrativas, previstas no art. 87 da Lei n.º 8.666/93, correspondem a prerrogativas do Poder Público para garantir o interesse público nos contratos realizados pela Administração com o particular. Convém ressaltar que a apreciação da conduta indevida, por vezes, é realizada de forma discricionária, mesmo porque, apesar da previsão das infrações, o legislador não determinou qual sanção deverá ser aplicada em cada caso. Todavia, seja qual for a hipótese, a Administração não poderá deixar de observar o devido processo legal, concedido o contraditório e a ampla defesa ao particular, a proporcionalidade e a razoabilidade.

Ao interpretar os incisos do art. 87 da Lei de Licitação, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, deduz-se que há uma nítida e acertada intenção do legislador de estabelecer uma gradação nas penalidades impostas ao particular. Tal gradação está de acordo com a natureza jurídica das normas sancionatórias, considerando-se a variabilidade do comportamento humano para aplicação de penalidades distintas.

Além das sanções previstas na Lei Geral de Licitações, extremamente importante ressaltar a existência também de previsão de sanção na Lei n.º 10.520/02 que instituiu a modalidade licitatória do pregão, e que assim dispõe:

Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

Pois bem. Conforme já mencionado, a sanção somente será aplicada após processo administrativo, no qual será concedido o contraditório e a ampla defesa ao particular. Nesse diapasão, a doutrina entende que a Administração deve orientar o processo administrativo segundo a verdade material e registrar os possíveis fatos que possam atenuar ou agravar a situação do contratado. O professor Adilson de Abreu Dallari destaca essa necessidade de considerar as situações agravantes e atenuantes para definição da penalidade, conforme abaixo:

Não obstante nosso pensamento no sentido de não admitir discricionariedade na eleição da sanção aplicável diante da infração in concreto, nem por isso se faz despiciendo o exame da razoabilidade, haja vista ser mais do que necessário, colimando a constatação e valoração, por exemplo, das circunstâncias agravantes e atenuantes, das reincidências, genéricas ou específicas, etc., cujo resultado poderá ser o de proporcional agravamento da intensidade da sanção a ser imposta em cada caso ou — muito pior —, desde que determinado por lei, a imposição de outra, ainda “mais grave”. (DALLARI , 1994 apud FERREIRA , 2001).

Assim, a aplicabilidade das sanções elencadas na Lei de Licitações e na Lei do Pregão depende da gravidade do ato praticado, sendo que a Administração sempre deverá ponderar a conduta motivadora e a lesão gerada para, posteriormente, aplicar a penalidade, orientando essa ponderação, de um lado, pelo princípio da proporcionalidade; e de outro, objetivando resguardar o interesse público, cujas principais diretrizes, considerado tratar-se de procedimento licitatório ou ato dele decorrente, concretizam-se na eficiência, economicidade e moralidade, sendo imprescindível a idoneidade para contratar com a Administração.

O assunto, resumidamente assentado nos parágrafos anteriores, será objeto de melhor abordagem e detalhamento no tópico n.º 3 do presente estudo.

2.2.Espécies de sanções da Lei n.º 8.666/93.

Dentre as sanções administrativas previstas na Lei n.º 8.666/93, especificamente em seu art. 87, tem-se: a advertência, a multa, suspensão temporária e declaração de inidoneidade.

É muito importante reiterar que qualquer uma das sanções acima discriminadas, mesmo a advertência, somente poderá ser aplicada mediante a instauração e finalização de procedimento administrativo autônomo de apuração e responsabilização, no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa ao contratado.

Passa-se, pois, a seguir, a abordar cada uma delas, com algumas observações cabíveis.

2.2.1. Da Advertência.

A Administração a utilizará diante de eventuais inexecuções parciais de cláusulas contratuais. Serve para advertir o contratado para que sane as pendências ou imperfeições, sob pena de aplicação das demais sanções (que são mais graves), inclusive de rescisão do contrato. A sanção de advertência não deve ser aplicada mais de uma vez, pois, certamente, a Administração já realizou reclamações e advertências informais antes desta aplicar a advertência no fim do procedimento específico, sendo, pois, despicienda e por vezes ineficaz sua reiteração.

É certo que essa sanção é de natureza moral, mas deixa nítida a postura administrativa de garantir a indisponibilidade do interesse público, advertindo o contratado para o cumprimento correto da avença. Deve ser aplicada, pois, em caso de negligência e faltas corrigíveis, quando o contratante for primário (não reincidente em falta), servindo como o prenúncio daquela mais severa.

Em tese, não acarreta a rescisão contratual, mas o cometimento reiterado de faltas que ensejam a aplicação de advertência pode sim culminar na rescisão contratual.

