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Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal

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15/08/2017 às 10:10
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4. PRINCÍPIOS PERTINENTES À EVENTUAL INSTITUIÇÃO DO IGF

4.1. Princípio da igualdade

Quando o tema é o Imposto sobre Grandes Fortunas, o primeiro princípio que se destaca é o princípio da igualdade. É sabido que a doutrina divide a igualdade em material e formal, sendo sua primeira acepção o equivalente a tratar os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades.

Assim entende Ricardo Lobo Torres [35]:

A igualdade tributária é um princípio vazio, ao qual repugnam as discriminações arbitrárias, isto é, afastadas da natureza das coisas e da fundamentação ética dos valores e dos princípios jurídicos. Serve de medida e harmoniza simultaneamente a justiça (e seus princípios da capacidade contributiva, da redistribuição de rendas, do desenvolvimento econômico), a segurança (e seus princípios da legalidade, da irretroatividade, da vinculação ao lançamento, etc.) e a própria liberdade absoluta (e suas imunidades explícitas ou implícitas), mediante a ponderação entre esses valores, que deverão ser sopesados frente aos casos concretos.

Para o autor, a igualdade é o mais importante dos princípios jurídicos e o que oferece a maior dificuldade de compreensão ao jurista e ao filósofo do direito. Além disso, no direito constitucional brasileiro, o princípio da igualdade foi sempre fundamental para a própria legitimidade do Estado de Direito[36].

O IGF é chamado por alguns de imposto “Hobin Hood”[37], por se entender que arrecadaria tributos dos ricos para benefício dos mais pobres. É,portanto, um imposto de “justiça social”, conforme entende o doutrinador Sérgio Ricardo Ferreira Mota[38]:

(…) repete-se a defesa no sentido de que o Imposto sobre Grandes Fortunas pode vir a constituir instrumento de alcance da justiça tributária no Brasil, uma vez que permitiria, em tese, não só uma justa distribuição da carga tributária entre os contribuintes, mas também, maior distribuição de renda e riqueza nacionais, o que permitiria, também, em tese, a redução das enormes desigualdades sociais verificadas no país e, por consequência, a pobreza de grande parte da população.

Para os estudiosos favoráveis ao imposto, a justiça social se daria por meio da capacidade contributiva, isto é, “quem pode mais, paga mais”, reduzindo assim o abismo social existente no Brasil. Este seria um meio a ser aliado às políticas de erradicação da pobreza para um futuro sem miséria.

Já os doutrinadores contrários, argumentam que o IGF fere exatamente o princípio da igualdade, conforme salienta Ives Gandra da Silva Martins[39]:

As vantagens do tributo são duvidosas: a de que promoveria a distribuição de riquezas é atalhada pelo fato de que poucos países que o adotaram e terminaram por abandoná-lo ou reduzi-lo a sua expressão nenhuma; a de que desencorajaria a acumulação de renda, induzindo a aplicação de riqueza na produção, que seria isenta de tributo, leva a ferir o princípio da igualdade, possibilitando que os grandes empresários estivessem a salvo da imposição; a de que aumentaria a arrecadação do Estado não leva em conta a possibilidade de acelerar o processo inflacionário por excesso de demanda.

No documentário “Requiem for the American Dream” [40], que apresenta uma série de entrevistas com Noam Chomsky, um dos maiores intelectuais vivos, são explicados o que se denomina “OS DEZ PRINCÍPIOS DA CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA E PODER”, quais sejam:

Um: Reduzir a Democracia; Dois: Moldar a ideologia; Três: Redesenhar a economia; Quatro: Deslocar o fardo de sustentar a sociedade para os pobres e classe média; Cinco: Atacar a solidariedade; Seis: Controlar os reguladores; Sete: Controlar as eleições; Oito: Manter a ralé na linha; Nove: Fabricar consensos e criar consumidores; Dez: Marginalizar a população.

