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Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal

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15/08/2017 às 10:10
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6. PROJETOS DE LEI

6.1. PLs apresentados

O primeiro Projeto de Lei apresentado no Congresso Nacional data de 1989, de autoria de Fernando Henrique Cardoso, quando Senador. A proposta aprovada no Senado no mesmo ano, mas só após 11 anos de tramitação foi analisado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara (CFT), onde foi rejeitado no mérito, embora tenha obtido parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara (CCJR)

Em entrevista para a Folha de S. Paulo[69] a época, Fernando Henrique afirmou:

Logo que apresentei o projeto não faltaram críticas e mesmo discretas pressões para saber porque vir à tona com esse assunto (...) não obstante todo esse esforço, nenhum projeto provocou maior alarido do que o referente às grandes fortunas. Quem o ler verá que, menos do que um impacto fiscal, ele terá um efeito positivo para controlar a sonegação. De fato, as alíquotas propostas que incidirão sobre patrimônios superiores a 1 bilhão de cruzeiros (emenda do deputado Bonifácio Andrada) variam, em cascata, entre 0,3% e 1,0%. Não existe, portanto, espírito confiscatório.

Curiosamente ele atualmente discorda de seu próprio projeto e critica a eventual instituição do IGF.

Em entrevista para o Estadão em 2008:

Este imposto, do jeito que está hoje, prejudicaria somente a classe média, que não tem meios de escapar do Fisco. Os ricos mandariam seu dinheiro para paraísos fiscais, nos chamados fundos cegos, e escapariam da tributação.[70]

Como alternativa, o ex-Presidente da República sugere ser mais viável a criação do imposto sobre herança:

Atualmente, praticamente não temos tributação sobre herança no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o contribuinte pode destinar, ainda em vida, cerca de 20% do imposto para universidades, centros culturais e museus, o que ajuda a explicar a grande quantidade de doações naquele país.

Como já explicado anteriormente, o inciso VII do artigo 153 da Constituição depende de lei complementar para que produza seus efeitos. Para aprovação de uma Lei Complementar é necessário o voto favorável da maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso Nacional.

Nesse sentido já foi proposta pelo governo em 2003 a PEC (Proposta de emenda à constituição) 41/03 que visava, entre outros pontos, a supressão da parte do artigo que diz “nos termos de lei complementar” no artigo 153, VII CF. Desse modo, seria possível que uma simples lei ordinária regulamentasse o tributo, tornando mais fácil sua aprovação – apenas 21 senadores e 129 deputados- o que não obteve êxito.

Em 2008, o PL 277/08 proposto pelos deputados Luciana Genro, Chico Alencar e Ivan Valente, todos do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) previa taxa progressiva entre 1% e 5% para pessoas com patrimônio superior a R$ 2 milhões. O art. 2º define como contribuintes “as pessoas físicas domiciliadas no país, o espólio, a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no país”.

O PL obteve parecer favorável na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, no entanto foi apresentado um substitutivo diminuindo a alíquota para taxas entre 0,3% a 1%, onde pessoas com patrimônio superior a 50 milhões seriam taxadas em 1%.

Também há o PLS 534/2011 que se encontra pronto para a pauta na comissão desde 05/08/2015. Já o PL 950/2011 cria a Contribuição Social Sobre as Grandes Fortunas para financiar a saúde pública e não um imposto propriamente dito.

Em 2012, houve a proposta do PL 130/12, apresentado por nove deputados do PT (Partido dos trabalhadores), que define o que seria “Grandes Fortunas” em seu artigo 3º:

Art. 3º O imposto tem como fato gerador a titularidade de grande fortuna, definida como o patrimônio líquido que exceda o valor de 8.000 (oito mil) vezes o limite mensal de isenção para pessoa física do imposto de que trata o art. 153, III, da Constituição Federal, apurado anualmente, no dia 31 de dezembro do ano-base de sua incidência.