2.2.2. Da Multa.

A multa civil consiste em sanção pecuniária que atinge o transgressor de uma norma, podendo ter caráter coercitivo ou de reparação civil. No primeiro caso, visa intimidar o infrator para que não mais desobedeça às normas legais. No segundo caso, pretende a composição patrimonial de prejuízos.

Prevista como sanção na Lei n° 8.666/93, possui caráter coercitivo. Aplica-se quando do atraso injustificado na execução do contrato, no art. 86, podendo, também, incidir nos casos de inexecução total ou parcial do contrato, com previsão no inciso II, do art. 87.

Segundo Jessé Torres Pereira Júnior[6], no caso do art. 86, a multa possui natureza moratória, ou seja, vinculada ao atraso no cumprimento de obrigação. Já na hipótese do art. 87, a multa possuiria natureza penal, uma vez que aplicável quando do inadimplemento do contratado.

Conforme dispõe o art. 86, caput, o valor da multa deve estar previsto no instrumento convocatório ou no contrato, constando, inclusive, o percentual a ser aplicado. Assim, a falta de tal previsão impede a aplicação da multa. Desta forma, deve-se atentar para os casos de substituição do contrato por outro instrumento, como permite o art. 62, da Lei n° 8.666/93. Como exemplo, não seria razoável que uma contratação de prestação de serviço através de licitação na modalidade convite seja pactuada através de nota de empenho, na qual não se disponha de campo para anotação da sanção de multa aplicável, com seus parâmetros, ao contratado faltoso.

A multa pode ser aplicada juntamente com outras sanções, conforme autoriza o parágrafo 1°, do art. 87, da Lei n° 8.666/93. Ademais, nada impede que a mesma seja aplicada, mantendo-se o vínculo contratual com o contratado faltoso.

O parágrafo 2°, do art. 86 da Lei, por sua vez, determina que a multa, aplicada após regular processo administrativo, seja descontada do valor da garantia prestada pelo contratado. Já o parágrafo 3° dispõe que a multa poderá ser descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ao contratado, caso o seu valor seja superior ao da garantia prestada, cabendo, ainda, cobrança judicial.

Nesse diapasão, cumpre abordar decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União[7], segundo a qual o critério de hermenêutica mais consentâneo com os princípios que regem a Administração Pública impõe concluir pelo não imediatismo da dedução da multa do valor da garantia, caso a sua aplicação não tenha sido acompanhada da rescisão do contrato. Assim, nessa situação, a multa deverá ser inicialmente descontada dos créditos do contratado, seguida da cobrança judicial, para somente assim vir a descontar o valor da multa da referida garantia.

O fundamento para esse caminho ou ordenação das ações seria a situação de vulnerabilidade da Administração durante parte do período de implementação do contrato, que uma vez se valendo do abatimento do valor caucionado, ficaria desprovida da garantia, com inegável mitigação, senão afastamento, da sua eficácia, que é evitar futuros prejuízos ao Poder Público. Desta forma, conclui que o valor da garantia deve permanecer íntegro durante toda a execução do contrato, devendo ser utilizado, se o caso, apenas quando ocorrer a rescisão contratual ou ao término da execução contratual se não sanadas as irregularidades ou ressarcido o prejuízo.

2.2.3. Da Suspensão Temporária de Participação em Licitação e Impedimento para Contratar e da Declaração de Inidoneidade.

O art. 87, da Lei n° 8.666/93 traz, ainda, como sanções aplicadas ao contratado a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e a declaração de inidoneidade, respectivamente nos incisos III e IV, do mencionado artigo. Tais sanções também podem ser aplicadas nas hipóteses do art. 88 da Lei. O conteúdo da restrição de direitos delas resultante para o punido é idêntico, qual seja, impossibilidade de se participar de licitação e contratar com a Administração Pública. Assim, quais seriam as diferenças existentes entre tais sanções?

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Inicialmente, poder-se-ia falar na diferença de prazos entre essas duas medidas punitivas. Quanto à sanção de suspensão temporária, a lei federal apresenta o prazo máximo de dois anos, que seria o limite máximo temporal punitivo e que deve estar determinado no ato sancionador. No que concerne à sanção de declaração de inidoneidade, esta teria um prazo indeterminado, sendo de no mínimo de dois anos – ou seja, o prazo máximo da sanção de suspensão temporária –, conquanto cessando seus efeitos com a extinção dos motivos determinantes da punição e com o ressarcimento dos danos eventualmente causados à Administração. Ora, possuindo prazo indeterminado, a extinção desta sanção depende da reabilitação do infrator, prevista no parágrafo 3° do art. 87, e que será decretada por ato administrativo praticado pela mesma autoridade que aplicou a sanção. Obviamente a reabilitação não se aplica no caso da sanção de suspensão temporária pelo fato desta ser aplicada com prazo certo.

