Como de costume, o Código Penal Brasileiro sofreu mais uma alteração em sua parte especial, dessa vez no que diz respeito aos crimes contra o patrimônio. A Lei 13.228/15, que entrou em vigor no dia 29 de dezembro de 2015, acrescentou o quarto parágrafo ao tipo penal do estelionato, estabelecendo uma causa de aumento quando cometido contra idoso. Como efeito, a escala penal passou a variar de dois a dez anos de reclusão quando aplicada a majorante.
Não é de se espantar a reverência feita ao legislador por diversos setores da população que costumam aplaudir o encrudescimento dos institutos do Direito Penal, como resposta imediata à criminalidade visivelmente fora de controle em nosso país. Todavia, não há como ostentar a bandeira da repressão desmedida sem correr o risco de parecer ridículo, ao menos diante daqueles que possuem um mínimo de percepção jurídica, política e matemática.
É indiscutível o caráter abominável do crime de estelionato em prejuízo dos idosos, principalmente quando se sabe que a maioria vive em situação de miséria pelo descaso de um governo que, agora, com a sanção da referida lei, procura tergiversar em favor das suas próprias vítimas. Aliás, torna-se difícil especular em quais situações o idoso figurará como vítima de um crime, mesmo quando mais favorecido economicamente, sem que isso acarrete automática repulsa da sociedade. Com base nessa constatação, a Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) já reconhecia a maior vulnerabilidade das pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos e assim foram criados mecanismos penais e processuais para lhes assegurar maior proteção, inclusive no que diz respeito aos crimes contra o patrimônio, afastando as hipóteses de imunidades relativa e absoluta aos seus agentes nos casos em que as vítimas estivessem abrangidas por essa lei. Porém, no tocante ao aumento da pena do crime de estelionato cometido contra pessoa idosa, a inserção legislativa, além de inútil no combate a esse tipo de transgressão, atenta contra a ordem constitucional por ofender o Princípio da Individualização da Pena.
Há muitos anos vem sendo difundida a ideia de que o problema do aumento da delinquência está diretamente relacionado a uma suposta brandura das reprimendas cominadas na legislação pátria e que o ímpeto do infrator pode e deve ser cerceado por intermédio de uma resposta mais rigorosa em matéria penal. Esse embuste já está tão enraizado em nossa sociedade que nos faz lembrar as diretrizes da propaganda nazista implementada por Joseph Goebbels, no sentido de que uma mentira muitas vezes repetida se tornaria uma verdade. Histerismo e hitlerismos a parte, o certo é que a insistência no falso transcende ao debate jurídico e repousa no campo da psicanálise. Jamais foi comprovada a fórmula de que a reiteração criminosa seja diretamente proporcional a uma legislação complacente. Tomemos como exemplo a Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos), bem como a Lei 11.343/06 (Drogas), entre outras de rigidez comparável, que nenhum efeito trouxeram, exceto o de superlotar os estabelecimentos prisionais, colocando o Brasil em quarto lugar entre os países que possuem a maior população carcerária do planeta, perdendo apenas para os Estados Unidos, Rússia e China.
Em termos práticos, o que irá acontecer a partir de agora com aqueles que se aventurarem no cometimento do crime de estelionato em prejuízo de idoso – o que tende a se multiplicar tendo em vista o exemplo dado pelos próprios governantes, aliado ao crescente desemprego – está muito mais ligado às questões processuais. Para o crime de estelionato, em sua modalidade fundamental, a lei prevê pena mínima de um ano. Sendo assim, preenchidos os demais requisitos objetivos e subjetivos, o acusado fará jus ao instituto do “sursis” processual, evitando assim o julgamento e uma possível sentença condenatória, em troca do cumprimento de diversas obrigações que deverão ser cumpridas durante o período de prova, inclusive a de reparar o prejuízo causado à vítima (art. 89 da Lei 9.099/95). Em contrapartida, se o mesmo delito for praticado contra idoso, em virtude da incidência da norma contida no parágrafo quarto, a pena mínima passa a ser de dois anos, o que impede a aplicação do citado instituto, e, por conseguinte, a solução do conflito sem necessidade de instrução e julgamento. Assim, caminhamos em sentido contrário ao modelo do front-door em homenagem ao arcaico sistema intramuros. E o que se mostra mais curioso é o fato da inovação legislativa ter surgido no exato momento em que o ordenamento jurídico brasileiro procura se modernizar no sentido de buscar a solução dos conflitos pela mediação, desafogando o poder judiciário que nos dias atuais pode se considerar soterrado pelos mais de cento e cinquenta milhões de processos em trâmite.