Por fim o PL 315/2015 se encontra com o relator desde 24/09/2015. Tal PL indica nos incisos do artigo 2º § 1º o que não seria de incidência do imposto:

I– o imóvel de residência do contribuinte e os bens de pequeno valor, de uso doméstico, conforme o disposto em Regulamento;

II– os bens de produção e instalações utilizados para obtenção de rendimentos de trabalho autônomo;

III– os bens objeto de tombamento ou de declaração de utilidade pública pelo Poder Público e os gravados por reserva legal ou voluntária para fins de utilização social ou de preservação ambiental;

IV– os bens dados em usufruto a entidades culturais, educacionais, filantrópicas, religiosas e sindicais, ou reconhecidas como de utilidade pública, enquanto durar a dação;

V– os bens cujo uso esteja interditado por posse, invasão ou esbulho possessório, assim reconhecido por sentença judicial e enquanto durar a interdição;

VI – os bens consumíveis não destinados à alienação;

VII – os bens guardados por cláusula de inalienabilidade.

Percebe-se que os projetos ainda em tramitação no senado possuem votação on-line onde a população pode opinar. Em todos eles o “SIM” para o IGF está na frente. [71]

Assim sintetiza Pedro Humberto Bruno de Carvalho[72]:

Os projetos de lei propostos por deputados e senadores desde 1989 apresentam uma certa similaridade entre si. Possuem poucos artigos, poucas medidas antievasivas e texto simples, onde muitas vezes as diferenças se encontram apenas na estrutura de alíquotas e no limite de isenção. O estabelecimento do limite de isenção é um fator muito importante, pois a alíquota efetiva do imposto é fortemente influenciada por ele. Quanto menor o limite de isenção, maior será a efetividade do imposto e menor o incentivo à transferência da titularidade da propriedade. Um menor número de alíquotas também inibe a transferência da propriedade, como forma a ser tributado por uma faixa menor.

E conclui:

As medidas antievasivas estão presentes em seis dois oito projetos elucidados. Nos projetos iniciais a restrição era vaga, apenas relatando que pessoa jurídica seria solidariamente responsável caso fosse constituída para sonegar o IGF e que os bens não declarados seriam presumidos como sendo adquiridos com rendimentos sonegados do Imposto de Renda. Nos projetos mais recentes, aplicam-se multas para casos de subavaliação e ocultação do bem e do seu proprietário.

6.2. Mora legislativa

A demora no processo legislativo é um problema recorrente no Brasil. Conforme dito anteriormente, um exemplo é o projeto de Fernando Henrique Cardoso que se encontra esperando votação desde 2000. Dezesseis anos não é um prazo razoável, e isso ocorre com muitos projetos que lá ficam esquecidos.

Parte da doutrina questiona se seria possível falar em inconstitucionalidade por omissão no caso da não instituição de um tributo previsto pela Constituição Federal. A posição contrária afirma que o exercício da competência tributária é de natureza discricionária. A Constituição não instituiria tributos, apenas outorgaria competência aos entes para fazê-lo, que poderiam ou não fazer uso de tal competência. [73]

No entanto, o governador do Maranhão, Flávio Dino, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n. 31 em face do Congresso Nacional, discutindo a demora da regulamentação do IGF. Segundo ele:

Ante o fragilizado pacto federativo vigente no Brasil, estando a União no topo da pirâmide, a concentrar a maior parcela das receitas fiscais, ocupando os estados-membros papel coadjuvante na arrecadação tributária e na repartição de receitas, é inegável a dependência financeira destes últimos em relação à primeira. A dependência estadual dos cofres federais se exaspera no caso do Estado do Maranhão, porque se trata do estado-membro com o segundo menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita e que ostenta ainda baixíssimos indicadores sociais, como o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).[74]

A relatoria da ADO é do ministro Teori Zavascki e até o momento de conclusão do presente trabalho ainda não foi julgada. O autor da ação ressaltou que não adiantará a mera declaração de mora legislativa perante o Congresso Nacional e pede ao Supremo uma solução provisória enquanto a regulamentação não é aprovada.