A principal questão que se debate, porém, no que tange à eventual diferença entre as sanções de suspensão temporária e declaração de inidoneidade, é no campo de abrangência de seus efeitos. De início, o inciso III, do art. 87 da Lei de Licitações, ao tratar da sanção de suspensão temporária fala que a mesma produz efeitos no âmbito da “Administração”. Já o inciso IV, ao se referir à sanção de declaração de inidoneidade, refere-se a sua aplicação na esfera da “Administração Pública”.

Sobre esse ponto, os incisos XI e XII, do art. 6° da Lei, por sua vez, definem, respectivamente, “Administração Pública” e “Administração”. Segundo o inciso XI, do mencionado artigo, Administração Pública é “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. Já, de acordo com a redação do inciso XII do mesmo artigo, Administração é “órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”.

Tal redação levou alguns intérpretes a entenderem que a aplicação da sanção de suspensão temporária somente produz efeitos no âmbito do órgão pelo qual a administração opera, enquanto que a declaração de inidoneidade repercute em toda federação. Todavia, não obstante a diferenciação legal, o operador do direito, em vista da controvérsia, não deverá sentir-se seguro em acatar, de maneira literal, os conceitos preconizados nos incisos XI e XII, art. 6º, do Diploma Legal das Licitações, quando da apreciação dos casos concretos de imposição de sanções administrativas.

A doutrina está longe de ter uma posição consolidada sobre o tema. Com efeito, Marçal Justen Filho[8] entende que a pretensão de diferenciar ‘Administração Pública’ e ‘Administração’ é irrelevante e juridicamente risível. O ilustre autor esclarece:

14) A Suspensão Temporária e a Declaração de inidoneidade

As sanções dos incs. III e IV são extremamente graves e pressupõem a prática de condutas igualmente sérias.

14.1) Distinção entre as figuras dos incs. III e IV

[...] Não haveria sentido em circunscrever os efeitos da “suspensão de participação em licitação” a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar “suspenso”. A menos que lei posterior atribua contornos distintos à figura do inc. III, essa é a conclusão que se extrai da atual disciplina legislativa.

Diametralmente oposto, porém atento às definições insertas na Lei das Licitações, Lucas Rocha Furtado[9] ensina que:

a suspensão temporária somente é válida e, portanto, somente impede a contratação da empresa ou profissional punido durante sua vigência perante a unidade que aplicou a pena; a declaração de inidoneidade impede a contratação da empresa ou profissional punido, enquanto não reabilitados, em toda a Administração Pública federal, estadual e municipal, direta e indireta.

Este entendimento último é compartilhado pelo professor Floriano de Azevedo Marques Neto[10]:

E aqui reside justamente o eixo do argumento: entendêssemos nós que a suspensão e a inidoneidade, ambas, têm o mesmo âmbito de consequências, e chegaríamos ao absurdo de tornar as duas penalidades indiferenciadas. Sim, porque ambas possuem uma consequência comum: impedem que o apenado participe de licitação ou firme contrato administrativo. Se desconsiderarmos as diferenças de extensão que ora sustentamos, perderia o sentido existirem duas penalidades distintas. Afinal ambas teriam a mesma finalidade, a mesma consequência e o mesmo âmbito de abrangência. Estaríamos diante de interpretação que leva ao absurdo.

Todavia, em que pesem as divergências doutrinárias acerca da questão, os tribunais pátrios, seguindo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, apontam que a sanção prevista no inciso III, do art. 87, da lei 8.666/93 produz efeitos que se estendem a todos os demais órgãos, entidades ou unidades da Administração Pública direta ou indireta.

ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - SUSPENSÃO TEMPORÁRIA - DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA - LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.

- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.

- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.

- A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.

(STJ, 2ª Turma. Recurso Especial nº 151.567-RJ, j. 25.02.03).

ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES. MANDADO DE SEGURANÇA. ENTES OU ÓRGÃOS DIVERSOS. EXTENSÃO DA PUNIÇÃO PARA TODA A ADMINISTRAÇÃO.

1. A punição prevista no inciso III do artigo 87 da Lei nº 8.666/93 não produz efeitos somente em relação ao órgão ou ente federado que determinou a punição, mas a toda a Administração Pública, pois, caso contrário, permitir-se-ia que empresa suspensa contratasse novamente durante o período de suspensão, tirando desta a eficácia necessária.

2. Recurso especial provido.

(STJ, 2ª Turma. Recurso Especial nº 174.274-SP, j. 19.10.04).