Ao explicar o princípio número quatro Chomsky afirma:

(...)O sistema de impostos foi reprojetado para que os impostos pagos pelos muito ricos sejam reduzidos e, em contrapartida, o fardo dos impostos aumente para o resto da população. Há uma mudança para manter os impostos só para salários e consumo, o que todos têm que pagar, não algo como dividendos, que só cabe aos ricos. Os números são impressionantes. Mas há um pretexto, claro que sempre há um pretexto. O pretexto, neste caso, é que isso aumenta os investimentos e empregos, mas não há provas disso.

Se quer aumentar o investimento, dê dinheiro a pobres, trabalhadores. Eles têm que sobreviver, então gastam suas rendas. Isso estimula a produção e o investimento, leva a aumento de empregos.

Se você é um ideologista para os mestres, você tem uma visão diferente.

(...)As maiores empresas americanas deslocaram o fardo de sustentar a sociedade para o resto da população.

Este é, portanto, um debate principiológico controverso, no qual a única certeza que se tem é a de que ferindo ou não o princípio da igualdade, o IGF está disposto na Constituição de 1988. E neste caso, cabe debater se o próprio poder constituinte feriu o princípio da igualdade ou, pelo contrário, quis defendê-lo.

Conforme explica Thomas Piketty[41]:

No plano simbólico, a desigualdade entre capital e trabalho é extremamente violenta. Ela bate de frente com as concepções mais comuns do que é justo e do que não é, e, portanto, não surpreende que o assunto às vezes acabe deflagrando agressões físicas. Para todos aqueles que nada possuem além de sua força de trabalho e que, frequentemente, vivem em condições modestas,para não dizer miseráveis, como no caso dos camponeses do século XVIII ou dos mineiros de Marikana, é difícil aceitar que os detentores do capital — alguns dos quais, ao menos em parte, herdam essa condição — possam se apropriar de um montante significativo da riqueza produzida sem que tenham trabalhado para isso.

A participação do capital pode alcançar níveis elevados: geralmente entre um quarto e a metade de todo o valor produzido.

4.2. Isonomia tributária e capacidade contributiva

Conforme já dito anteriormente, a capacidade contributiva reza que a maior carga tributária deve recair sobre aqueles que possuem maiores riquezas. Sendo um desdobramento da igualdade, é um importante princípio do direito tributário e um aliado aos argumentos favoráveis ao IGF.

De acordo com Ricardo Lobo Torres [42]:

O mais importante desses princípios é o da capacidade contributiva, que fornece a medida para as comparações intersubjetivas. Hoje aparece explicitamente na CF (art.145). Consiste em legitimar a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos paguem mais e os pobres, menos. Inexiste controle judicial da aplicação do princípio, dependente de apreciação política.

É evidente que no Brasil a alta carga tributária muitas vezes deixa de lado tanto a capacidade contributiva quando a isonomia tributária. É o que explica Hugo de Brito Machado [43] ao dizer que a carga tributária não pode ser tão pesada a ponto de desestimular a iniciativa privada, o que vem ocorrendo no Brasil que possui muitos impostos e estes com alíquotas elevadas.

Além disso, os impostos que deveriam ser convertidos em benefício do povo, são utilizados para manter em funcionamento a máquina estatal, que, desde os primórdios com a vinda da família real para o Brasil, tem custo mais elevado que sua eficiência. Por esse fato, possível de ser constatado no dia a dia da maioria dos brasileiros, põe-se em dúvida se, no caso da regulamentação de um novo tributo, a renda seria realmente melhor distribuída ou se o valor da arrecadação seria engolido mais uma vez pela máquina estatal.

Fato é que, dada a isonomia tributária, não é correto que a alta carga brasileira de impostos atinja a camada mais pobre como vem ocorrendo. E, nesse sentido, o IGF se apresenta como um aliado à distribuição de renda, se utilizado da forma devida, principalmente no momento atual em que se vive uma crise financeira e política no Brasil, em que o Estado para tentar cobrir os gastos tenta reintroduzir impostos como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), além de aumento de preços e diminuição de gastos.