De nada adiantará à guarda da Constituição a mera proclamação da mora do Poder Legislativo ou mesmo a fixação de prazo ao Congresso Nacional para a edição da lei faltante, se com essas medidas outra não for tomada, de verdadeiramente ditar qual a regra vigerá caso permaneça a omissão inconstitucional. Isso porque há questões que não conseguem reunir um consenso no Parlamento, ou mesmo outras em que há uma certa resistência do Congresso Nacional ou do Poder Executivo em regulamentar, impedindo a concretização da vontade constitucional.[75]

Em recente parecer, a Procuradoria-Geral da República, manifestou-se pelo acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa do Governador suscitada pelo Congresso Nacional.

O argumento é o de que não há pertinência temática apesar da omissão legislativa acarretar impactos negativos para o estado do Maranhão, uma vez que o imposto é de competência da União.

Sustenta ainda não haver omissão constitucional pelo fato de a norma do artigo 153 da Constituição não tem caráter impositivo, mas sim facultativo, fundamentando seu entendimento em Paulo Caliendo:[76]

[...] Diversas são as razões extraídas da experiência internacional que tem desaconselhado a sua implementação, tais como: dificuldades administrativas, redução da poupança nacional interna, evasão de divisas, possibilidade de confisco e conflitos com os tributos sobre a renda e patrimônio existentes. Tanto o patrimônio, quanto a renda já foram tributados no processo produtivo em diversas ocasiões, durante o ciclo produtivo, dessa forma a possibilidade de ocorrer uma situação de dupla ou tripla tributação econômica do patrimônio e da renda, com consequente efeito de confisco é uma possibilidade concreta.

Por fim, argumenta que não cabe ao Supremo Tribunal Federal atuar como legislador positivo, pois desse modo afrontaria os princípios da divisão funcional do poder e da legalidade tributária.

6.3. Posicionamentos do atual Congresso nacional

Nota-se que a grande maioria dos projetos de lei para a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, advém dos chamados “partidos de esquerda”, como PSOL e PT. No entanto, a maioria dos parlamentares diz ser a favor da regulamentação do tema.

Segundo pesquisa feita pelo site G1[77], da rede Globo, 307 (59,8%) dos 513 deputados federais que exercem mandato atualmente são a favor da regulamentação do tema. 101 (19,6%) se posicionaram contra a proposta. Outros 105 deputados (20,4%) não quiseram responder ou não se manifestaram. A pesquisa foi publicada em 31/01/2015.

Então por que os projetos de lei passam anos e anos engavetados no Congresso sem que por eles seja demonstrado o mínimo interesse?

De acordo com o DIAP (Departamento intersindical de Assessoria Parlamentar)[78], nas últimas eleições ocorridas no ano de 2014, foi eleito o Congresso mais conservado desde 1964.

O aumento de militares, religiosos, ruralistas e outros segmentos conservadores é preocupante a medida que a presença de parlamentares ligados á causas sociais e frentes sindicais caiu significativamente. De acordo com o presidente do DIAP Antônio Augusto Queiroz, “Isso é produto da alienação. Quem foi para rua (nas manifestações de 2013), em grande medida, foi pedindo mudanças. Mas sem ter uma liderança capaz de direcionar e coordenar (o movimento). Era "contra tudo que está aí".”.

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Observa-se, portanto uma contradição, em um país em crise econômica e falta de verbas, esse mesmo congresso conservador trabalhou arduamente para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, realizando sessões de até 43 horas ininterruptas, inclusive aos finais de semana para aprovar o processo, enquanto várias pautas e projetos importantes continuam anos esquecidos, apesar da maioria se dizer a favor da regulamentação.

Em contrapartida, medidas como a PEC 241 que congela os gastos públicos da União por vinte anos ganhou extrema agilidade no Congresso Nacional.