Perfazendo o seu importante papel de controle externo, por sua vez, o Tribunal de Contas da União trazia entendimento importante, no sentido de que os efeitos da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração restava restrito ao órgão que a havia aplicado. Todavia, o TCU tem demonstrado a falta de uniformidade desse posicionamento em sua composição, vindo, em acórdãos mais recentes, ora a seguir a orientação do STJ, a exemplo do decidido no Acórdão 917/2011-Plenário e na Decisão n. 2.218/2011 Primeira Câmara, ora a dela destoar, como se nota do Acórdão 842/2013-Plenário, respectivamente:

A aplicação da sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 impede, em avaliação preliminar, a participação da empresa em certame promovido por outro ente da Administração Pública.

Representação de unidade técnica do Tribunal apontou suposta irregularidade na condução pela Prefeitura Municipal de Brejo do Cruz/PB da Concorrência 1/2011, que tem por objeto a contratação das obras de construção de sistema de esgotamento sanitário, custeadas com recursos de convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde - FNS, no valor de R$ 5.868.025,70. A unidade técnica noticiou a adjudicação do objeto do certame à empresa MK Construções Ltda e sua homologação em 2/3/2012. Informou que já houve celebração do respectivo contrato, mas as obras ainda não iniciaram. Considerou irregular a contratação, visto que a essa empresa havia sido aplicada, pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em 8/6/2011, pena de suspensão do direito de participar de licitação ou contratar com a Administração pelo prazo de 2 anos, com base no inc. III do art. 87 da Lei 8.666/1993, por inexecução contratual. A empresa também veio a ser sancionada, com base o mesmo comando normativo, em 12/3/2012, pela Universidade Federal de Campina Grande. Estaria, pois, impedida, desde 8/6/2011, “de licitar ou contratar com quaisquer órgãos ou entidades da administração pública federal estadual, distrital ou municipal, eis que a apenação dela, pelo TRE/PB, fundamentou-se no art. 87, inciso III, da referida Lei, que, por ser nacional, alcança a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. Restariam, em face desses elementos, configurados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora para a concessão da medida pleiteada. O relator do feito, então, decidiu, em caráter cautelar, determinar: a) à Prefeitura Municipal de Brejo do Cruz/PB que se abstenha, até deliberação do Tribunal, de executar o contrato firmado com a empresa MK Construções Ltda; b) “à Fundação Nacional de Saúde que se abstenha, até ulterior deliberação do Tribunal, de transferir recursos no âmbito do convênio PAC2-0366/2011 (...), firmado com a Prefeitura Municipal de Brejo do Cruz/PB ...”; c) promover oitivas do Prefeito e da empresa acerca dos indícios de irregularidades acima apontados, os quais podem ensejar a anulação do citado certame e dos atos dele decorrentes. (Comunicação de Cautelar, TC 008.674/2012-4, Ministro Valmir Campelo, 4.4.2012.) (destacou-se)

(…) 3. O cerne da questão estava na imprecisão da redação do item 2.2, alíneas "c" e "d" do edital, que previam, verbis: 2.2 - Não será permitida a participação de empresas: a) reunidas em consórcio ou que sejam controladoras, coligadas ou subsidiárias entre si; b) concordatárias, em processo de falência, sob concurso de credores, em dissolução ou em liquidação; c) suspensas temporariamente de participar em licitações e contratar com a Administração; d) declaradas inidôneas para licitar ou para contratar com a Administração Pública; e) participantes do Simples Nacional, EXCETO SE, se comprometerem a pedir sua própria exclusão do Simples Nacional. 4. Não é demais lembrar que a jurisprudência recente desta Corte de Contas é no sentido de que a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666/93 produz efeitos apenas no âmbito do órgão ou entidade que a aplicou (Acórdãos 3.439/2012-Plenário e 3.243/2012-Plenário). Interpretação distinta de tal entendimento poderia vir a impedir a participação de empresas que embora tenham sido apenadas por órgãos estaduais ou municipais com base na lei do pregão, não estão impedidas de participar de licitações no âmbito federal. 5. Analisadas as razões de justificativas apresentadas pela Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal, restou esclarecido que em que pese o edital em tela não explicitar que o termo "Administração" constante do item 2.2, "c", do edital referir-se à própria Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal, os esclarecimentos prestados mostram que o entendimento do órgão está em consonância com as definições da Lei nº 8.666/93, assim como com o entendimento desta Corte. 6. Sendo assim, a Representação em análise deve ser considerada improcedente, revogando-se a medida cautelar que suspendeu o Pregão Eletrônico nº 13/2013, autorizando o seu prosseguimento. 7. Não obstante, tendo em vista a polêmica que cerca o assunto, e com o intuito de evitar questionamentos semelhantes no futuro, julgo oportuno que o Tribunal recomende à Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal que, em seus futuros editais de licitação, especifique que estão impedidas de participar da licitação as empresas que tenham sido sancionadas com base no art. 87, III, da Lei nº 8.666/93, somente pela própria Seção Judiciária do Rio de Janeiro da Justiça Federal.

