Após infindável discussão e debate no Congresso Nacional foi sancionada a Lei n. 10.741, de 1° de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, bem como sobre outras providências.
O aspecto que se pretende destacar neste artigo é a inefetividade material do artigo 71 do referido Estatuto que assegura prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância."
Antes de mais nada é preciso constar que, com algumas alterações, trata-se de repetição do artigo 1° da Lei n. 10.173, de 10 de janeiro de 2001, que acrescentou os artigos 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C à Lei n. 5.869/73 (Código de Processo Civil):
"Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos terão prioridade na tramitação de todos os atos e diligências em que qualquer instância.
(...)"
A inovação é a redução da idade de 65 (sessenta e cinco) anos para 60 (sessenta) anos de idade.
De longe, a lei merece todo o tipo de elogio e aplausos, principalmente numa época em que se procura discutir alternativas para uma rápida solução de litígios, resultando em efetiva entrega da prestação jurisdicional.
Por outro lado, ao aproximar a lei, produzida dentro de ambiente absolutamente distante da dinâmica social, ver-se-á que não se passa de uma demagogia política, descomprometida com a verdadeira necessidade de se dar efetividade às leis, não havendo preocupação alguma com a situação de abandono em que se encontra o idoso.
Realmente, o simples fato de se priorizar o trâmite de um processo em que figure como parte pessoa igual ou maior de 60 (sessenta) anos, não é indicativo de efetividade jurisdicional, a uma porque o Estatuto do Idoso não limitou o uso indiscriminado de recursos, situação esta que leva os litígios a perdurarem anos e anos no judiciário, acarretando, isso sim, uma dupla injustiça, porque afronta tanto as expectativas do autor como as do réu, e a duas, porque a Fazenda Pública continuará gozando de inúmeros privilégios e prerrogativas processuais (prazos para recorrer em dobro, contestar em quádruplo etc.), o que, naturalmente, leva a uma situação de absoluta incongruência e porque não dizer de um cinismo cretino, já que quem produziu a Lei que se discute, também poderia extinguir tais privilégios odiosos, ao menos para as casos em que figurasse como parte pessoa idosa, nos termos do Estatuto.
Referiu-se à Fazenda Pública, porque é sabido que a maior parte das demandas judiciais envolvendo idosos refere-se às discussões previdenciárias e na maioria esmagadora dos casos, o Poder Executivo (INSS), mesmo sabendo que tal e qual questão já se encontra pacificada nos Tribunais Superiores, simplesmente denega os pedidos de aposentadorias e pensões feitos pelos cidadãos, forçando a discussão, por intermédio de recursos protelatórios, a percorrer todas as instâncias judiciais, para chegar ao Supremo Tribunal Federal e lá vê-la confirmada como já era esperado. Pena que nesta altura, é bem provável, que o autor da demanda infelizmente não consiga fruir os benefícios do seu direito.
Vê-se, ainda, que o legislador perdeu, aqui, uma grande oportunidade de criar um mecanismo legal de vinculação de tais pronunciamentos superiores aos órgãos executivos, a exemplo da súmula vinculante defendida pelo atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal (ou queria mesmo não tê-la encontrado?).
Aí, sim, acredita-se que haveria um mínimo de efetividade na prestação jurisdicional.
Por fim, não se poderia deixar de mencionar a chamada "remessa necessária", ou "duplo grau de jurisdição obrigatório", prevista no artigo 475 do CPC, cabível, toda vez, via de regra, quando é proferida uma sentença desfavorável ao Poder Púbico, onde, não raramente, mesmo que a questão, em outros processos, já tenha sido levada à apreciação pela mais alta corte do Poder Judiciário e pacificada, ainda assim, o processo é remetido ao Tribunal de Justiça para, novamente, ser apreciada a questão, num verdadeiro atentado ao princípio da celeridade processual, o que implica, por via oblíqua, na inefetividade da prestação jurisdicional, justamente o que se procura coibir com a redação do art. 71 do Estatuto do Idoso.
Outra inovação que poderia ter sido implementada diz respeito aos precatórios, a exemplo dos débitos do Poder Público que se revestissem de natureza alimentícia, os quais não estão obrigadas a obedecer a ordem cronológica para o pagamento ou, ainda, nos termos da Emenda Constitucional n. 30/2000, a isenção do precatório quando o débito do Poder Público for considerado de "pequeno valor".
Mais uma vez o legislador deu mostra de que realmente não estava preocupado com o idoso e tampouco com a efetividade da prestação jurisdicional, pois que na ocasião, poderia muito bem ter disciplinado que os débitos do Poder Público, no caso do idoso, assim considerado no respectivo Estatuto, seriam pagos independentemente de precatório, quer se tratasse de pequeno ou grande valor.
A conclusão que se pode extrair não é outra senão que tal dispositivo, supostamente preocupado e condoído com a situação de descaso da pessoa idosa, não passa de uma letra morta, um emaranhado de palavras que se esgotam no vazio delas próprias, esquecendo-se o legislador que as leis, quando produzidas, o são para o caso concreto e não para os livros.