7. CONCLUSÃO

Após as diversas pesquisas realizadas para produção do presente trabalho restou evidente que a doutrina é bastante controvertida a respeito da viabilidade de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas. O principal obstáculo é, sem dúvidas político, pois é o único imposto previsto pela Constituição que ainda não está em vigor. Há bons argumentos de ambas as partes, que procuraram ser explicitados na presente monografia, mas o fato é que, no caso da instituição, isso deve ser feito com seriedade para que se cumpram os reais objetivos previstos na Constituição Federal.

Buscou-se analisar o tema a partir do contexto histórico brasileiro bem como a comparação com as experiências ao redor do mundo. Comparando com os diversos projetos de lei já apresentados no Brasil, chegou-se a conclusão de que as alíquotas do tributo não podem ser muito elevadas, de forma que não violem o princípio do não-confisco mas que ao mesmo tempo produzam a receita esperada.

Além disso, necessário se fez um paralelo a todo o tempo com a Constituição Federal, pois é a carta magna que dá as diretrizes para o ordenamento jurídico brasileiro. Foram abordados diversos princípios, fundamentos e objetivos, muitos dos quais não são cumpridos adequadamente até hoje pela República Federativa do Brasil.

Para tanto, discutiu-se a eficácia das normas constitucionais, diferenciando-se as normas contidas, plenas e limitadas. A não regulamentação de uma norma de eficácia limitada faz com que ela não possa produzir seus plenos efeitos, o que no presente caso culminou com uma Ação direta de inconstitucionalidade por omissão perante o Supremo Tribunal Federal.

Apontou-se ainda a excessiva mora legislativa do Congresso nacional para apreciar não só esse, mas diversos temas importantes. A quantidade de projetos de lei para a regulamentação do tema não é problema. Muitos são votados nas Comissões de Constituição e Justiça, mas ao serem enviados ao plenário para votação ficam anos aguardando, sem previsão.

A maior dificuldade encontrada foi no tocante a inexistência de experiência empírica no Brasil. Apesar de existirem experiências no exterior, não há como saber exatamente o que ocorreria no Brasil, sendo certo que a evasão fiscal poderia ser combatida com medidas fiscalizatórias de cruzamento de dados e informações referentes ao patrimônio e os investimentos podem ser estimulados através dedução das dívidas incidentes sobre o patrimônio por exemplo.

Por fim, conclui-se que no atual sistema tributário o contribuinte com menor capacidade contributiva é o que está sendo mais sufocado pelo acumulo de impostos. A justiça tributária e sua função social são argumentos nobres, mas o Imposto sobre Grandes Fortunas não deve ser visto como aquele que resolverá todos os problemas. Se instituído pode ser uma formas de redistribuição de riqueza, desde que devidamente empregado nas reais necessidades da população, e, para isso deve ser aliado a políticas públicas sérias de fiscalização da verba pública, combate à corrupção e reais investimentos que garantam os direitos sociais previstos na Constituição Federal.Parafraseando o professor Clóvis de Barros Filho [79]:

(...) Se você quiser mudar de verdade o direito, isto é, redefinir mesmo o que podemos ou não fazer na sociedade – e não apenas reformá-lo dourando a pílula mas conservando os privilégios de sempre- incida sobre a relação de forças vigentes na luta de classes. Retire de uma dessas classes a primazia de seus interesses. Considere nas normas jurídicas os reais interesses de quem não é proprietário.

Ou seja, não adianta adicionar mais um imposto no sistema brasileiro conservando os privilégios de sempre, são precisas melhorias em todo o sistema para que se respeite o mínimo existencial acessível a todos e o real espírito do legislador originário ao criar o Imposto sobre Grandes Fortunas.

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Sobre a autora
Monica ElJaick

Advogada, formada pela UCAM -Nova Friburgo, Pós graduação em Direito Público pela UCAM e em Direito Contemporâneo pela Faculdade São Luis

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELJAICK, Monica. Imposto sobre grandes fortunas: uma análise à luz da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5158, 15 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59247. Acesso em: 26 abr. 2024.

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