Apesar do dissenso, certamente mais consentânea a antiga, e agora reafirmada posição, constante do precedente mais recente citado, de que para o TCU a aplicação da sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 impede, em avaliação preliminar, a participação da empresa em certame promovido apenas pelo mesmo ente da Administração Pública que exarou o ato sancionador. Em outras palavras, a sanção de suspensão temporária de licitar e contratar, que reverbera sobre o próprio direito de participação em certames, possui nítido efeito subjetivo de eficácia restrita, circunscrito ao mesmo órgão sancionador; ao revés do que ocorre com a eficácia subjetiva da sanção de inidoneidade, cuja eficácia é ampla, abrangendo todos os entes e entidades da Administração Pública.

Claro que existem outros dispositivos que fundamentam a aplicação de sanções com eficácia repressiva semelhante, como a proibição de participar de licitação e de contratar com o Poder Público em decorrência de condenação por doação em favor de partidos políticos acima do limite legal, prevista no artigo 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97; ou a proibição de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, prevista nos incisos I a II, do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992. Mas, nem por isso é possível confundir o fundamento jurídico e a seara distinta em que são aplicadas tais punições, que extravasam o campo jurídico dos contratos administrativos, ou que, em outras palavras não tem causa, propriamente, contratual, sob a égide da relação contratante-contratada regida pelas leis que tratam de licitações e contratos administrativos.

Enfim, sobre a sanção de declaração de inidoneidade, cabe observar a possibilidade de extensão subjetiva não apenas com relação à pessoa do ente sancionador, mas também da própria entidade sancionada; assegurado, claro, o devido processo legal, o contraditório e a mais ampla defesa ao envolvido. O STJ, acolhendo esse entendimento, admitiu a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica para estender os efeitos da inidoneidade, como se percebe do seguinte julgado:

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Licitação. Sanção de inidoneidade para licitar. Extensão de efeitos à sociedade com o mesmo objeto social, mesmos sócios e mesmo endereço. Fraude à lei e abuso de forma. Desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa. Possibilidade. Princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos. (ROMS 15166/BA DJ 08/09/03, Pág.262).

Por sua vez, o Tribunal de Contas da União, igualmente, emitiu parecer favorável à desconsideração da personalidade jurídica, conforme Acórdão 189/2001 – Plenário:

Concluindo, não é de justiça e conforme o direito contemporâneo esquecer os fatos insertos nos autos para não aplicar ao verdadeiro culpado as penalidades cabíveis, principalmente porque, se não aplicada à regra da desconsideração da personalidade jurídica, poder-se-á estar inviabilizando a execução, não punindo o verdadeiro infrator, impossibilitando a aplicação de sanções outras que não o débito (multa por exemplo) àqueles que praticaram os ilícitos, usufruíram pessoalmente das verbas ilicitamente auferidas (já que não contabilizaram na empresa e sacaram diretamente no banco) e que não figurarão nos autos, dificultando a apuração da responsabilidade dos mesmos e conseqüente encaminhamento dos fatos ao Ministério Público Federal para as ações de direito, enfim, uma série de conseqüências jurídicas capazes de tornar este processo inefetivo e injusto. (Processo nº 675.295/1994-7, - Min. Guilherme Palmeira)

Disso deflui que, em havendo evidente fraude ou tentativa de deturpar as punições contidas na Lei de Licitações, mostra-se possível a desconsideração da personalidade jurídica da empresa licitante para que também sejam estendidas as sanções aos sócios em nome do princípio da legalidade e moralidade administrativa.

2.3.Espécie de sanção da Lei n.º 10.520/02 e da Lei nº 12.462/2011: Do Impedimento para Licitar e Contratar.

Outro aspecto fulcral no tema das sanções veiculadas pelas leis que tratam das hipóteses de licitações e contratos administrativos delas decorrentes, é a sanção de impedimento para licitar e contratar prevista para a modalidade de licitação pregão, inserida no ordenamento jurídico pátrio através da Lei nº 10.520/02. O artigo 7º do referido diploma prescreve:

Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

Nota-se, assim, que se está diante de hipótese punitiva que bastante se assemelha – embora não se confunda – com cada uma das sanções previstas no artigo 87, incisos III e IV, da Lei nº 8.666/93, que tratam da suspensão temporária de participação e da declaração de inidoneidade, já abordadas. O impedimento da Lei do Pregão parece mixar as duas figuras citadas, conferindo-se, ainda, causas específicas descritas no tipo do artigo 7º, ao mesmo tempo em que se prevê um limite temporal máximo para a cominação. Vale recordar que, no caso da Lei de Licitações, enquanto a sanção de suspensão de participação dispõe de limite máximo de 2 anos; a declaração de inidoneidade apresenta apenas limitador mínimo, sujeitando-se à reabilitação.