4.3. Não-confisco

A respeito do significado da palavra “confisco” para o ordenamento jurídico brasileiro, destaca-se que: “É concebido, no ambiente jurídico, como ação de força exercida pelo Estado consistente em transferir para si todos ou parte dos bens de um particular" [44].

Para Eduardo Sabbag[45]:

De modo geral, o conceito de confisco tem sido apresentado como a absorção da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização. No momento em que isso ocorre, no plano tributário, exsurge o confisco em matéria tributária, revestindo-se da roupagem de tributo inconstitucional.

Na época do absolutismo monárquico –século XVIII- o bem do particular podia ser confiscado a critério da administração, bastando a vontade desta. Nos dias atuais o princípio que rege o direito tributário brasileiro é o do não-confisco, no entanto há a possibilidade do Estado se apropriar de um bem do particular. Como exemplo, temos o artigo 243 da Constituição federal[46] que elenca uma hipótese legal de tal ato:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário, e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Daí conclui-se que apesar da regra ser “não confiscar”, há hipóteses legais em que é possível.

Tal princípio guarda relação estreita com o princípio da capacidade contributiva, como explica Eduardo Sabbag[47]:

(...)Nesse passo, vale a pena recordar que o princípio da vedação ao confisco deriva do princípio da capacidade contributiva, atuando aquele, em conjunto com este, porquanto essa capacidade econômica se traduz na aptidão para suportar a carga tributária sem que haja perecimento da riqueza tributável que a lastreia, calcada no mínimo existencial. A propósito, o mínimo existencial (vital ou necessário) está delineado no art. 7º, IV, CF, cujo teor indica os parâmetros de quantidade de riqueza mínima, suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, isto é, um limite intangível pela tributação, no bojo da capacidade contributiva.

A partir desse pequeno esclarecimento pode-se fazer a ponte entre esse princípio e o Imposto sobre Grandes Fortunas. Aliás, este é o argumento mais utilizado pelos estudiosos contrários à instituição do imposto.

Nesse sentido, dispõe o artigo 150, inciso IV da Constituição[48]:

Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Seguindo esse princípio, o IGF não poderia absorver parcela considerável da fortuna do contribuinte de modo que o Estado fique com fatia maior que a do contribuinte. Então seria difícil conciliar um imposto cujo fato gerador recai sobre o patrimônio da pessoa física, sendo patrimônio entendido em seu sentido amplo: bens móveis, bens imóveis, bens físicos, bens financeiros, e eventuais direitos dos contribuintes.

Cabe ressaltar que o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, preveem alíquotas baixas para o IGF, se comparadas com as fixadas para outros impostos, como o Imposto de Renda, afastando assim a ideia de caráter confiscatório. Isso faria jus às finalidades complementares e extrafiscais do IGF que pressupõem alíquotas baixas, até porque a sua base de cálculo sempre será uma monta considerável, sob pena de o patrimônio não se enquadrar naquilo que a lei vier a conceber como grande fortuna.

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Nesse sentido, Raul Haidar afirma ser um equívoco afirmar que o conceito de Grandes Fortunas é vago ou incerto, argumento utilizado por vários críticos da regulamentação. Assim, “a fixação de valores na legislação, seja para definir tal conceito, seja para estabelecer o limite de isenção do imposto de renda da pessoa física ou qualquer outro, cabe ao legislador.”[49]


5. VIABILIDADE DA INSTITUIÇÃO

5.1. Evasão fiscal e o desestimulo á investimentos

O conceito de evasão fiscal gira em torno na utilização de um meio ilícito para não pagar os tributos devidos. Esse é um dos principais receios quanto a introdução do IGF no Brasil.