Tenho certeza de que muitos questionarão por que deveriam se preocupar com a má-sorte dos estelionatários, pois é justo que sofram as consequências dos seus atos, pagando o preço das suas vilanias. Ocorre que essa conta é apresentada à sociedade, que, por sua vez, verá o dinheiro público ser destinado à multiplicação das prisões, em detrimento de diversos outros investimentos que, efetivamente, poderiam servir para inibir ações delituosas de todas as espécies. Em vez de creches, escolas, hospitais, museus, teatros, vamos erguer muros acinzentados, decorados à base de cercas eletrificadas.
Destaca-se como o ponto mais grave da alteração em análise o claro desprezo pelo Princípio da Individualização da Pena, que deve ser observado não apenas por ocasião da aplicação e execução da pena, mas também no momento da cominação, quando o legislador leva em conta a sua proporcionalidade de acordo com o bem jurídico tutelado. Não é tarefa difícil perceber a violação ao preceito constitucional quando se faz um simples exercício mental com base em situações hipotéticas. Tomemos como exemplo o crime de lesão corporal grave previsto no art. 129, § 1.º, do Código Penal, cuja pena é de 1 a 5 anos de reclusão. Quando praticado contra pessoa maior de sessenta anos, em razão da aplicação da causa de aumento prevista em seu parágrafo sétimo, a pena poderá chegar, no máximo, a seis anos e oito meses. O que nos leva a concluir que, segundo a legislação atual, obter vantagem mediante fraude em prejuízo de um idoso, cuja pena varia de dois a dez anos, é mais grave do que arrancar um dos seus olhos. Mais estarrecedor ainda seria a hipótese em que o agente arrancasse não apenas um, mas os dois olhos de um idoso, e ainda perfurasse seus tímpanos, cortasse sua língua, e, por fim, decepasse suas mãos e pés, sem causar-lhe, contudo, a morte. No caso de condenação à pena máxima pela lesão corporal gravíssima, o agente sofreria uma quantidade de pena quase idêntica ao teto do estelionato majorado. A mesma situação ocorreria caso um idoso fosse vítima do crime de tortura tipificado pela Lei 9.455/97. Seria de grande valia se o legislador tivesse consultado os cidadãos de terceira idade a respeito de suas prioridades.
É preciso chamar a atenção para disparates como esse entre tantos outros que vêm marcando o ordenamento jurídico brasileiro. Não foram raras as vezes que, em palestras, ouvi de renomados juristas que o nosso legislador figura entre os piores do mundo, e alguns fatos servem para comprovar essa vergonhosa reputação, como acréscimo de parágrafos subsequentes ao parágrafo único, qualificadoras com pena mínima inferior à forma fundamental, fora os tipos penais incriminadores redundantes ou com termos que nem o próprio autor da norma sabe definir. Se nessa análise considerássemos os projetos de lei propostos e muitas vezes aprovados pelas comissões permanentes de constitucionalidade e justiça, tanto no âmbito do Congresso Nacional, quanto nas casas legislativas estaduais e municipais, deixaríamos o campo da crítica acadêmica para ingressarmos nos roteiros dos humoristas.
Enquanto a politicagem se apropriar dos institutos penais para encobrir o fracasso de inúmeros projetos sociais esquizoides, os processos crescerão em progressão geométrica, e mais prédios públicos serão erguidos para amontoar gente e proclamar o ócio. O estelionato é crime, e como tal deve ser combatido. Dispensável a qualificadora quando praticado contra idoso. A agravante genérica incidente sobre a escala penal atenderia de forma justa e proporcional à violação praticada. Mais uma vez, a inserção mostra-se tão inútil quanto demagógica.