Ocorre que, por ser objetivamente mais abrangente – embora não englobe integralmente todas as hipóteses passíveis de incidência dos incisos III e IV do artigo 87 da Lei nº 8.666/93 – e regulamentar especificamente a modalidade pregão, essa sanção deverá ser aplicada para as hipóteses que taxativamente arrola, caso em que a medida pode ser estendida para até 5 anos. Nas demais hipóteses, deve ser observada a Lei nº 8.666/93, quanto a quaisquer de suas sanções, inclusive as dos incisos III e IV do artigo 87, naquilo em que não se confundam com as causas previstas no artigo 7º da Lei nº 10.520/02, porquanto vigora no ordenamento o princípio do non bis in idem. Essa possibilidade decorre da aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/93, expressamente consentida pelo artigo 9º da Lei do Pregão. Essa interpretação consagra, inclusive o princípio da proporcionalidade, na medida em que a Lei de Licitações dispõe de sanções graduadas conforme a gravidade das infrações cometidas, e que se coadunam o princípios licitatórios de quaisquer modalidades existentes.

Subjetivamente, porém, a sanção de impedimento da Lei do Pregão é equivalente com relação à figura da “suspensão” e restritiva com relação à da “inidoneidade”, isso porque expõe que o licitante ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito federal ou Município. O disjuntivo “ou” indica desunião, separação, desconexão; de modo que a sanção terá efeito tão somente na esfera do ente federativo que a aplicou. Sobre a temática o doutrinador Fabrício Motta leciona:

Sem tomar posicionamento a respeito da celeuma, no tocante à questão que nos interessa diretamente, ou seja, a abrangência da penalidade prevista no art. 7º da Lei n. 10.520/02, há que se destacar que o impedimento de licitar e contratar referir-se-á à União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, de acordo com a expressa dicção legal. O uso da conjunção alternativa ‘ou’, somado à referência à entidade política, parece espancar as dúvidas tocantes à eventual extensão da sanção a todas as esferas.[11]

Na mesma medida o eminente Marçal Justen Filho:

Portanto, um sujeito punido no âmbito de um município não teria afastada sua idoneidade para participar de licitação promovida no órbita de outro ente federal.[12]

Ademais, a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02 são normas gerais em matéria de licitação, na medida em que regulamentam, ambas, o inciso XXI, do artigo 37 da Constituição Federal, como já decidiu, acertadamente, o Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 1.668-5, que é constitucional a criação de procedimentos licitatórios distintos dos previstos na Lei de Licitações, visto que o inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal não obriga a edição de lei única – mesmo porque, editar normas gerais sobre todas as modalidades e capazes de obrigar todos os entes federativos não se confunde com a necessidade de existência de uma lei geral para instituir todas modalidades. Não prospera, assim, o argumento de que a Lei nº 10.520/02, é especial, além de posterior, a afastar a aplicação das demais penalidades debatidas, previstas no artigo 87 da Lei nº 8.666/93. Podem ser aplicadas simultaneamente, embora com certa restrição para as hipóteses do artigo 7º da Lei nº 10.520/02 que conglobem as mesmas situações passíveis de incidência da punições do artigo 87 incisos III e IV, da Lei nº 8.666/93.

Outra consideração extremamente relevante, que já passível de extração do Acórdão 842/2013 do TCU, é de que – equivalentemente ao expendido para a sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93, sobre produzir efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador –, quando observado outro diploma legal, qual seja, a Lei nº 10.520/02, que trata do pregão, e dispõe de sanção própria, porém semelhante, a mesma interpretação deve ser cominada. Nessa senda, sanção de enquanto a prevista no art. 7º da nº 10.520/02 produz efeitos, outrossim, apenas no âmbito do ente federativo que a aplicar. Na verdade, esse posicionamento foi realçado e explanado suficientemente no recentíssimo Acórdão 2242/2013-Plenário, ao assim enunciar:

1. Trata-se de representação, com pedido de medida cautelar, acerca de possível irregularidade no Pregão Eletrônico 1.317/2013, promovido pelo Serviço Federal de Processamento de Dados - Regional de São Paulo (Serpro/SP), referente aos seguintes subitens do edital: "2.2. Não será admitida nesta licitação a participação de empresas: 2.2.1. (...) 2.2.2. que estejam com o direito de licitar e contratar suspenso com o SERPRO e/ou outros órgãos da Administração Pública, bem como tenham sido declaradas inidôneas pela mesma; 2.2.3. que tenham sido declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública; 2.2.4 A constatação do estabelecido nos subitens 2.2.2 e 2.2.3 será efetuada após o encerramento da etapa competitiva, através de consulta ao Sistema de cadastramento unificado de Fornecedores (SICAF) e Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas ou Suspensas (CEIS), estando este último disponível no Portal da Transparência Pública, site: www.portaltransparencia.gov.br/ceis."