A ideia de que a instituição do IGF causaria evasão fiscal assume que é melhor ter capital concentrado do que tentar distribuir, mas certo é que as consequências só podem ser corretamente analisadas depois de instituído o tributo.

Segundo Henry Tilbury, o IGF, pelo contrário,é por si só, o melhor instrumento de efetivação de controle da administração tributária, elidindo a evasão fiscal:

A redistribuição da riqueza seria outro efeito benéfico do IGF, que funcionaria também como instrumento de controle da administração tributária, mediante o cruzamento de dados com base nas declarações da renda auferida, dos bens para o IR ou o IGF e das parcelas do patrimônio consideradas para tributações específicas. Haveria, assim, menor possibilidade de evasão de diversos tributos.[50]

Pedro Humberto de Carvalho Jr., pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) afirma que o IGF pode diminuir o excesso de incentivos fiscais e o alto custo político que muitos municípios brasileiros têm em cobrar o IPTU, visto que uma das propostas discutidas é permitir o contribuinte abater no IGF o que foi pago de IPTU.

Também incentivaria os donos de imóveis a extraírem renda, reduzindo a ociosidade do parque habitacional. Por outro lado, admite que pode ocorrer o mesmo que na Suécia, cair em 5% a 10% o valor de mercado das ações, que passam pagar o novo imposto. Conclui que caso o Brasil opte por adotar o IGF, será preciso tempo para aprimorá-lo, viabilizando os objetivos maiores de melhorar a distribuição de renda e combater a evasão fiscal. [51]

Thomas Piketty,em seu livro “O capital no século XXI”, discute a aplicação do Imposto sobre Grandes Fortunas e afirma que o desestímulo a novos investimentos não ocorreria pelo fato de a sua incidência se dá em face do patrimônio acumulado e não em face da percepção de rendimentos.[52]

Por outro lado, reconhece o risco das Grandes Fortunas saírem do país, dificultando o desenvolvimento econômico. Para combater isso, divaga sobre uma “utopia útil”, que seria a adoção do imposto em escala global, o que é praticamente impossível atualmente. Segundo o autor:

O imposto mundial sobre o capital é uma utopia: seria difícil acreditar que as nações do mundo pudessem concordar com essa ideia, estabelecer um cálculo de tributação para ser aplicada a todas as fortunas do mundo e depois redistribuir harmoniosamente essas receitas entre os países.[53]

Essa ideia é muito interessante, levando-se em consideração que evitaria a bitributação internacional ocasionada pela convergência de normas internas. Segundo estudo feito pela consultoria legislativa da Câmara dos Deputados,[54]a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já possui cláusula de troca de informações em matéria fiscal que está sendo adotada pelo Brasil em seus tratados internacionais.

O autor ainda elenca que o IGF é vantajoso em relação ao sistema de tributação atual pelo fato de que permite a dedução das dívidas incidentes sobre o patrimônio, -o que hoje não se admite-, adota a progressividade, já que atualmente quase toda a tributação sobre patrimônio é proporcional, e, por fim, atinge não só o capital imobiliário, mas também o financeiro.[55]

No tocante à evasão fiscal, Thomas Piketty[56] relata que na França, onde a tributação de Grandes Fortunas sempre foi uma discussão em pauta, não houve a fuga de capitais que se costumava noticiar:

(...)Por exemplo, as várias mídias francesas, acostumadas há anos a descrever a saída maciça das grandes fortunas (sem de fato verificar a informação de outra maneira a não ser por anedotas individuais), ficaram espantadas ao constatar, a cada outono desde 2010, nos relatório do Crédit Suisse, que a França aparece como a líder européia das fortunas: o país sistematicamente figura na terceira colocação (atrás dos Estados Unidos edo Japão e nitidamente à frente do Reino Unido e da Alemanha) na listados países que abrigam o maior número de milionários, em dólares. Para esse caso, a informação parece exata (tão exata quanto possível a partir das fontes disponíveis), mesmo se os métodos do Crédit Suisse os conduzem a subestimar demais o número de milionários alemães e,assim, a exagerar a distância entre a França e a Alemanha.