2. Apreende-se do subitem 2.2.2 do edital o impedimento da participação no certame de empresas que tenham sido punidas, com base no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, com a suspensão do direito licitar e contratar não apenas com o Serpro/SP, mas também com outros órgãos e entidades da Administração Pública, o que contraria a jurisprudência deste Tribunal.

3. A licitação, cuja sessão de abertura deu-se nos dias 15 e 16/7/2013, encontra-se suspensa desde 29/7/2013, por força de despacho assinado por mim em 15/7/2013, o qual foi submetido à apreciação deste colegiado em 17/7/2013.

4. O Serpro/SP trouxe aos autos as razões pelas quais entende que a sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 desabilita o licitante de participar de certames "em qualquer âmbito da Administração Pública".

5. Relaciona julgados nesse sentido do Superior Tribunal de Justiça (REsp 151567/RJ e REsp 174274/SP) e do próprio TCU (Acórdãos 2.218/2011 e 3.757/2011, ambos da 1ª Câmara), assinalando que esses últimos demonstrariam a existência de posições divergentes nesta Corte de Contas sobre a questão.

6. Menciona ainda doutrina favorável ao seu ponto de vista (Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 1020), bem como ementa de parecer da Advocacia-Geral da União - AGU (Parecer 87/2011) que consigna que tal punição possui alcance amplo, impedindo a empresa atingida de licitar e contratar com toda a Administração Pública brasileira.

7. Os argumentos do Serpro/SP não procedem.

8. Não concordo com a tese de que a matéria seja controversa no âmbito deste Tribunal. De fato, na apreciação do TC 025.430/2009-5, em sede de pedido de reexame, de minha relatoria, decidiu a 1ª Câmara, consoante o Acórdão 2.218/2011, considerar legal cláusula de edital da Infraero que impedia a participação na licitação de órgãos e entes da Administração Pública punidos com a sanção do art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993. Na ocasião, o voto revisor que fundamentou a decisão, da lavra do Ministro Walton Alencar Rodrigues, reconhecia que tal encaminhamento representava uma nova posição sobre a questão em relação à que vinha prevalecendo nesta Casa. Posteriormente, no âmbito da representação objeto do TC 004.076/2010-9, a mesma 1ª Câmara, por meio do Acórdão 3.757/2011, seguiu uma vez mais esse entendimento, acolhendo o voto do Ministro-Relator Ubiratan Aguiar, que, por sua vez, teve por base justamente os fundamentos do voto revisor do Acórdão 2.218/2011-1ª Câmara.

9. Ocorre que, depois disso, o Plenário desta Corte de Contas já ratificou em várias oportunidades o entendimento contrariado nesses dois acórdãos da 1ª Câmara, reafirmando a ausência de base legal para uma interpretação da norma que amplie os efeitos punitivos do art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 a todos os entes e órgãos da Administração Pública (Acórdãos 3.243/2012, 3.439/2012, 3.465/2012, 842/2013, 739/2013, 1.006/2013 e 1.017/2013, todos do Plenário).

10. Tem-se, em especial, o Acórdão 3.243/2012, quando restaram vencidos os votos dos Ministros Ubiratan Aguiar e Walton Alencar Rodrigues, que traziam os mesmos argumentos que haviam embasado os Acórdãos 2.218/2011 e 3.757/2011 da 1ª Câmara.

11. Desse modo, ainda que em decisões recentes o Ministro Walton Alencar Rodrigues tenha apresentado voto de ressalva demarcando sua posição, não se pode dizer que haja propriamente controvérsia tumultuosa sobre a matéria nesta Corte, motivo pelo qual, diferentemente da unidade técnica, que propõe a procedência parcial da reclamação devido à existência de "entendimento minoritário" no Tribunal no sentido de que a sanção do inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 possui efeitos subjetivos amplos, penso que, nesse ponto, a representação deve ser considerada totalmente procedente.

12. Com relação à doutrina e julgados da 2ª Turma do STJ mencionados pelo Serpro, frise-se que seus argumentos foram devidamente ponderados nas decisões do TCU, não tendo sido suficientes, no entanto, para suplantar as razões que alicerçam a convicção do Plenário desta Casa, valendo assinalar que as sentenças do STJ, proferidas em 2003 e 2004, não conformam um entendimento firme e pacífico daquela Corte sobre o tema.