O autor faz uma análise detalhada de vários países, mas não chegou a analisar o Brasil por falta de dados adequados. Como ele mesmo apontou em entrevista, o problema do Brasil é “a falta de transparência em dados referentes a Imposto de Renda, por exemplo.”[57]

Portanto, conclui-se que a evasão fiscal é uma questão política, ou seja, depende da correlação de forças no Congresso, de se estabelecer alíquotas condizentes com a capacidade contributiva dos muito ricos, e de estabelecer mecanismos de controle sobre o fluxo de capitais. Mas isto geralmente é visto como algo "tecnicamente impossível" principalmente pelos ditos neoliberais, quando na realidade, trata-se de uma questão política. Para cada tática de se evadir, pode haver uma reação da administração tributária.

5.2. Bitributação

Em relação ao Imposto de renda muitos autores afirmam que o IGF consiste em uma bitributação e que teria o mesmo fato gerador do Imposto de Renda. Essa é a opinião do tributarista Ives Gandra Martins que afirma:

O Imposto sobre Grandes Fortunas é um imposto em que a fortuna foi feita com todas as tributações anteriores. Por exemplo, alguém que vai fazer uma fortuna e tem uma empresa ele pagou ICMS, ISS, IPTU e pagou o imposto de renda e a CSLL e teve um patrimônio que ele vai aplicando. Isso é um patrimônio estático. Tudo que ele vai ganhar, ele tributa. Agora sobre o patrimônio estático cobrar, significa que todo o ano ele vai ficar com menos dinheiro. Então, ele vai ficar com menos para investir. [58]

No entanto, o IGF pode ser visto como um imposto complementar, isto é, ampliando o alcance da tributação sobre os ganhos de capital. Segundo Amir Khair, mestre em finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas, não há nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens. A regulamentação do IGF iria diminuir a forte regressividade do sistema tributário, descentralizar mais recursos para Estados e Municípios, desonerar a folha de pagamento das empresas, contribuindo para reduzir a informalidade e com isso gerar empregos e desenvolvimento. [59]

Ademais, o Código Tributário Nacional especifica o IR:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Nesse diapasão, Thomas Piketty analisa a necessidade de uma tributação direta sobre o capital, e não apenas sobre a renda, pois aquele permite captar a capacidade contributiva dos titulares de Grandes Fortunas, o que no âmbito da tributação da renda nem sempre é possível em função de possibilidades mais amplas de planejamento fiscal.[60]

Diz o autor:

O ponto importante é que o imposto sobre o capital seja um imposto progressivo e anual sobre o patrimônio global: trata-se de tributar mais os patrimônios maiores e de levar em consideração o total dos ativos, quer sejam imobiliários, financeiros ou corporativos, sem exceção. Isso distingue muito claramente o imposto sobre o capital defendido neste livro dos impostos sobre patrimônio que existem hoje em vários países, mesmo que valha a pena preservar alguns aspectos importantes dos sistemas atuais.[61]

Além disso, o argumento de que o imposto acabaria por englobar fatos geradores de outros tributos como o IPVA para veículos, IPTU, em relação a imóveis urbanos e ao próprio IR em relação à renda, é rebatido nos projetos de lei que preveem a possibilidade de compensação, em homenagem ao princípio do non bis in idem. 5.3 Função social

A ideia central da função social do Imposto sobre Grandes Fortunas gira em torno da redistribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais. Ele é visto como uma forma de tornar mais igualitário o Sistema Tributário Nacional. Sabe-se que no Brasil já existe uma alta carga tributária que não é administrada com competência suficiente a garantir o mínimo básico para saúde e educação públicas por exemplo.

Para a maior parte da população, os direitos sociais elencados pelo artigo 6º da Constituição federal, quais sejam: educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, simplesmente não existem.

Por isso, acima de tudo é necessária uma política econômica de qualidade, e, no caso da instituição do imposto, não deve ser feito apenas como forma de agradar a população mas sim de forma séria e comprometida.

Como diz Rudolph Von Jhering, a batalha pelo seu direito é um dever da pessoa cujos direitos foram violados. “A afirmação dos direitos legais de uma pessoa é, portanto, um dever de autopreservação moral.” [62]

Se forem analisados vários dispositivos da Constituição federal, inclusive alguns que são cláusulas pétreas, constata-se que muitos não são cumpridos e que, pelo contrário, estão em sentido inverso. Ao não garantir os direitos sociais básicos encontra-se violada a dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1º, III da CRFB/88, além da própria supremacia da carta magna.

Os atos e Disposições Constitucionais Transitórias em seu art. 80, inciso III, tem a seguinte redação: “Art.80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...]III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição;”

Ou seja, o artigo 153, VII trata exatamente do IGF, que segundo esse dispositivo do ADCT segue a verdadeira finalidade dos impostos, qual seja a justiça social, através da distribuição da riqueza.

Apesar da alta carga tributária, os mais pobres são quem suporta a maior parte dos impostos. Isso foi constatado por um estudo da PwC (Price water house Coopers) divulgado pela BBC Brasil[63] que comparou a carga tributária do Brasil com outros países do G20, que é o grupo das nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.

Segundo esse estudo, na comparação com as três faixas de renda anual R$116.354 R$249.330 e R$415.550, constatou-se que a menor faixa de renda é a que arca com a maior parte da carga tributária. Quem ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é 67,5%.

O estudo conclui ainda que a alta carga tributária brasileira vem dos impostos indiretos, ou seja, os impostos embutidos em produtos de consumo e em sua produção.

Por exemplo, 56% do preço da gasolina é para pagar impostos. Em recente protesto feito no Rio de Janeiro, os postos de gasolina venderam o produto sem cobrar imposto, o que resultou no preço de R$1,69 (um real e sessenta e nove centavos) o litro.

Nesse sentido, de acordo com reportagem da Carta Capital[64]quem ganha até um salário mínimo (R$ 724 reais) tem carga tributária real de 37%, contra 23% com salário de R$ 6 mil reais e 17% com salário de 22 mil reais. Portanto, conclui-se que se trata de um modelo injusto, no qual é priorizada a renda e ganhos patrimoniais em detrimento do consumo e dos mais pobres.

Essa constatação fere diretamente a Constituição Federal e o princípio da isonomia material, que vai além da isonomia formal, devendo tratar os desiguais de forma desigual, na proporção de suas desigualdades. Ora, pois, osmais ricos não deveriam ser privilegiados com menos impostos justamente pelo fato de terem maior capacidade contributiva. Certo é que o objetivo principal a ser buscado é a erradicação da pobreza nos termos do artigo 3º da Constituição que tem a seguinte redação:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[65]

Ademais, a instituição do IGF abriria brecha para diminuição de outros impostos pagos pela população de menor renda se a real intenção for a justiça tributária.

O problema, descrito por Hugo de Brito Machado[66] é justamente a falta de comprometimento do poder público:

Infelizmente, na prática, o gasto público geralmente é objeto de péssima gestão, quase sempre desatenta à solidariedade social, verificando-se com enorme frequência o desperdício e a corrupção, de tal sorte que, por maior que seja a arrecadação, os recursos públicos são sempre insuficientes. E isto enfraquece a ideia de solidariedade como fundamento da cobrança do tributo, pois os contribuintes se sentem enganados pelos governantes ao perceberem que a solidariedade não passa de um pretexto para a cobrança do tributo. A rigor, portanto, até para que a solidariedade social possa funcionar como fundamento para a instituição e a cobrança do tributo, é importante que ela esteja presente no gasto público, que há de ser realizado com seriedade e tendo em vista sobretudo as necessidades dos mais pobres.