13. A propósito, no voto condutor do Acórdão 3.439/2012-Plenário foram apresentados, de forma resumida, os elementos nos quais se funda a posição do TCU acerca do assunto, que são os seguintes: a) as sanções do art. 87 da Lei 8.666/93 estão organizadas em ordem crescente de gravidade e, ao diferenciar aspectos como duração, abrangência e autoridade competente para aplicá-las, o legislador pretendia distinguir as penalidades dos incisos III e IV; b) em se tratando de norma que reduz o direito de eventuais licitantes, cabe interpretação restritiva; c) o art. 97 da Lei de Licitações, ao definir que é crime admitir licitação ou contratar empresa declarada inidônea, reforça a diferenciação entre as penalidades de inidoneidade e suspensão temporária/impedimento de contratar, atribuindo àquela maior gravidade.

14. No que concerne ao parecer da AGU mencionado, sabe-se que não reflete as diretrizes definidas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão na Instrução Normativa 2/2010, cujo § 1º do art. 40 estabelece expressamente que a sanção do inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 "impossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção".

15. Cabe, portanto, nos termos propostos pela unidade técnica, dar ciência ao Serpro/SP de que a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/1993 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador.

16. Outro ponto levantado na representação diz respeito aos limites da sanção do art. 7º da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão).

17. Aqui também a jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos do Plenário 739/2013, 1.006/2013 e 1.017/2013) é firme no sentido de que tal penalidade impede o concorrente punido de licitar e contratar apenas no âmbito do ente federativo que aplicou a sanção, em consonância com o que dispõe o art. 40, inciso V e § 3º, da IN SLTI 2/2010.

18. Entretanto, como o edital dispõe que a existência de impedimento de licitar e contratar será verificada por meio de consulta ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF) e ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas ou Suspensas (CEIS), e uma vez que esse último inscreve licitantes punidos com base na Lei do Pregão aplicadas por Administração Estadual ou Municipal, a representante preocupa-se com a possibilidade de inabilitação indevida de tais empresas.

19. É pertinente a preocupação. Não há como inferir, dos itens do edital, se as empresas sancionadas nessas condições estão impedidas de participar do pregão em comento.

20. De todo modo, é bom registrar que no CEIS consta a base legal da sanção, assim como o órgão sancionador, significando a possibilidade de o responsável pela licitação discernir os limites da punição ali indicada. Ou seja: o simples fato de o concorrente estar inscrito no referido cadastro não quer dizer que será necessariamente eliminado do certame.

21. O Serpro/SP não abordou a matéria na sua manifestação nos autos. A representante, por sua vez, afirma que requereu esclarecimentos à entidade, mas não está claro no seu arrazoado o teor da consulta nem da resposta apresentada, o que impede uma ilação no sentido de que o Serpro/SP pretendesse ampliar o alcance da penalidade prevista na Lei do Pregão.

22. Seja como for, apesar de não haver elementos suficientes para se concluir pela ocorrência de excesso no ato convocatório quanto a isso, mas diante da possibilidade de o Serpro/SP vir a conferir, por meio das regras do edital, demasiado alcance à punição da Lei do Pregão, penso que a representação deve ser considerada parcialmente procedente relativamente a esse ponto, restando conveniente que se dê ciência à entidade de que a sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 produz efeitos apenas no âmbito interno do ente federativo que a aplicar. [...]

Seguindo a sistemática inaugurada pela Lei do Pregão, a Lei Federal nº 12.462/2011, que veio a instituir o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, aplicável às licitações e contratos firmados com a finalidade de atender aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014, bem como e obras de infraestrutura e serviços dos aeroportos, trouxe, em seu artigo 47, previsão abrangente das sanções previstas nos incisos III e IV do artigo 87 da lei 8.666/93 para as hipóteses que especifica. Note-se a redação do referido dispositivo:

Artigo 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que:

I - convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta Lei;

II - deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso;

III - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado;

IV - não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado;

V - fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato;

VI - comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou

VII - der causa à inexecução total ou parcial do contrato.

§ 1  A aplicação da sanção de que trata o caput deste artigo implicará ainda o descredenciamento do licitante, pelo prazo estabelecido no caput deste artigo, dos sistemas de cadastramento dos entes federativos que compõem a Autoridade Pública Olímpica.

§ 2  As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos contratos regidos por esta Lei.

Assim, verifica-se, do preceito legal, uma conexão entre as definições da sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, com a sanção de declaração de inidoneidade. Importante consignar que precisa ser feita uma análise conjunta dos dois textos legais, conforme dispõe o parágrafo segundo da lei 12.462/11 que aplica, naquilo que não contrariar esta legislação, o que estiver estipulado no Capítulo IV da lei 8.666/93, de modo que é possível estender a mesma conclusão havida para o caso de pregão, quanto a aplicabilidade das sanções de “suspensão” e “inidoneidade”, às contratações sob regime diferenciado de contratações públicas.

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Sobre o autor
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Alexandre Massarana. Direito punitivo estatal: as sanções aplicáveis pela administração pública no âmbito dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5281, 16 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59179. Acesso em: 22 dez. 2024.

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