Portanto, conclui-se que apesar da alta carga tributária brasileira – embutida principalmente em bens de consumo- os investimentos em direitos sociais básicos não são devidamente cumpridos. Portanto, no caso de instituição do IGF, este teria que ser aliado a políticas sérias de fiscalização da verba pública para que seja respeitado o princípio da solidariedade, pois só assim seria respeitado o verdadeiro espírito do legislador originário.

5.4. Diminuição da concentração de renda

Em estudo recente feito pela Secretaria de Política Econômica da Receita federal sobre dados de 2014/2015, publicado em Maio de 2016, denominado “Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira”, levantou-se que parcela substantiva da renda tributável está alocada nas faixas salariais superiores. Apenas 8,4% da população se apropria de 59,4% da riqueza no Brasil.

Observa-se, também, que os 0,3% (acima de 160 SM) controlam 22,7% dos bens e dos direitos disponíveis. Já nas deduções legais, 40,8% da população (na faixa salarial de 5 a 20 SM) concentram 53% das deduções, enquanto os 2,7% declarantes mais ricos (acima de 40 SM) são responsáveis por 10,8% do montante deduzido.

O estudo, em síntese, conclui que “a elevada desigualdade no topo da distribuição de renda tende a limitar a igualdade de oportunidades na sociedade e pode ser um inibidor do crescimento econômico.” (fonte de consulta do estudo em nota)

Um dos mais recentes projetos de lei para instituição do IGF apresentados ao congresso (PL 130/12)[67] em sua justificação trás os índices de desigualdade social no Brasil:

Apesar da melhora substancial da distribuição de renda no Brasil, observada desde 2001, a desigualdade de rendimentos ainda permanece extremamente elevada para os padrões internacionais. Todo o avanço acontecido nos últimos anos ainda coloca o Brasil atrás de cerca de 90% dos 124 países que apresentam informações atualizadas sobre distribuição de renda. Isso significa que, daquele total, 112 países apresentam uma distribuição de renda melhor do que a brasileira, confirmando também o último Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, no qual o IDH do Brasil ocupa a 84º posição entre 187 países pesquisados. Entretanto, se o IDH é ajustado pela desigualdade de renda, então se reduz em 27,7% o IDH brasileiro, calculado pela metodologia tradicional em 2011. Ou seja, se é considerada a distribuição de renda do País, ocorre uma piora considerável do seu IDH.

E complementa explicando a incidência pretendida:

Pretende-se, com este projeto de lei, que a incidência do Imposto atinja tão somente aqueles que apresentam grandes fortunas, estimados em cerca de 10 mil famílias e, principalmente, dentro desse universo de contribuintes, as cinco mil famílias que teriam um patrimônio equivalente a 40% do PIB. O número de famílias que recolheriam o Imposto sobre Grandes Fortunas corresponderia a 0,04% do universo das pessoas físicas que declararam imposto de renda em 2007. Esse percentual é reduzido para 0,02%, quando consideramos a “superelite” de cinco mil famílias. Estima-se que a arrecadação total desse imposto fique no patamar mínimo de R$ 6 bilhões, no primeiro ano de seu recolhimento.

Ou seja, a maior parte da riqueza está concentrada nas mãos de poucas famílias, enquanto a alta carga tributária brasileira onera principalmente os mais pobres já que arcam com uma maior parte de sua renda. A desigualdade e a pobreza ainda são problemas graves no Brasil e por isso, são necessárias políticas públicas condizentes com a Constituição Federal [68], que em seu artigo 3º dispõe que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

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Sobre a autora
Monica ElJaick

Advogada, formada pela UCAM -Nova Friburgo, Pós graduação em Direito Público pela UCAM e em Direito Contemporâneo pela Faculdade São Luis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELJAICK, Monica. Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5158, 15 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59247. Acesso em: 24 abr. 2024.

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